POETAS...
Nando da
Costa Lima
Etelvino era um bom mecânico, mas além de
ser desleixado tinha verdadeira adoração pela cachaça, não ficava um dia sem
“embaraçar” num litro de pinga. Como a oficina ficava longe de casa e no
caminho um paraíso de butecos o esperava de portas abertas, era difícil o dia
que ele não caía pelas ruas próximas à sua casa... Até aí tudo bem, era apenas
mais um operário inconformado com o desnível social tentando resolver as coisas
na base da pinga, ou simplesmente um alcoólatra. O que ninguém entendia era a
sorte daquele “pinguço” pra ganhar presentes de estranhos, era um atrás do
outro, era raro o fim de semana que Etelvino não ganhasse uma roupa completa,
acordava dos porres com um presente do lado. Tinha gente que falava que ele só
“chumbava” pra poder acordar com um presente, até ele estranhava aquela sua
sorte... entrava ano e saía ano tava ele lá chegando com presente em casa.
Ninguém da família imaginava quem teria interesse em presentear um mecânico
todo melado e bêbado, era um verdadeiro mistério. Ele foi até um curador pra
saber se aquilo não era coisa do outro mundo. O médium achou que só podia ser
coisa de algum político (já morto) tentando ganhar seu voto, segundo ele os
espíritos dos políticos sempre ficam presos à Terra por algum tempo. Etelvino
meteu a mão na cara do embromador e disse que só tinha procurado aquele sacana
porque a mulher já tava achando que os presentes eram de rapariga. Político
morto, só faltava essa...
Na pior que Etelvino andava com a esposa
acabou concordando que era coisa de espírito, mulher não ia perder tempo com um
traste daquele, até ela que não é lá essas beldades já tentou dispensá-lo. Já
Jaciara, filha única do casal, não tirava aquilo da cabeça. Tava atrapalhando
até sua vida particular, principalmente na escola de filosofia. Não pelos
presentes que o pai recebia, mas pelo constante estado de embriaguez, não dava
pra estudar com aquele bebum gritando dentro de casa. Ela tava tão tensa que
resolveu sair com os amigos pra relaxar e conhecer um barzinho que estava na
moda, ponto de encontro dos intelectuais (aquele pessoal que se reúne pra tomar
cachaça e dar exibição de conhecimentos). Foi lá que ela conheceu o poeta
Elviro Bocão, famoso no meio pela poesia que escreveu tendo como inspiração um
doido que vivia pelas redondezas, ganhou até prêmio em
Uruguaiana. Esta poesia o fez popular na roda dos intelectuais etílicos da
cidade, todo mundo que queria comprar fiado recitava “O doido do Magassapo” que
Elviro Bocão abria as portas do buteco. A poesia ficou tão popular que era raro
um fim de semana em que um bando de bêbados liderados pelo poeta Elviro não
saía em direção à rua do “Magassapo” à procura do doido que inspirou o artista
a fazer a obra de arte. Coincidentemente Jaciara teve o prazer de participar de
uma dessas farras tradicionais... Era mais ou menos meia noite quando o pessoal
saiu do buteco à procura do célebre doido do Magassapo... E só depois que o
grupo encontrou um bêbado desmaiado na rua e o arrumou na calçada depositando
um presente ao lado (o poeta Bocão recitando a toda altura) é que Jaciara
reconheceu seu pai, o mecânico Etelvino, tava chapado de bêbado, nem notava o
que se passava. Quando o poeta Bocão sentiu o espanto de Jaciara, acalmou-a
explicando que aquilo era quase uma rotina dos estudantes que frequentavam seu
bar. Há mais de quatro anos que todo fim de semana um grupo de intelectuais
presentava o Doido do Magassapo... E ficou esclarecido o mistério dos
presentes. Poetas...


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