“VANDRÉ – O HOMEM QUE DISSE NÃO”
Jeremias Macário
O rei dos festivais e
poeta maior da canção nordestina que bebeu na fonte do cordelismo e até da
Bossa Nova, não fazia camuflagens. Era direto com suas letras de protesto
contra a ditadura militar. Entre colegas até instigava a sua derrubada.No final
do seu exílio, de pouco mais de quatro anos, caiu doente de tanto sofrer de
saudade da pátria. Depois do seu retorno, em 1973, nas vésperas do golpe do
general Pinochet no Chile, virou um enigma, nunca confessou ter sido torturado
e sempre declarou que suas músicas eram de amor.
Seu auge e seu fim começaram com a canção
sucesso no início dos anos de chumbo e até hoje cantada “Pra não dizer que não
falei das flores (Caminhando)”, tornando-se a partir dai, em final de 1968, o
inimigo número um das forças armadas entre os compositores brasileiros. Voltou
amargurado, renegando a mídia e a cultura de massa. Para quem pregou um dia que
a arte tinha que ser de protesto e retratar a realidade, disse depois num de
seus momentos mais depressivos, que “conseguiu ser mais inútil do que qualquer
artista”.
Para não ser preso e
morto partiu clandestinamente para o Chile no início de 1969 e de lá para a
França. Perambulou pela Europa onde participou de um festival de música na
Bulgária. Irregular, foi pressionado a deixar a França. Constrangido, acuado e
acossado pela opressão contra o livre pensar e se expressar, tentou se
conciliar com os generais e até fez a canção “Fabiana” em homenagem à FAB.
Vestiu farda da aeronáutica a quem denominou de “exército azul”. Sua “loucura”
foi atribuída a possíveis torturas sofridas nos porões da ditadura.
No início da década de 70, em pleno auge da
ditadura, o compositor participou com Manduka de um festival em Lima, no Peru,
com a música “Pátria amada, idolatrada, salve, salve”, na tentativa de acalmar
os ânimos dos generais que nutriam ódio por ele. No entanto, os fardados da
linha dura o condenaram mais ainda por ter usado trechos do Hino Nacional.
Sempre foi um patriota convicto. Numa de suas
apresentações nos Estados Unidos, do seu jeito esquentado, se invocou com um
baixista norte-americano da banda porque não falava uma palavra em português,
enquanto os brasileiros tinham que aprender o inglês para se relacionar com sua
gente. Encheu tanto o “saco” do cara com esta discussão que o músico, um negão
forte, o suspendeu até a parede e quase o esmagava, não fosse seu parceiro
brasileiro que lhe salvou da ira do ianque.
É claro que estou falando do paraibano
Geraldo Vandré e do livro do jornalista e escritor mineiro Jorge Fernando dos
Santos que publicou a biografia não autorizada de “Vandré - o homem que disse
não”, que completou 81 anos no último dia 12 de setembro. Continua recluso e de
temperamento complicado, restrito a alguns amigos em seu apartamento em São
Paulo, os quais evitam falar com ele sobre ter sido preso e torturado.
O escritor conta na abertura da Introdução da
sua obra que “a geração AI-5 cresceu embalada pela canção “Pra não dizer que
não falei das flores (Caminhando)”, classificada em segundo lugar na fase
nacional do 3º FIC (Festival Internacional da Canção). Com apenas dois acordes
ao violão e a voz embargada, Geraldo Vandré “incendiou” o Maracanãzinho”. A
classificada em primeiro lugar foi “Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim, composição
esta vaiada por uma plateia de 30 mil pessoas da 3º FIC, em 29 de setembro de
1968.
Como fã do artista de “Caminhando”, desde
sua juventude, Jorge Fernando fez seu primeiro texto sobre Vandré em 1975
quando participou e venceu uma premiação sobre o compositor promovida pelo
Jornal de Minas. O jornalista narra que ficou emocionado com a entrevista
concedida por Vandré ao canal Globo News, em 12 de setembro de 2010.
No final de 2013, ao
participar da 9ª Feira Internacional do Livro de Foz de Iguaçu, ficou sabendo
que o ex-cantor havia morado naquela cidade. “Esta foi a senha para que eu me
lançasse à tarefa de escrever este livro, levando em conta os 80 anos do
cidadão Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, em 2015”.
Controverso e polêmico, Vandré sempre foi um
defensor intransigente da música popular brasileira e ansiava por derrubar a
ditadura, embora nunca tenha participado de organizações políticas e
participado da luta armada. Não aceitava ser contestado e partia para a briga
como ocorreu com Caetano Veloso e um parceiro com quem usou o braço.
Na sua volta do exílio não quis mais se
apresentar no Brasil porque achava que a cultura de massa transformou seu país,
não lhe pertencia mais. Angustiado e com uma inteligência acima do normal,
tinha momentos de “loucura” como o de declamar seus poemas para um poste,
conforme revelou um amigo seu. Morando num apartamento bagunçado, cheio de
papéis, nunca parou de escrever e compor suas canções.
Tão logo retornou do Chile, o autor de “Caminhando”
ficou detido por vários dias. Uns acreditam que Vandré foi destruído pela
ditadura militar, outros que sua aproximação com as três armas seria um sintoma
da síndrome de Estocolmo, dependência psicológica desenvolvida por reféns em
relação aos seus algozes. Além da canção “Fabiana”, também homenageou a marinha
e fez o hino “A casa do sol nascente”, para a FAB.
No 3º FIC de 1968, realizado pela TV Globo e
governo do estado da Guanabara, “Caminhando” virou um hino nacional,
principalmente depois da morte do estudante Edson Luis de Lima Souto, no
restaurante Calabouço, em 28 de março, atingido por um tiro disparado por um
oficial da PM.
No FIC aconteceu a maior vaia da história da
TV brasileira contra “Sabiá”, onde Vandré tentou acalmar a plateia dizendo “Gente,
sabe o que eu acho? ...Jobim e Chico merecem o nosso respeito... A vida não se
resume em festivais”. Jorge Fernando, em seu livro, conta fatos inéditos que
ocorreram nos bastidores daquele evento. Segundo um jurado, “Caminhando”
representou a glória e a ruína de Vandré. No parecer de Millôr Fernandes, um
hino nacional perfeito... “É a nossa Marselhesa”.
Tempos polêmicos ideologicamente vigiados nas
décadas de 60 e 70. Antes do seu sucesso, em 1º de maio de 68, o próprio
cancioneiro nordestino foi chamado de “pelego de Sodré”, o Abreu Sodré,
governador de São Paulo, refugiado na Catedral da Sé pelos manifestantes. Tudo
porque Vandré lhe dera socorro.
Em 12 de setembro de 1935, (ano da Intentona
Comunista, ou Revolta Vermelha) na capital João Pessoa (Paraíba), nasce Geraldo
Pedrosa de Araújo Dias (aquele que governa com a lança), filho de José
Vandregíselo de Araújo Dias (médico filiado ao PCB) e Maria Marta Pedrosa Dias
(pianista por diversão). No início da sua carreira musical, depois de diplomado
em Direito, no Rio de Janeiro, usa a partícula do nome do seu pai e vira
Geraldo Vandré.
Típico nordestino e de gênio rebelde, ainda
na adolescência o menino Geraldo recebe o bilhete de uma colega que dizia:
“Você é o pré-histórico que habita a caverna do meu coração”. Estudou o
primário no Colégio Estadual da Paraíba e depois foi transferido para o
internato do Ginásio São José, em Nazaré da Mata (Pernambuco), onde se divertia
ouvindo os cantadores de feira. Sua primeira apresentação musical foi na Rádio
Tabajara de João Pessoa. Vale salientar que antes de se mudar em definitivo
para o Rio de Janeiro, seus pais tiveram breve passagem por Juiz de Fora (Minas
Gerais).
Em sua obra não autorizada, Jorge Fernando
contextualiza passagens da vida de Vandré com a história brasileira (era
Getúlio Vargas, nascimento da televisão em 50 -Diários Associados de Assis
Chateaubriand - e da ditadura militar, principalmente).
Conta que aos dezesseis
anos, já no Rio, com nome artístico de Carlos Dias (homenagem a Carlos
Galhardo), o futuro compósito se inscreve como calouro no Programa César de
Alencar, atração de maior prestígio da Rádio Nacional. No Rio, passa a
frequentar a boate “Tudo Azul” onde o pianista é o poeta Antônio Carlos
Brasileiro de Almeida Jobim (O Tom Jobim).Com ajuda da sua mãe, custeou a
primeira produção de um disco (bolacha) com seu vozeirão ao estilo Orlando
Silva.
Depois disso consegue
um lugar no programa Rapsódia 5, na Rádio Roquete Pinto, interpretando
Francisco Alves. Em 1955 conquista o prêmio de melhor interprete com “Menina”
num festival da TV Rio. Tempos depois, Carlos Lyra, seu primeiro parceiro
musical, diria que Vandré começou a cantar música brasileira quando escolheu
“Menina”.
Sua primeira parceria musical foi com Carlos
Lyra, em 1960, compondo com ele “Aruanda” e depois “Quem Quiser Encontrar o
Amor”. O mesmo diria depois que ficava impressionado como ele fazia a letra com
tanta rapidez, só ouvindo a música. Não demorou a se enturmar com o pessoal da
Bossa Nova e fez com Baden Powell “Fim de Tristeza”, “Nosso Amor”, “Samba de
Mudar”, “Se a Tristeza Chegar” e “Rosa Flor”. Com Alaíde Costa compôs “Canção
do Amor Sem Fim”.
Em 1961 lança seu
primeiro disco profissional “Quem Quiser Encontrar o Amor” e “Sonho de Amor e
Paz”. “Fica Mal com Deus”, em 1962. Grava primeiro LP solo em 1964 com “Samba
em Prelúdio”, “Fica Mal com Deus”, “Canção Nordestina”, “Ninguém Pode Mais
Sofrer” e “Tristeza de Amar”. Em 1965 “Hora de Lutar”. No ano seguinte “5 Anos
de Canção”; em 68 “Canto Geral”; e em 1973, quando ainda estava no exílio, “Das
Terras de Benvirá”.
O rei dos festivais praticamente participou
de todos os eventos da Música Popular Brasileira, como em 65 do primeiro Festival
Nacional da MPB na TV Excelsior, interpretando Sonho de Carnaval, de Chico
Buarque, e ainda concorreu com “Hora de Lutar”. Venceu “Arrastão”, de Edu Lobo
e Venicius. Em 66, no segundo Festival da mesma TV Excelsior, arranca o
primeiro lugar com “Porta Estandarte”, em parceria com Fernando Lona.
No Mesmo ano, no segundo Festival da Record
(1º foi em 1960), “Disparada” com Theo Barros e a “Banda”, de Chico ficam em
primeiro lugar (empate técnico). O terceiro Festival da Record, em 1967, também
teve a presença de Vandré com “Ventania”. As premiadas foram “Ponteio”, de Edu
Lobo, “Domingo no Parque”, Gil e “Roda Viva”, de Chico.
Vandré também se fez presente nas principais FICs,
realizadas entre 1966 a 1972. Na primeira, ele e seu parceiro Tuca ficaram em
segundo lugar com “O Cavaleiro”. Seu maior destaque mesmo foi na 3ª FIC, em
1968, com “Caminhando”. Em 1997 o Quinteto Violado lança o disco “Quinteto
Canta Vandré. A apresentação é assinada pelo crítico Mauro Dias que considera
Vandré mais um messiânico que revolucionário.
Numa entrevista em 26 de outubro de 1968 ao
repórter Carlos Cruz para “O Cruzeiro”, Vandré fala com lucidez sobre o papel
do artista numa sociedade competitiva, mas na qual as pessoas almejam viver em
liberdade. Enquanto isso, a mídia noticiava a apreensão de “Caminhando” pelos
agentes do DOPS.
Toda obra de arte traz em si o protesto. Mesmo
as de amor carecem de dizer alguma coisa – afirma Vandré ao repórter. Ressalta
que a expressão de amor musical tem implicações políticas a partir do momento
que representa culturalmente um povo, mesmo no caso do amor individual, de cada
um de nós. “Arte só pode ser considerada como tal quando se envolve com a vida,
entrega-se a ela”.
Reafirma que “Caminhando” não se trata de uma
canção belicosa ou de guerra. “É de angústia com o que vejo e gostaria que
fosse diferente”. Garante que a maior alegria que sua música lhe deu foi a sua
identificação com o povo. Sobre o verso que fala da fome em grandes plantações
declarou: “Eu sei que a fome existe e isso me deixa muito triste. Não sabe quem
não quer saber ou quem se enriquece à custa da fome dos outros. A indecisão é
uma condição do mundo inteiro, não só do Brasil. A juventude quer ir, mas não
sabe pra onde”.
Apesar do seu gênio complicado, ele mantém amizade
com antigos parceiros como Alaíde Costa, Carlos Lyra, Di Melo, Heraldo do
Monte, Assis Angelo, Téo Azevedo, Darlan Ferreira e sua leal fã dos tempos dos
festivais,Telé Cardin.
SHOW NO PARAGUAI E SUAS
ÚLTIMAS DECLARAÇÕES
O compositor paraibano, odiado pelos
militares, bem que tentou se apresentar em palcos brasileiros, em 17 de julho
de 1982, no Salón Social Área Dos, da Itaipu Binacional, mas seu show foi
proibido pelas autoridades. O general Junot Rebello Guimarães contribuiu para a
proibição depois que um jornal paranaense de Cascavel ter publicado uma
reportagem onde apresenta Vandré como “inimigo do governo brasileiro”.
Depois de vinte dias esperando pela
liberação, como cita Jorge Fernando, o show foi mesmo realizado em Puerto
Stroessner, no Paraguai, que depois recebeu o nome de Ciudaddel Leste.
Acompanharam os músicos Di Melo, Saldanha Rolim e Saulo Laranjeira e ainda
contou com a presença de Birhú de Pirituba.
Quando a apresentação
começou no Cine Ópera, os músicos entraram em fila indiana, todos de
verde-oliva com botas pretas. A repórter do JB no Paraná, Ruth Bolognese, disse
que “não houve aplausos nem gritos. O cinema era escuro e a plateia paraguaia”.
Entre outros, estava lá o amigo paraibano Ivo de Lima.
Na ocasião, Vandré cantou canções em espanhol
e falou textos poéticos, alguns de sua autoria e outros de Guimarães Rosa. Ao
lado de João Martinez, um dos donos do jornal Folha de Londrina, o músico
declarou ter desprezo pela imprensa brasileira. “Só dou entrevista porque
estamos em outro país... No Brasil em que eu ainda vivo, não admito pedir
licença a general nenhum pra falar”.
Em abril de 1984, mais
uma vez, tentou se apresentar na Itaipu Binacional, mas só conseguiu em 1985.
No momento mais emocionante do seu show, fica de frente para a bandeira do
Brasil e, de costas para a plateia, canta “Caminhando” e recita versos
perguntando “o que fizeram de ti, bandeira”?
Alias, após seu retorno
do exílio, esteve por várias vezes em Foz do Iguaçu onde cometeu algumas
doideiras, como a de ter tirado fotocópias de dólares, autenticá-las em
cartório e tentado passá-las em frente. Não teve sucesso e ai disse que no
Brasil nem os cartórios são levados à sério. Há quem diga que fumava muita maconha
e saia disparado pela cidade. Outras vezes se escondia atrás de postes e
árvores, alegando estar sendo espionado por agentes da repressão.
Entre suas idas e vindas, ao saber que Vandré
estava hospedado na Capitania dos Portos, o coronel Eugênio Menescal, parente
de Roberto Menescal, escreve um alerta aos soldados dizendo que esta pessoa é
inimiga do exército brasileiro e sua entrada no batalhão é proibida.
Insistente, um dia regeu a banda do Batalhão. Furioso, o coronel o repreendeu:
O que o senhor está fazendo aqui com minha banda? Vandré entregou a batuta e
sorrindo disse: “A banda que é do exército é muito boa, sua coisa nenhuma”.
O compositor ficou
também num quartinho na sede do Diário da Cidade por conta do jornalista
Rogério Romano Bonato. Por causa disso, recebeu uma ordem do coronel dizendo
que ele teria doze horas para desalojar o hóspede indesejado. O repórter
respondeu para o emissário do oficial: “Diga ao seu chefe que ele manda no
batalhão e eu, no meu jornal”.
Em 86/87 seu
conterrâneo Zé Ramalho o encontrou em Foz de Iguaçu e afirma que ele estava lá
por conta das coisas da aeronáutica. “Estou aqui estudando a arte militar”. Num
show com Zé Ramalho, no mesmo ano, entrou vestido de soldado, cantou de costas
em alemão “Pra Onde Foram Todas as Flores”. “Depois cantou três canções novas
de arrepiar, em português” – disse Ramalho.
Entre muitas aparições, Vandré se fez
presente na solenidade de posse do prefeito Paulo Maluf, em 1993. Perguntado
por repórteres o que estava fazendo ali, disparou: “Vim garantir a posse”.
Com sua mania de perseguição, o jornalista
João Paulo Soares lembra no livro biográfico de Vitor Nuzzi, que certa vez foi
buscá-lo em seu apartamento, na Martins Fontes, para uma sessão de entrevistas.
Estava agitado e ao ver o porteiro segui-lo disse: Está vendo? Ele quer escutar
nossa conversa. Ele é um informante. Vocês mataram Cristo! Traidores! Víboras!
Raça de Traidores e traidores! Tu não entendes? O que tu vês é um personagem...
Essa barba, essa loucura, eles me olham e não entendem nada.
Certa vez perguntado pelo amigo músico
Sargento Lago por que não gravava, respondeu: Vivo em outro país. Também o
músico Osmar de Lima Sabiá sempre o admirou. Ele deu uma declaração dizendo que
para uma pessoa nacionalista e de personalidade forte, é duro ver o povo
mergulhado na cultura de massa e na perda de valores.
Vandré, na visão do compositor Darlan
Ferreira, sempre foi um poeta ímpar. Talvez o maior patriota que eu já conheci.
Ele ama a pátria, não essa de hoje, mas aquela que no passado mereceu suas
músicas. Em 2008, numa entrevista ao repórter Leandro Colon, do Correio
Braziliense, quando indagado do porquê ter interrompido a carreira, declarou:
Porque é outro país, não o meu. Mudou demais. Em 2009, o jornal Cidade de
Itapetininga publicou um artigo intitulado “O Vandré que eu conheci”. O
repórter Celso Lungaretti diz que Vandré continua lúcido.
Em 12 de setembro de 2010, data do seu
aniversário, aparece na televisão apresentado por Sérgio Chapelin como o maior
enigma da música brasileira. Com boné verde-oliva e camisa com escudo da FAB,
ele foi entrevistado por Geneton Moraes Neto. O compositor atende a equipe de
reportagem nas instalações do clube da aeronáutica.
Disse, na ocasião, que vive em outro Brasil e
explica que não volta a cantar porque o tipo de música que sabe fazer não teria
lugar num país dominado pela cultura de massa. Foi nesta entrevista que
declarou que arte é cultura inútil, “mas eu hoje consegui ser mais inútil que
qualquer artista. Eu sou advogado em um tempo sem lei. Quer coisa mais inútil
que isso”?
Sobre o trabalho dos tropicalistas Gil Caetano,
responde que eles continuam na mesma. Comenta que certa vez o ex-parceiro Gil
disse que fazia qualquer coisa em música e que alguma teria que dar certo. “Eu
não faço qualquer coisa”. Destacou que jamais foi antimilitarista e tampouco
fez parte de qualquer grupo político. Confessa nunca ter sido preso e torturado
e acha que protesto é coisa de quem nunca teve poder. Em sua opinião, no
entanto, os versos de “Caminhando” estão mais atuais do que nunca.
O autor do livro descreve o cidadão Geraldo
Pedrosa de Araújo Dias como um homem confuso, mas consciente do seu papel
histórico. Desde que se conheceram, em 1978, ele se abriu em conversas com o
conterrâneo Assis Angelo. Uma delas foi publicada em 1991 no Diário Popular.
Explicando seu silêncio, disse que há pessoas que cantam por cantar. Eu, além
de precisar de motivos pra cantar, lembrando Disparada, não cantar para
enganar, já sei também que é preciso às vezes, não cantar. O silêncio que faço
nesses 22 anos é parte da minha canção.
Numa conversa com seu também conterrâneo
Ricardo Anísio, em fevereiro de 2004, fala sobre o motivo de não ter aceitado a
anistia: Perdoado de quê? De ter escrito uma canção? Acho que quem assinou o
pedido de anistia decretou que havia cometido umdelito, e eles nunca observaram
isso. Depois sou eu quem não tem lucidez? Quando alguém pensa diferente, o
melhor é chama-lo de louco, pra que ninguém lhe dê importância.
Em entrevista concedida
por escrito à estudante de jornalismo, Jeane Vidal (trabalho de mestrado), em
2007, o compositor que abalou o regime militar distingue as condições de
exilado e asilado político. O exilado não tem estatuto nem regras, que era a
sua condição. O asilado recorre a uma proteção formal e tem estatuto e normas
jurídicas. “A rigor, vivo exilado ainda de minha vida e de minhas atividades
artísticas, desde 13 de dezembro de 1968. Sou mítico e mitologista. Não sou
místico nem mistificador”...
Após sua apresentação de “Fabiana” no
Memorial da América Latina, em 1994, Vandré foi criticado por jornalistas e
patrulheiros ideológicos. Na entrevista à jovem Jeane Vidal ele escancara: “Os
canalhas que inventaram aquela história triste, antinacional e malversada em
que Vandré aparecia como vítima das forças armadas brasileiras, enfiaram a
carapuça na própria cabeça e, no dia seguinte, jogaram na mídia, controlada por
eles as expressões Geraldo Vandré trocou de camisa, cantando com seus algozes”.
Em tom de desabafo, chamou a todos de
miseráveis cães de fila de editores alienígenas que fizeram de “Caminhada” um
fruto proibido e, até hoje, ganham dinheiro com ele que não admitem outro
sucesso de Geraldo Vandré. Por falar em sucesso, entre suas mais de 100 canções
gravadas e inéditas, teve como parceiros musicais Alquimides Daera, Hilton
Acioli, Erlon Chaves, Hermeto Pascoal, Marconi Campos, Carlos Castilho, Ely
Arcoverde e tantos outros.
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