POR FALAR
EM POESIA...
Nando da Costa Lima

- Pois é Dr., eu dei preferência ao senhor por saber que o
senhor gosta de poesia.
- Já gostei mais, meu filho, hoje eu nem leio.
- Nem os clássicos???
- É, Bandeira a gente tem que ler de vez em quando.
- Por que só Bandeira?
- Porque eu acho que ele transcende, pra mim é sem dúvida o
melhor poeta brasileiro.
- Pois na minha opinião, todo poeta é bom. Eu sou eclético,
Dr.
- É difícil ver um jovem como você gostar tanto de poesia.
- Dr., eu sou a quinta geração de poetas da família da parte
do meu pai. Eu fui criado escutando e lendo poesia e até trouxe uns versos pro
senhor dar uma olhadinha.
- Tá bom, meu filho. Deixa aí, uma hora eu leio.
Aí o poeta
jogou a mala em cima da mesa do Dr. já falando que a maioria era manuscrito,
mas a letra dele era muito boa, dava pro Dr. ler em uma tarde.
- E você acha que eu vou perder o meu tempo lendo uma mala de
manuscritos? Eu parei de ler poesia justamente por isso.
- O senhor conhece Onorino Pranchão, meu tio?
- Você é sobrinho daquele cidadão? Aquele homem quase mata
minha avó com um verso.
- Eu sei, tio era tão inspirado que muita gente desmaiava de
emoção.
- Mas minha vó quase morre de raiva.
- Ué, que verso foi esse?
- Seu tio não saía da casa de minha avó, chegava geralmente
na hora do almoço e ficava pro jantar.
- É, tio era muito popular, o senhor sabe, né Dr.?
- O seu tio era muito era inconveniente. Ele sabia que vó era
devota de São Sebastião e todo dia prometia que ia fazer um poema pro santo, só
que nunca saía. Teve um dia que meu pai se retou e exigiu que ele fizesse a
poesia naquele exato momento, ou então sumisse. Foi aí que seu tio Onorino
quase mata vó com um verso. Meu pai ficou retado com ele, nunca mais se falaram.
- Ué, Dr., que verso foi esse? O senhor se lembra?
- Como é que eu ia esquecer daquela merda? Eu acho que até
São Sebastião ficou puto.
- Ô Doutor, declama aí pra eu ouvir. Eu sou apaixonado pela
poesia dele.
- É o seguinte, na hora que meu pai forçou ele a fazer o
poema, arrumou um nó naquela gravata sebosa, bateu na mesa e largou: “LÁ VEM
SÃO SEBASTIÃO, TODO FURADO DE FLECHA. TAMBÉM, QUEM MANDOU ELE IR MEXER COM OS
ÍNDIOS?”
- E o senhor achou este verso pós-moderno ruim? O sr. e seu
pai é que não sabem nada de poesia.
- Ô poeta, você tá com a saúde ótima, pegue sua mala de
versos e se pique do meu consultório.
- Tá bom, Dr., eu não sabia que o senhor era tão ignorante.
Mesmo assim, eu vou declamar um versinho que fiz agora pro senhor: “DR.
COARASSU, DR. COARASSU, NÃO É À TÔA QUE O SEU NOME COMEÇA COM C E TERMINA COM
U”.
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