Pirão de Buchada
Nando da Costa Lima
Dona Tolentina tinha acabado de deixar
meia panela de buchada pra seu Ortêncio no bar, sempre que preparava um bucho
lembrava da velha paixão, era seu prato favorito! A roda de cachaceiros que não saía dali nem
ousava pedir um tira-gosto, sabiam que aquilo era coisa antiga, qualquer
brincadeira com o nome de Dona Tolentina o engraçadinho além de perder o
crédito no buteco corria o risco de levar uns tapas... Quando Ortêncio colocou
o prato sobre o balcão, espremeu uma banda de limão em cima do pirão e pegou
uma garrafa de Jurubeba pra acompanhar aquela gostosura, todos que estavam no
bar ficaram com água na boca... Aí então chegou Nozim, um moleque beirando os
treze anos, conhecidíssimo na cidade pelo eterno vazamento que tinha no nariz,
o menino que vivia gripado! Era uma coisa incrível, quando a narina direita
parecia que ia despejar ele dava uma aspirada tão retada que o vazamento já
passava pra esquerda. Ortêncio ainda tentou baixar as vistas mas não deu tempo,
ficava difícil olhar pra cara de Nozim e comer ao mesmo tempo. Se fosse outra
comida até que ia... Tratou de atendê-lo o mais depressa possível, mesmo assim
teve que beber meia garrafa de Jurubeba pra parar de relacionar o nariz do
menino que saiu com o seu prato predileto. O único jeito era suportar a prosa
dos bêbados até mais tarde pra ver se esquecia do ocorrido e encarava o pirão
preparado com tanto amor. Nesse meio tempo, resolveu tomar mais uma pra aguentar
as conversas da freguesia. Seu Zé, um biriteiro que tinha fama de matador
explicava pra outro bêbado: “Pra matar um safado você tem que enfiar a faca na
terceira costela de baixo pra cima e esperar o sacana estrebuchar, senão não dá
gosto!”. Dizia aquilo como se tivesse coragem de fazer... Seu Genaro viajante
não cansava de se gabar dos vinte seguros contra enchente que ele vendeu no
Guigó. Ouvídio, que já tinha mais de oitenta anos e só dormia bêbado, tava
contando a sétima das nove transadas que tinha dado na noite anterior. Tudo
acontecendo como em todo buteco que se preze... Graças à paciência de Ortêncio,
a fome voltou, agora era só esquentar a boia e fundar dentro, já tinha
esquecido por completo de Nozim. Fez um prato dobrado e sentou-se no balcão, a
comida chegava a sair fumaça! Mas aí o destino tornou a aprontar outra: é que o
menino voltou da porta de casa, tinha esquecido de dar um recado. Ortêncio
tentou correr pro quintal com o prato, mas o moleque gritou assim que ele deu
as costas: “Tenho um recado de pai pro senhor”. Ortêncio nem se virou pra
evitar a cara de Nozim, e de costas pediu pra que ele
desse o recado e fosse embora, estava muito tarde! Aí ele abriu o verbo: “Pai
mandou dizer que não veio pagar a conta porque tá com uma caganeira retada, tá
saindo até sangue! Mas disse que assim que melhorar vem pagar, o coitado tá
parecendo que comeu pirão dormido”. Nessa noite, depois de quinze anos de
espera, os cachaceiros do bar de seu Ortêncio foram homenageados com um
tira-gosto de pirão de buchada por conta da casa. Graças a Nozim!..

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