Ricardo De Benedictis
Comentando um dos maiores livros no gênero -
'A MARCHA DA INSENSATEZ', da historiadora norte-americana BARBARA W. TUCHMAN, cujo conteúdo deveria nortear a vida dos dirigentes políticos do Planeta Terra. Quem sabe, a par dos exemplos históricos narrados nesta completíssima obra, o Homem pudesse entender um pouco mais de humanismo, atacando de frente sua ambição desmesurada de PODER E DINHEIRO.
Aqui há relatos, cuja riquíssima bibliografia não deixa qualquer sombra de dúvidas e jamais foram contestados, ela que, falecida em 1989, foi considerada pela crítica a “mais bem-sucedida historiadora dos Estados Unidos e também a melhor”.
Se o leitor tiver um tempinho, sugiro que copie o resumo desta obra magnífica e guarde em um arquivo do Word como fiz, logo que terminei a leitura, copiando letra por letra, todas as palavras e frases contidas nas muitas páginas do livro, uma espécie de bíblia sagrada para a história do homem, até mesmo antes da era cristã ou no seu limiar. Vale a pena ler, caros amigos. A insensatez tem levado o Planeta Terra a grandes GUERRAS, conflitos, convulsões, cataclismas e desastres, tudo isso causado pela ação deletéria dos humanos que, na sua ambição desmedida não pensam duas vezes entre destruir para TER, ao invés de investir para SER e preservar para o seu BEM-ESTAR! Leia até o final e tire suas conclusões!
Inicialmente,
aconselharia os políticos brasileiros a atentarem para os grandes erros
cometidos pelos líderes da história mundial. Sem conhecer os erros do passado,
como os dirigentes do presente deveriam se comportar? É o caso da presidente
Dilma, do ex-presidente Lula e de outros políticos pensarem no país que
queremos para o amanhã. De que adianta um país em crise permanente? A quem a
crise favorece? São perguntas que merecem respostas. E que respostas seriam
plausíveis? Pois bem.Estamos diante de um compêndio histórico da maior
relevância e que deveria ser o ‘livro de cabeceira’ dos nossos dirigentes.
Infelizmente, caberia aos insensatos atos do STF, do Executivo e do Legislativo,
cujos titulares deveriam parar para refletir, neste limiar do ano 2016. Quando
o ministro Barroso deu uma guinada e esqueceu seu juramento à Carta Magna, sem
atentar que vivemos uma crise ética, moral, de um momento terrível da vida nacional.
O que importa é o nosso amanhã. E se é o amanhã que importa, vitórias e
derrotas do grupo a ou b, são menores, em relação ao que o Brasil necessita
para seguir seu caminho. Se esse pessoal mirasse na experiência, nos
ensinamentos já consolidados, dos erros históricos vivenciados pelos países do
mundo e pela história, quem sabe, suas decisões seriam melhores e sem
comprometimentos de ordem política de quem os colocou, com méritos ou sem méritos
nos altos escalões decisórios da nossa triste realidade. Atenção, senhores,
nenhum de nós deve ser o coveiro do Brasil. Vamos em frente, vamos tratar as questões
nacionais com imparcialidade. Pensem no Brasil de amanhã, sem querer ‘pagar’
pelos cargos que ocupam, mas pensando exclusivamente no bem comum, de toda a
Nação Brasileira! E, infelizmente, não é isso que estamos vivenciando. Que os
ensinamentos de BARBARA W. TUCHMAN, sirvam para que todos
reflitam em que despenhadeiro querem colocar o país. O povo não deve pagar pela
insensatez dos nossos dirigentes, nos poderes mais cruciais da República.
BARBARA W. TUCHMAN obteve
renome internacional com seu clássico Canhôes de agosto (The guns of
August), laureado com o Prêmio Pulitzer. Escreveu inúmeros livros e ensaios de
história que, igualmente, tiveram ampla repercussão e foram traduzidos para 13
idiomas: The Zimmermonn teIegram, The proud tower, StiIweIl
and lhe American experience in China (outro Prêmio Pulitzer), Practicing
history, e este notável A marcha do insensatez, um
bestseller mundial. Barbara Tuchman vivia na pequena cidade de Cos Cob,
vizinha a Greenwich (Connecticut), sendo considerada pela crítica a “mais
bem-sucedida historiadora dos Estados Unidos e também a melhor”. Faleceu em 6
de fevereiro de 1989.
A
MARCHA DA INSENSATEZ
De
Tróia ao Vietnam
Barbara
W. Tuchman
CAPITULO
UM
EM
BUSCA DE
UMA
POLÍTICA CONTRÁRIA AOS
PRÓPRIOS
INTERESSES
Fenômeno
observável ao longo da História, que não se atém a lugares ou ~ períodos, tem
sido o da busca, pelos governos, de políticas contrárias aos seus próprios
interesses. Nossa espécie, ao que tudo indica, quando se trata de governar,
apresenta resultados bem menos brilhantes do que os obtidos em outras
atividades humanas. Nessa esfera, a sabedoria — que pode ser definida como
exercício de julgamento atuando à base de experiência, senso comum e
informações disponíveis — é menos operativa e mais decepcionante do que seria
de se esperar. Por que os homens com poder de decisão política tão
freqüentemente agem de forma contrária àquela apontada pela razão e que os
próprios interesses em jogo sugerem? Por que o processo mental da inteligência,
também freqüentemente, parece não funcionar?
Por
que — começando pelo princípio — os dirigentes de Tróia permitiram o ingresso
dentro de seus muros daquele cavalo de madeira extremamente suspeito, não
obstante terem todos os motivos para imaginarem tratar-se de um ardil por parte
dos gregos? Por que sucessivos ministérios de Jorge III preferiram coagir ao
invés de conciliar as colônias da América, apesar de advertidos inúmeras
vezes, por conselheiros diversos, de que os danos advindos de tal política
seriam provavelmente maiores do que eventuais vantagens a serem assim obtidas?
Por que Carlos XII, depois Napoleão, depois Hitler, em seqüência, invadiram a
Rússia sem considerar os desastres sofridos pelos respectivos predecessores?
Por que Montezuma, líder de um exército feroz e disposto à luta, numa cidade de
300.000 habitantes, sucumbiu passivamente a um bando de poucas centenas de
invasores alienígenas, mesmo depois de os intrusos se terem revelado criaturas
obviamente humanas, e não deuses? Por que Chiang Kaishek recusou atenção às
vozes que falavam em reformas ou bradavam seu alarme, até acordar com o país
inteiramente fora de controle? Por que as nações importadoras de petróleo se
engajaram na disputa dos suprimentos disponíveis quando uma frente unida firme,
ante os exportadores, faria com que ganhassem o domínio da situação? Por que,
em tempos recentes, os sindicatos britânicos, num espetáculo de puro desvario,
aparentemente visavam a levar seu país à paralisia, dando impressão de que se
julgavam separados da comunidade nacional? Por que empresários americanos insistem
na tônica do “crescimento” quando tal coisa, provadamente, vem causando o
esgotamento de três elementos básicos da vida em nosso planeta — terra, água,
ar puro? (Embora sindicatos e empresários não representem governo,
estritamente, eles integram situações governamentais.)
Em
outros campos que não o de governo, o homem vem realizando maravilhas: inventou
meios, no curso desta geração, de deixar o planeta e viajar à Lua; no passado,
utilizou o vento e a eletricidade, transformou a rocha bruta em comoventes
catedrais, obteve brocados de seda a partir da fiação produzida por um verme,
derivou a força motriz do vapor d’água, controlou ou eliminou doenças,
construiu instrumentos musicais, fez recuar o mar do Norte criando terra em
seu lugar, classificou as formas da Natureza, penetrou nos mistérios do cosmos.
“Enquanto todas as demais ciências progrediram”, confessou John Adams, segundo
presidente norte-americano, “a de governar marcou passo; está sendo praticada,
hoje, apenas um pouco melhor do que há três ou quatro milênios.
O
desgoverno é de quatro tipos, muitas vezes combinados: 1) tirania ou opressão,
com tantos modelos históricos que se torna supérfluo comentarmos a respeito;
2) ambição desmedida, como a tentativa de conquista da Sicília por Atenas na
guerra do Peloponeso, e da Inglaterra por Felipe II com sua Invencível Armada,
as duas vezes em que a Alemanha buscou dominar a Europa se autoproclamando
“raça de senhores”, os pruridos do Japão por um império na Ásia; 3)
incompetência ou decadência, de que são parâmetros o Império Romano em seus
últimos dias, os derradeiros Romanov e a também derradeira dinastia imperial da
China.
Finalmente,
a quarta característica do desgoverno: insensatez ou obstinação. Nosso livro
diz respeito a esse ângulo em manifestação específica, ou seja, naquele da
execução de política adversa aos próprios interesses da comunidade ou nação
envolvidas. O interesse de um grupo nacional tende a atingir o bem-estar social
e todas as demais vantagens comunitárias; insensatez é política que, nesse
enfoque, conduz a resultados contra-producentes.
Para
os propósitos deste trabalho a qualificação de insensatez ou loucura política
deve atender a três critérios simultâneos: em primeiro lugar, o de que foi
percebida em seu próprio tempo e não retrospectivamente. Eis algo importante,
pois toda política é determinada pelos mores de sua própria época. “Nada
mais injusto”, como bem disse um historiador inglês, “do que julgar homens do
passado pelas idéias do presente. Tudo aquilo que se possa dizer a respeito de
moralidade e sabedoria política se constitui, certamente, em conceito passível
de alteração”. Para evitarmos julgamentos baseados em valores de nosso tempo,
devemos consultar a opinião da época sob exame e investigar apenas aqueles
episódios cujo dano ao interesse coletivo foi assim reconhecido pelos coevos.
Segundo
critério: um curso viável de ação alternativa deveria ser, então, disponível.
Para separar esse critério dos meros problemas de personalidade, terceiro
critério entra em cena: a política em questão deve ter sido de grupo e não
somente a de um governante isolado, tendo persistido além do termo temporal de
qualquer dos dirigentes envolvidos. Desgoverno ao sabor de um soberano ou
tirano isolados tem sido algo demasiado freqüente e pessoal e não se compadece
com uma investigação generalizada. Governos coletivos ou sucessão de dirigentes
no mesmo cargo, como no caso dos papas da Renascença, trazem à tona aspectos
bem mais significativos. (O episódio do Cavalo de Tróia, que examinaremos em
seguida, faz exceção ao critério temporal, o de Roboão ao de grupo, mas todos
eles são de tal sorte clássicos em seus contornos, e ocorreram tão nos albores
da história conhecida dos governos, que servem para ilustrar como o fenômeno da
loucura política deitou fundas raízes.)
O
surgímento da insensatez independe de época ou lugar; é intemporal, universal,
embora hábitos e crenças de eras e regiões específicas determinem a forma de
que se revestirá. Não guarda relação com o tipo de regime em vigor: monarquia,
oligarquia ou democracia produzem-na indiferentemente. Tampouco revela-se
peculiar a uma classe ou nação. O proletariado, tal como se fez representar nos
governos comunistas, funciona não mais racional ou efetivamente, se comparado
à classe média no poder, como vem sendo demonstrado de forma notável pela
história recente. Mao Tsé-tung pode ser admirado por muitos motivos; mas “O
Grande Salto em Direção ao Futuro”, com uma fábrica de aço em cada esquina e a
“Revolução Cultural” foram exercícios de insensatez que prejudicaram gravemente
o progresso e a estabilidade da China, para não mencionarmos os danos à
reputação do próprio dirigente. As conquistas do proletariado soviético no
poder dificilmente podem ser consideradas e efeito de uma ação esclarecida,
embora após sessenta anos de controle deva ser reconhecida uma espécie de
sucesso grosseiro. Se é verdade que os russos encontram-se materialmente
melhores hoje do que dantes, o custo, em termos de crueldade e tirania, não foi
menor — foi, provavelmente, maior — que aquele sofrido sob o tacão dos czares.
A
Revolução Francesa, protótipo máximo de um governo populista, reverteu com
celeridade à autocracia coroada tão logo surgiu um administrador hábil. Os
regimes revolucionários dos jacobinos e do Diretório podetr ter reunido força
suficiente para exterminar inimigos internos e derrota:
os
externos, mas não lhes foi possível disciplinar suficientemente seus pró- prios
seguidores visando à manutenção da ordem doméstica, instalação d administração
sólida e coleta de tributos. A nova ordem foi graças
às
campanhas militares de ionapane, que trouxe o butim das guerras externas para
os cofres nacionais e, depois, revelou-se administrador excepcional. Escolheu
assessores no espírito do princípio “la carrière ouverte aux talents”, sendo,
esses desejados talentos, os da inteligência, indústria, energia e disciplina.
Isso tudo funcionou durante certo tempo, até que ele também, vítima clássica do
orgulho desmedido, destruiu-se por praticar, em demasia, largas passadas
políticas.
Seria
de perguntar-se, a esta altura, por que estamos a cogitar de algo diferente
quando se trata de governos, desde que insensatez e obstinação parecem
inerentes ao indivíduo? As razões que nos induzem a tal preocupação repousam
na circunstância de que os governos têm mais impacto em maior número de pessoas
do que a loucura individual, além de que eles devem obedecer a um dever maior
no sentido de agir em consonância com a razão. Isso posto, e considerando-se
que tais fatos são sabidos desde priscas eras, por que não ocorreu à espécie
humana a tomada de precauções, erigindo salvaguardas contra o desvario
político? Algumas tentativas foram feitas, a começar com a proposta de Platão
para selecionar-se uma classe que seria treinada para exercer profissionalmente
a governança. De acordo com seu projeto, a categoria dirigente em uma sociedade
justa seria composta de homens capacitados na arte de dirigir, haurida em
fontes racionais e sábias. Por reconhecer que, nos limites da seleção natural,
tais indivíduos são raros, acreditava na necessidade de prepará-los de forma
eugênica através de alimentação e condições especiais de vida e desenvolvimento.
Governar, ele dizia, era uma arte perfeitamente definida na qual a competência,
como em qualquer outra profissão, somente poderia ser adquirida pelo estudo da
disciplina e não de outra forma qualquer. A solução platônica, bela e
inatingível, era a dos reis-filósofos. “Os filósofos devem tornar-se, reis em
nossas cidades, ou aqueles que já são reis ou potentados necessitam buscar a
sabedoria como verdadeiros filósofos e assim poder político e preparo
intelectual estarão reunidos em uma só pessoa.” Até o dia em que isso venha a
ser alcançado, ele acrescentava, “não haverá trégua para os problemas das
cidades e tampouco para os da raça humana, penso”. Ë o que vem acontecendo.
Uma
visão bitolada, levando a auto-enganar-se, é fator que desempenha papel de
grande significado nos governos. Consiste na abordagem de determinada situação
à luz de noções fixas e preconceitos, enquanto são ignorados ou rejeitados
quaisquer sinais em contrário. Faz com que as ações decorram obedientes ao
desejo, sem que o agente se deixe dobrar pelos fatos. O epítome do que ficou
dito pode ser encontrado na observação feita por certo historiador a respeito
de Felipe II da Espanha, detentor da mais perfeita visão d’antolhos, mesmo em
comparação com outros soberanos: “Nenhum resultado demonstrativo do fracasso de
sua política poderia abalar-lhe a crença na excelência básica de seus atos.”
Um
caso clássico em ação foi o Plano 17, a estratégia francesa de 1914, concebido
num ânimo de total envolvimento com a ofensiva. Concentrou tudo no avanço
francês em direção ao Reno, permanecendo o flanco esquerdo virtualmente
desguarnecido, algo somente justificável pela inamovível certeza de que os
alemães não poderiam contar com tropas suficientes para estender sua invasão
em torno e através da Bélgica ocidental e das províncias costeiras da França.
Tal premissa estava assente, por sua vez, na concepção igualmente fixa de que
os alemães jamais utilizariam reservas na linha de frente. Provas em contrário,
que começavam a se configurar ante o Estado-Maior francês em 1913, tinham que
ser, e foram, resolutamente ignoradas a fim de que nenhuma preocupação sobre
uma possível invasão germânica através do oeste viesse permitir o desvio de
forças destinadas à ofensiva direta dos franceses a oeste do Reno. Quando veio
a guerra, afinal, os alemães usaram reservas na linha de frente e empreenderam
a longa volta pelo oeste, com resultados que determinaram uma guerra prolongada
e suas terríveis conseqüências para nosso século.
A
visão bitolada consiste, também, na recusa ao benefício da experiência, uma
característica em que os governantes do século XIV foram mestres supremos. Por
mais freqüente e obviamente que a desvalorização da moeda desorganizasse a
economia e eufurecesse o povo, os monarcas Valois, na França, buscavam esse
recurso sempre que se encontravam em apertos de caixa, até que se viram a
braços com a insurreição da burguesia. Em tempos de guerra, atividade que se
constituía no metier da classe dominante, a visão d’antolhos tornava-se
algo conspícuo. Por mais que a tentativa de invasão de um país inimigo houvesse
representado, antes, privações e até mesmo morte pela fome para os invasores,
como nas expedições inglesas ao território francês durante a guerra dos Cem
Anos, outras campanhas em que tais resultados seriam inevitáveis eram
regularmente empreendidas.
Houve
outro rei de Espanha, nos começos do século XVII, Felipe III, que, conforme consta,
morreu de uma febre contraída quando o colocaram muito próximo ao calor
de um braseiro, ficando superaquecido e sem ajuda, porque o funcionário que
tinha o dever de proceder à remoção das brasas, quando chamado, não foi
encontrado. Neste século XX parece que a humanidade se aproxima de estágio
similar em matéria de loucura suicida. Os exemplos, grosseiros e constantes,
são de tal ordem que basta selecionar o mais gritante de todos: por que as
superpotências não iniciam mútuo desarmamento dos meios de suicídio da espécie
humana? Por que investimos toda nossa habilidade e recursos na corrida por
superioridade em armas, que nunca poderá ser mantida por tempo longo, em lugar
de buscarmos um modus vivendi com os antagonistas, ou seja, um modo de
viver, não de morrer?
Ao
longo de 2.500 anos, filósofos-políticos, de Platão e Aristóteles a Tomás de
Aquino, Maquiavel, Hobbes, Locke, Rousseau, Jefferson, Madison e Hamilton,
Nietzsche e Marx, devotaram seu pensamento aos temas de ética, soberania,
contrato social, direitos do homem, corrupção do poder, equilíbrio entre
liberdade e ordem. Poucos, exceto Maquiavel, que se preocupou com a arte de
governar tal como é, não como deveria ser, abordaram a corriqueira insensatez
política, embora essa insensatez tenha-se constituído em problema crônico e
avassalante. O Conde Axel Oxenstierna, chanceler da Suécia durante a
turbulência da guerra dos Trinta Anos, no reinado do muito ativo Gustavo
Adolfo, tinha ampla experiência quando disse, momentos antes de sua morte: “Veja,
meu filho, como este mundo está governado sem sabedoria.
Considerando-se
que o regime monárquico representou forma comum de governo por tão longo espaço
temporal, foi, por isso mesmo, aquele que exibiu características de insensatez
humana mais nítidas, assinaladas desde os mais antigos registros históricos.
Roboão, rei de Israel, filho de Salomão, sucedeu a seu pai aos 41 anos de
idade, aproximadamente em 930 a.C., cerca de um século antes de Homero compor o
poema épico nacional de seu povo. Sem perda de tempo o novo rei cometeu o ato
de insensatez que foi dividir sua nação, perdendo para sempre as dez tribos do
norte, coletivamente denominadas Israel. Entre esses clãs havia muitos que se
revelavam descontentes com as pesadas taxações impostas já ao tempo do Rei
Salomão, sob forma de trabalho forçado, e durante seu reinado fizeram esforços
para separar-se. Eles haviam captado o apoio de um dos generais de Salomão,
Jeroboão, “um poderoso homem de valor”, que aceitou liderá-los na revolta
baseado em certa profecia que o apontava para governante dessas dez tribos,
depois da vitória. Jeová, falando através da voz de um tal Ahijá, o silonita,
teve algum destaque no ajjaire, mas seu envolvimento, então e depois,
foi algo obscuro: ao que parece, narradores, depois, enfeitaram o episódio,
naturalmente concluindo que a mão do Senhor deveria fazer-se presente. Quando a
rebelião fracassou, Jeroboão fugiu para o Egito, onde Shizak, rei daquele país,
deu-lhe abrigo.
Tendo sido
ungido na condição de rei, sem, qualquer dúvida, por Judá e Benjamim, as duas
tribos meridionais, Roboão, perfeitamente ciente da inquietação em Israel,
imediatamente viajou para Sechem, espécie de capital do norte, visando a obter
vassalagem de seu povo. Foi, ao invés disso, procurado por uma delegação de
representantes de Israel que solicitou o abrandamento da ríspida servidão
imposta pelo pai do novo rei, dizendo que, em troca, haveriam de servi-lo como
súditos fiéis. Entre os delegados encontrava-se Jeroboão, vindo às carreiras
do Egito tão logo teve conhecimento da morte de Salomão; essa presença
certamente deveria ter advertido Roboão de que enfrentava um episódio crítico.
Contemporizando,
Roboão pediu aos delegados que o deixassem a sós, retornando ao cabo de três
dias, quando teria uma solução ao pedido feito. Nesse ínterim, iniciou
consultas com os velhos membros do antigo conselho paterno que lhe disseram
para aceder ao pedido do povo, tendo acrescentado que, se ele agisse de forma
branda e graciosa, “falando boas palavras para esses enviados”, obteria, como
resultado, “uma vassalagem perpétua”. Com as primeiras emoções do poder a
correr-lhe no sangue, Roboão achou tal conselho dócil em demasia e voltou-se
para “os jovens que o acompanhavam, seus companheiros de infância”. Estes, bem
conhecendo a íntima disposição do soberano, e a exemplo dos conselheiros de
todos os tempos, que desejam consolidar sua posição no “Oval Office”,
ofereceram sugestões que sabiam bem mais viáveis. O rei não deveria fazer
concessão de espécie alguma, dizendo, ao contrário, que a regra imposta pelo
pai se tornaria mais rígida ainda. Orquestraram palavras que se tornaram
famosas, verdadeiro hino do déspota em qualquer lugar e tempo: “E vós lhes
direis: onde meu pai vos colocou em dura servidão, tornarei tal obra ainda mais
áspera. E enquanto meu pai vos marcava com as cicatrizes do açoite, marcarei
vossas carnes com picadas de escorpiões.” Deliciado com fórmula de tamanha
ferocidade, Roboão acolheu os delegados retornados ao fim do terceiro dia,
dizendo-lhes “em voz de trovão”, palavra por palavra, o que seus jovens
assessores haviam sugerido.
A hipótese de
que os súditos não estivessem dispostos a aceitar tal solução obviamente parece
não ter ocorrido ao rei em tempo hábil. Não sem razão, portanto, veio a merecer
na história dos hebreus a qualificação de “modelo de insensatez”. Instantaneamente
— tão de imediato que é de se supor tenham decidido, antes, o curso de ação a
ser seguido em caso de fracasso das gestões — os homens de Israel declararam
seu rompimento com a Casa de Davi, lançando um grito de batalha: “Para as
tendas, ó Israel! Cuida de tua própria casa, Davi!”
Demonstrando tão
escassa sensatez que seria de molde a espantar o próprio Conde Oxenstierna,
Roboão adotou a providência mais provocativa possível em tal emergência.
Chamou à sua presença Adoram, o homem que simbolizava o odiado trabalho escravo
nas funções de comandante ou feitor da servidão, ordenando, aparentemente sem
lhe propiciar meios para tanto, que estabelecesse sua autoridade. O povo matou
Adoram a pedradas, seguindo-se a fuga do rei precipitado e insensato; fez voar
sua carruagem até Jerusalém onde reuniu todos os guerreiros de Judá e Benjamim,
disposto à guerra de reunificação. Por essa altura, o povo de Israel fizera de
Jeroboão o seu rei. Ele reinou por vinte e dois anos e Roboão
durante
dezessete, “e entre ambos houve guerra sem intervalo de um só dia”.
Essas
lutas prolongadas enfraqueceram os dois Estados, encorajando regiões vassalas
conquistadas por Davi a leste do Jordão — Moab, Edom, Amon e outras — a
reconquistar sua independência, além de abrir caminho à invasão dos egípcios.
O rei Shizak, “com enorme exército”, capturou fortins na fronteira e se
aproximou de Jerusalém que Roboão salvou da conquista somente através do
pagamento de tributo ao inimigo, com ouro tirado do Templo e do palácio real.
Shizak penetrou também no território de Jeroboão, seu antigo aliado, alcançando
Megido, mas por evidente falta de recursos indispensáveis ao estabelecimento de
efetivo controle, acabou retornando ao Egito.
As
doze tribos jamais se reunificaram. Ceifados pelo conflito, os dois Estados não
conseguiram manter o orgulhoso império estabelecido por Davi e Salomão, que se
estendia desde o norte da Síria até às. bordas do Egito, com domínio sobre as
rotas internacionais das caravanas e acesso ao comércio externo através do mar
Vermelho. Reduzidas e divididas, viram esgotar-se sua capacidade de resistência
à agressão de vizinhos. Após duzentos anos de existência secionada,’ as dez
tribos de Israel acabaram sob domínio dos assírios, em 722 a.C., e, de acordo
com a política assíria para os povos dominados, foram expulsas de suas terras e
dispersadas àforça, desaparecendo e se transformando, desde então, em uma das
grandes interrogações da História, fonte de perenes especulações.
O
reino de Judá, contendo Jerusalém, continuou existindo como terra do povo
judeu. Embora recuperando, em diversas épocas, grande parte do território
setentrional, padeceu conquista, também, e exílio junto às águas da Babilônia,
renascendo depois; passou ainda por guerras civis, domínio estrangeiro,
rebeliões, nova conquista, outro remoto exílio e dispersão, opressão, gueto e
massacre — mas não desapareceu. O curso alternativo que Roboão poderia ter
adotado ao ser advertido pelos conselheiros mais idosos, mas que rejeitou de
forma tão perfunctória, abriu, com essa longa vingança, uma cicatriz de 2.800
anos.
Igual
em ruína, embora oposta nas causas, foi a insensatez que resultou na conquista
do México. Ao passo que Roboão não é difícil de ser interpretado, o caso de
Montezuma serve para demonstrar que a insensatez política nem sempre é
explicável. Q Estado asteca, de que ele foi imperador de 1502 á 1520, era rico,
sofisticado e predatório. Cercado por montanhas, num platô do interior (onde
atualmente está localizada a cidade do México), sua capital contava com 60 mil
construções sobre patamares escalonados, diques e ilhotas de um lago, com casas
de estuque, ruas e templos, brilhante em pompa e ornamentos, poderosa em armas.
Suas colônias estendiam-se até a região leste da costa do golfo e oeste do
Pacífico, abrangendo, todo o império, uma provável população de cinco milhões
de almas. Os governantes astecas eram adiantados no domínio de artes, ciências,
agricultura, em contraste com a ferocidade da religião, cujos rituais de
sacrifícios humanos não encontram paralelo em termos de crueldade sanguinária.
Os exércitos astecas dirigiam campanhas anuais pela hinterlândia em busca de
trabalhadores-escravos e vítimas para os altares de sacrifício, que tomavam às
tribos vizinhas, além do saque de alimentos de que pareciam eternamente
carentes, ao tempo em que sujeitavam novas áreas ou puniam levantes. Nos
primeiros tempos de seu governo Montezuma comandava pessoalmente essas razias
e assim expandiu de forma notável as fronteiras do império.
A
cultura asteca era escrava do conceito dos deuses: deuses-pássaros,
deuses-serpentes, deuses-jaguares, Tlaloc, o deus da chuva, e o deus-sol, Tezcatlipoc,
senhor da superfície terrestre, o “Tentador” que “sussurrava idéias de
selvagismo na mente dos humanos”. O deus-fundador do Estado, Quetzalcoatl,
havia caído de seu pedestal e sumira nas águas orientais, embora seu retorno à
terra fosse esperado, quando surgiriam, de um limbo antecipatório, inúmeros
presságios e aparições; ele viria como arauto da ruína do império.
Em
1519 um grupo de conquistadores espanhóis viera de Cuba sob o comando de Hernán
Cortés e aportou em Vera Cruz, na costa do golfo do México. Nos vinte e cinco
anos decorridos desde a descoberta, realizada por Colombo, das ilhas do Caribe,
os invasores de Espanha haviam estabelecido um sistema que devastava as
populações nativas: caso seus corpos não sobrevivessem ao regime de trabalho
imposto pelos espanhóis, suas almas, na concepção cristã, seriam salvas.
Vestidos com cotas de malha e capacetes de metal, os conquistadores não
albergavam propósitos de colonização nem pareciam dispostos a derrubar
florestas e deitar lavouras; eram inquietos e ásperos aventureiros à cata de
escravos e ouro. Cortés representa o paradigma da espécie. Mais ou menos às
turras com o governador de Cuba, ele se pôs em campo à testa de 600 homens, 17
cavalos, 10 peças de artilharia, ostensivamente em busca de comércio e
exploração de terras novas, mas na realidade, como sua conduta posterior deixou
flagrante, ansioso por glória e um domínio independente, prestando contas
apenas à Coroa. Seu primeiro ato ao colocar pés em terra foi o de queimar os
navios do transporte, tornando, assim, impossível uma retirada.
Informado pelos
habitantes locais, que odiavam os astecas, da riqueza e poder da capital
nativa, Cortés, com a maior parte de sua gente corajosamente disposta, decidiu-se
à conquista da grande cidade no coração do país. Embora de temperamento
inquieto e audacioso, ele não era imprudente: ao longo da jornada fez alianças
com tribos hostis aos astecas, especialmente com Tlaxcala, o chefe rival do
império. Enviou avisos antecipatórios dizendo-se embaixador de um rei
estrangeiro, mas sem qualquer sugestão de que seria Quetzalcoatl reencarnado,
hipótese inteiramente fora de questão em se tratando, como no caso, de um
católico espanhol. Marchavam com seus próprios padres bem conspícuos a
carregarem crucifixos e insígnias da Virgem, além da proclamação em alto e bom
som de que buscariam trazer novos contingentes de almas para Cristo.
Ante as notícias
do avanço, Montezuma reuniu os membros do conselho, alguns dos quais fortemente
insistiram na necessidade de resistir aos estrangeiros pela força ou através de
fraude, enquanto outros argüiram que, se os viajantes eram embaixadores de um
príncipe ultramarino, seria recomendável dar-lhes boas-vindas e, caso se
tratasse de criaturas sobrenaturais, como seus estranhos atributos indicavam,
qualquer resistência não passaria de fútil tentativa. Suas faces “de cinza”,
suas roupas “de pedra”, a chegada à costa em casas sobre as águas, com asas
brancas, o fogo mágico a explodir de tubos, para matar à distância, os animais
inacreditáveis nos quais os chefes vinham montados, tudo sugeria trato com o
sobrenatural para um povo em que os deuses predominavam sobre tudo o mais. A
idéia, porém, de que o chefe dos invasores poderia ser Quetzalcoatl parece ter
sido um pavor que somente a Montezuma ocorreu.
Hesitante e
apreensivo, ele adotou a pior providência que poderia ter escolhido nas
circunstâncias: enviou esplêndidos presentes que demonstravam riqueza, e
cartas concitando os estrangeiros a voltarem em seus passos, o que deixava a nu
sua fraqueza. Carregados por uma centena de escravos, os presentes de jóias,
têxteis, maravilhosos enfeites de plumagens e dois enormes pratos de prata e
ouro, “grandes como rodas de carruagens”, excitaram a cobiça dos espanhóis. Por
outro lado, as mensagens proibindo maior aproximação da capital, quase a
implorar que retornassem para suas terras, numa linguagem branda destinada a
não ofender embaixadores, ou deuses quiçá, pouco significavam em termos de
dissuasores. Os espanhóis seguiram em frente.
Montezuma não
moveu um dedo para detê-los ou barrar-lhes o caminho quando o grupo alcançou a
cidade. Em lugar disso, foram saudados com cerimônia e conduzidos a aposentos
no palácio e em outros nobres locais. O exército asteca, esperando nas colinas
sinal para ataque, jamais foi chamado a entrar em ação, embora pudesse ter
aniquilado os invasores cortando sua retirada através dos diques e levando os
espanhóis a um estado de assédio em que acabariam por rendição à fome. Tais
planos haviam sido urdidos, na verdade, mas foram revelados a Cortés por um
intérprete traidor. Alertado, ele colocou Montezuma sob prisão domiciliar no
próprio palácio, fazendo-o refém contra um ataque.
O soberano de um povo de guerreiros, que
suplantavam seus captores na proporção de mil por um, submeteu-se, entretanto.
Por excesso de misticismo ou superstição, ele aparentemente se convenceu de que
os espanhóis eram, sem dúvida, enviados de Quetzalcoatl chegados para testemunhar
os estertores finais de seu império e, acreditando-se condenado
irremissivelmente, nenhum esforço fez para enfrentar o destino.
As
incessantes demandas dos visitantes por mais ouro e provisões demonstravam
obviamente serem eles humanos, em demasia até: seus constantes rituais de
adoração a um homem nu pregado em lenhos cruzados ou de uma dama com um menino
nos braços, serviam para tornar claro que nada tinham a ver com Quetzalcoatl em
relação a cujo culto, por sinal, manifestavam-se de forma supinamente hostil.
Quando,
num espasmo de arrependimento, ou pressionado por alguém, Montezuma ordenou
emboscar a guarda deixada por Cortés em Vera Cruz, seus homens mataram dois
espanhóis, enviando a cabeça de um deles à capital, como prova. Sem pedir
quaisquer explicações, sem parlamentar, Cortês imediatamente colocou o
imperador em cadeias e forçou-o a entregar os perpetradores que foram
queimados vivos junto aos portões do palácio, não olvidando a exigência de
imenso tributo punitivo em ouro e jóias. Quaisquer ilusões acaso remanescentes
de uma relação entre espanhóis e deuses desapareceram à vista da cabeça
espanhola cortada.
Cacama,
sobrinho de Montezuma, denunciou Cortês como assassino e ladrão e ameaçou
iniciar uma revolta, porém Montezuma permaneceu silencioso e passivo. Tão confiante
estava Cortés que, à notícia de uma força vinda de Cuba com a missão de
prendê-lo, partiu ao seu encontro para negociações deixando atrás de si apenas
um grupo de ocupação, o qual, posteriormente, ainda mais enfureceu a população
ao se dedicar a pôr abaixo os altares nativos além de exigir grandes estoques
de alimentos. Tendo perdido sua autoridade, Montezuma não podia comandar a
situação e tampouco diminuir a ira popular. No retorno de Cortês, os astecas,
sob chefia de um irmão do imperador, iniciaram o levante. Os espanhóis, que não
dispunham de mais que treze mosquetes entre os soldados, defenderam-se com
espadas, lanças e bestas. Com suas tochas incendiaram as casas. Debaixo de
pressão, embora tivessem a vantagem do aço, trouxeram Montezuma para que
determinasse a seus súditos o término das hostilidades, mas quando ele
apareceu o povo o apedrejou chamando-o de covarde e traidor. Levado de volta ao
palácio, morreu três dias depois. Os habitantes da cidade recusaram-se a
prestar-lhe pompas fúnebres. Os espanhóis evacuaram a capital durante a noite
com perda de um terço de sua força e do butim.
Reagrupando
seus aliados mexicanos, Cortês derrotou um exército asteca bem superior, em
batalha de campo aberto, nos arredores da cidade. Com ajuda dos tlaxcalanos
organizou um assédio apertado, cortou suprimentos de água potável e alimentos
à cidade e gradualmente penetrou em seus muros, jogando os destroços dos
edifícios no lago à medida que avançava. Em 13 de agosto de 1521 os
remanescentes da antiga população, esfomeados e sem liderança, renderam-se. Os
conquistadores aterraram o lago, construíram sua própria cidade sobre os
escombros e impuseram novas leis ao México, atingindo astecas e antigos
aliados, indiferentemente, durante os trezentos e cinqüenta anos seguintes.
Ninguém
deve discutir crenças religiosas, especialmente quando se trata de uma cultura
estranha, remota, não bem compreendida. Mas quando tais crenças se tornam uma
ilusão mantida até mesmo contra as evidências naturais e a ponto de jogar por
terra a independência de um povo, elas podem ser consideradas pura insensatez,
com justiça. Pertencem à categoria de visão d’antolhos na variedade especial
de mania religiosa. Jamais uma dessas manias causou maior devastação.
As
loucuras políticas não significam, necessariamente, conseqüências negativas
para todas as partes envolvidas. A Reforma, surgida da insensatez do papado
renascentista, não passa por matéria de infortúnio para os protestantes. Os
americanos jamais considerariam lamentável sua independência, fruto da
insensatez dos ingleses. Embora a conquista da Espanha pelos mouros, que durou,
para a maior parte do país, cerca de trezentos anos e, em áreas menores,
oitocentos, possa ser classificada tanto de forma positiva quanto negativa em
seus resultados,• dependendo da posição do analista, é fora de dúvida ter sido
causada pela insensatez dos governantes espanhóis da época.
Esses
dirigentes eram os visigodos que invadiram o Império Romano no século IV e
pelos fins da quinta centúria se estabeleceram no controle da maior parte da
Península Ibérica, dominando a população hispanoromânica, bem superior em
número. No curso de duzentos anos estiveram em querelas e freqüentemente em
disputas armadas com seus súditos. Devido a incontido egoísmo personalista,
comum nos soberanos daqueles idos, criaram apenas acrimônia tornando-se,
afinal, vítimas do que haviam semeado. Essa hostilidade foi aguçada por
animosidade religiosa, desde que os habitantes locais eram católicos do rito
romano ao passo que os visigodos pertenciam à seita ariana. Disputas
posteriores surgiram em torno do método para selecionar soberanos. A nobreza
nativa tentou manter o princípio eletivo consuetudinârio, enquanto os reis,
obedientes a seus pruridos dinásticos, estavam determinados a estabelecer e
manter processo hereditário. Usaram, para tanto, de todos os recursos
disponíveis — exílio ou execução, confisco de propriedades, tributações
arbitrárias, distribuição desigual de terras — visando a eliminar rivais ou
enfraquecer a oposição local. Esses procedimentos, como é óbvio, levaram os
nobres a fomentar insurreições, enquanto a flor do ódio abria pétalas.
Nesse
meio-tempo, através de bem mais forte organização e mais ativa intolerância
religiosa, a Igreja romana e seus bispos de Espanha ganharam terreno e ao final
do século VI conseguiram converter dois herdeiros do trono. O primeiro deles
foi condenado à morte pelo próprio pai, mas o segundo, de nome Recaredo,
reinou; finalmente, um governante consciente da necessidade de união nacional.
Foi o primeiro dos godos a reconhecer que, para um rei hostilizado por dois
grupos inimigos, seria insensatez continuar antagônico aos dois
simultaneamente. Convencido de que a união jamais seria obtida sob o arianismo,
Recaredo agiu energicamente contra seus antigos associados e proclamou o
catolicismo religião oficial. Vários de seus sucessores igualmente envidaram
esforços no sentido de aplacar os antigos adversários, chamando de volta
banidos e restaurando suas propriedades, mas as divisões e tendências
antagônicas já eram por demais vigorosas e eles tinham perdido influência para
a Igreja, que se transformou, por obra deles próprios, em seu Cavalo de Tróia.
Confirmado
no poder, o episcopado católico mergulhou fundo nas coisas do governo secular,
proclamando suas leis, utilizando-lhe os poderes, dirigindo assembléias
decisórias, legitimando usurpadores favorecidos e promovendo, fielmente,
campanhas incessantes e normas punitivas contra tudo que fosse “não-cristão”,
ou, em outras palavras, contra os judeus. Sob tal superfície moviam-se e
persistiam as lealdades arianas; deboche e decadência afligiam a corte.
Ativada por cabalas e conspiratas, usurpações, homicídios e levantes, a
rotatividade dos reis durante o século VII foi visível, nenhum deles ocupando o
trono além de dez anos.
No
curso dessa centúnia, os muçulmanos, animados por uma nova religião,
explodiram em vertiginosa carreira de conquistas que se estenderam da Pérsia ao
Egito e, por volta do ano 700, atingiram Marrocos, fronteiro à Espanha e dela
separado pelas águas do estreito. Seus navios atacaram as costas espanholas;
embora batido, o novo poder nas praias contíguas ofereceu aos grupos hostis à
regra dos godos o prospecto sempre tentador de ajuda externa contra o inimigo
interno. Não importa quantas vezes tenha sido repetida na História, essa
solução desesperada sempre termina de uma mesma maneira, como os imperadores de
Bizâncio aprenderam ao acolherem os turcos nas lutas contra a oposição
doméstica: o poder convidado permanece no país e toma o controle da vida
nacional.
Para
os judeus espanhóis o tempo era chegado. Antiga minoria tolerada, que havia
chegado com os romanos, tendo prosperado como mercadores, eram agora evitados,
perseguidos, sujeitos à conversão forçada, privados de direitos, propriedades,
trabalho; até mesmo suas crianças lhes eram arrebatadas à força e entregues a
cristãos proprietários de escravos. Ameaçados de extinção, fizeram contato com
os mouros e lhes passaram * Arianismo:
Doutrina pregada por Ano (280-336), heresiarca de Alexandria, famoso em todo o
mundo daqueles idos. Segundo ele, Cristo era um misto de homem e Deus. (Nota
do tradutor.)
informações
úteis através de correligionários do norte da África. Para eles, qualquer
alternativa seria melhor que o domínio cristão. O ato decisivo veio, porém, do
núcleo de discórdia existente na sociedade nacional. Em 710, através de
conspiração, os nobres recusaram-se a reconhecer como rei o filho do último
soberano; derrotaram-no e o retiraram do trono, elegendo, em seu lugar, um de
seus pares, o Duque Rodrigo, o que lançou o país em cerradas disputas e
confusões. O rei deposto e seus partidários atravessaram o estreito e com a
doce ilusão de que os mouros gentilmente haveriam de recuperar o trono para
eles, pediram sua assistência.
A
invasão muçulmana de 711 abateu-se sobre um país que se dilacerava. O exército
de Rodrigo ofereceu medíocre resistência e os mouros ganharam terreno com sua
força de 12 mil homens. Capturando cidade após cidade, estabeleceram delegados
— em um caso entregaram a direção de certa cidade aos judeus — e seguiram
avante. Dentro de sete anos tinham conquistado toda a Península Ibérica. A
monarquia goda, que fracassou no desenvolver princípios de governo hábeis e
até mesmo em obter fusão com seus súditos, caiu ante o assalto porque não
conseguiu firmar raízes,
Nos
idos sombrios entre a queda de Roma e o despertar medieval, os governos não
conheceram teoria, estrutura ou instrumentalidade além do puro exercício da
força do arbítrio. Como, entretanto, a desordem é a menos tolerável das
condições sociais, o ato de governar começou a tomar forma na Idade Média, como
função reconhecida, com reconhecidos princípios, métodos, agências,
parlamentos, burocracias. Adquiriu autoridade, mandatos, criou meios e
capacidade, mas não cresceu visivelmente em sabedoria ou imunidade contra a
insensatez. Não queremos com isso estabelecer que cabeças coroadas e ministros
sejam incapazes de governar com proveito e bem. Periodicamente surgem as
exceções de forma efetiva e vigorosa, até mesmo benigna, ocasionalmente, e
ainda mais ocasionalmente governos aparecem que se conduzem de maneira sábia.
Tal como com a insensatez, essas eventualidades não guardam relação com tempo e
espaço. Sólon de Atenas, talvez o mais sábio de quantos dirigentes viveram,
foi dos primeiros a governar. E merece referência especial.
Escolhido
arconte ou magistrado-chefe no século VI a.C., em época de inquietação política
e social, Sólon foi incumbido de salvar o estado e conciliar as contradições.
Ásperas leis relacionadas com as dívidas permitiam aos credores tomarem as
terras como garantia de pagamento e até mesmo o devedor, para reduzi-lo ao
trabalho escravo, o que vinha empobrecendo e desesperando as camadas plebéias
e alimentava crescente ânimo de insurreição. Não tendo participado do sistema
opressivo instituído pelos ricos e como não apoiava, tampouco, a causa dos
pobres, Sólon desfrutou da insólita vantagem de ser aceito por ambos os
estratos: pelos ricos, de acordo com o que diz Plutarco, por ser homem de
recursos e substância; pelos pobres, graças à sua honestidade. No corpo das
leis que proclamou, não teve preocupações laterais, apenas a de fazer justiça,
atuando com equanimidade em função dos interesses de poderosos e fracos,
visando a construir um governo estável. Aboliu a servidão por débitos, estendeu
o sufrágio aos plebeus, reformou a moeda para encorajar o comércio, criou
normas legais relacionadas com heranças, direitos civis dos cidadãos, penalidades
para os crimes e finalmente, buscando segurança para sua obra, exigiu do
Conselho ateniense um juramento solene de que suas reformas seriam mantidas
pelo prazo mínimo de dez anos.
Tomou,
então, uma atitude extraordinária, possivelmente única entre todos quantos
dirigiram Estados: comprou um navio e, sob pretexto de conhecer o mundo,
ficou-se a viajar durante dez anos, em exílio voluntário. Equilibrado e justo
como estadista, Sólon não era menos sábio como homem. Poderia ter retido em
mãos o poder supremo, aumentando sua autoridade ao nível de um tirano — e foi,
na verdade, recriminado por não ter procedido assim — mas sabendo que
peditórios sem fim para retirar ou modificar determinada lei só lhe trariam
má-vontade desde que não aquiescesse, determinou-se a partir para que sua norma
permanecesse intacta, pois os atenienses não poderiam rejeitar o corpo de leis
sem sua sanção. Seu gesto sugere que ausência de preponderante ambição pessoal
de mistura com bom senso figuram entre os componentes básicos da sabedoria. Em
anotações biográficas, escrevendo a respeito de si mesmo na terceira pessoa,
Sólon disse, com humildade: “A cada dia ele se tornava mais velho e aprendia
alguma coisa nova.
Governantes
fortes e eficazes, embora sem possuir todas as qualidades de Sólon, aparecem de
tempos em tempos, com heróica estatura sobre os demais, transformados em torres
visíveis na planície do tempo. Péricles presidiu Atenas em seu século áureo,
ostentando julgamento sábio, moderação, elevado conceito. Roma possuiu Júlio
César, homem de notáveis talentos de liderança, embora tenha levado seus
oponentes a assassiná-lo, o que provavelmente não o recomenda como tão sábio
quanto poderia ser. Mais tarde, sob os “bons imperadores” da dinastia antonina
— Trajano e Adriano, organizadores e construtores; Antonjno Pio, o benevolente;
Marco Aurélio, filósofo reverenciado — os cidadãos romanos desfrutaram de bom
governo, prosperidade e respeito durante cerca de um século. Na Inglaterra,
Alfredo o Grande repeliu invasores e patrocinou a união de seus compatriotas.
Carlos Magno teve a habilidade de impor ordem a um universo de elementos em
conflito. Protegeu as artes da civilização em não menor escala do que as da
guerra e gozou de supremo prestígio na Idade Média, só igualado, quatro
centúrias depois, por Frederico II, apelidado “Stupor Mundi” ou Assombro do
Mundo. Frederico envolveu-se com tudo:
artes,
ciências, leis, poesia, universidades, cruzadas, parlamentos, guerras, política
e inúmeras disputas com o papado, que, afinal, não obstante seus notáveis
talentos, o levaram à frustração total. Lourenço de Médici, o Magnífico,
promoveu a glória de Florença, mas devido às suas ambições dinásticas, minou
as bases da república. Duas rainhas, Elizabeth 1 da Inglaterra e Maria Teresa
da Áustria, foram ambas dirigentes hábeis, que souberam conduzir seus países a
píncaros elevados.
Produto
de uma nova nação, George Washington foi líder que brilhou entre os melhores.
Enquanto Jefferson era mais cultivado, com mente de mais ampla percepção e
incomparável inteligência, verdadeiro homem universal, Washington possuía
caráter firme e uma espécie de nobreza natural, que lhe permitia exercer
predominância sobre outras pessoas, além de ser dotado de grande força interior
e perseverança, responsáveis por seu êxito apesar do dilúvio de obstáculos com
que se defrontou. Ele tornou possível tanto a vitória física da independência
norte-americana como a sobrevivência da rebelde e cambaleante república em
seus anos iniciais.
Em
volta dele, em extraordinária floração, o talento político se multiplicou como
se tocado pelos benefícios de um sol tropical. Apesar de todas as suas
divergências e questiúnculas, os patriarcas fundadores mereceram a frase de
Arthur M. Schlesinger: “A mais notável geração de homens públicos já surgida nos
Estados Unidos e quiçá em qualquer outra nação.” São dignas de nota as
qualidades que esse historiador lhes atribui: eles eram destemidos, de
elevados princípios, profundamente versados no pensamento político de seu tempo
e dos tempos antigos, astutos e pragmáticos. Não temiam novas experiências e —
isso é significativo — “estavam convencidos da capacidade do homem em melhorar
suas condições através do uso da inteligência”. Era essa uma marca
característica da Idade da Razão, na qual se formaram e, embora o século XVIII
tivesse a tendência de considerar os homens como sendo mais racionais do que
realmente são, tais princípios permitiram que esses dirigentes oferecessem o
melhor de si mesmos quando no governo.
Ser-nos-ia
sumamente valioso sabermos a que atribuir o surgimento de tamanha explosão de
talentos a partir de uma base nacional de apenas dois e meio milhões de
habitantes. Schlesinger sugere alguns fatores constitutivos: ampla difusão
educacional, oportunidades econômicas desafiadoras, mobilidade social,
treinamento em autogovernança, tudo tendente a encorajar os cidadãos no
cultivo, ao máximo, de suas aptidões políticas. Com a Igreja a declinar em
prestígio, e os negócios, ciências e artes não oferecendo, ainda, terreno de
aplicação competitiva, a arena política permanecia quase como objetivo único
para homens de energia e propósito. Talvez acima de tudo mais, as necessidades
do momento tenham sido responsáveis pela resposta colhida, essa oportunidade
de construir um novo sistema político. O que poderia ser mais emocionante,
capaz de colocar em ação homens enérgicos, dispostos à luta?
Jamais
antes, ou desde então, foram investidos tantos e tamanhos raciocínios
cuidadosos e razoáveis na formação de um sistema de governo. Nas revoluções
francesa, russa e chinesa, houve excesso de ódio de classes e muito sangue
acabou derramado sem permitir, ao fim, resultados justos e constituições
permanentes. Durante dois séculos a fórmula norte-americana conseguiu sempre
manter-se fiel sob pressão, sem enfraquecer o sistema ou tentando novo arranjo
ao cabo de cada crise, ao contrário do ocorrido com Itália, Alemanha, França e
Espanha. Sob os efeitos de uma incompetência acelerada, entretanto, isso poderá
mudar, também na América. Os sistemas sociais podem resistir a fortes doses de
insensatez, se as circunstâncias são historicamente favoráveis, ou quando os
atos insensatos acabam absorvidos por imensos recursos e se diluem no tamanho
do país, como no caso dos Estados Unidos em seu período de expansão. Hoje em
dia, porque já escasseiam os amortecedores, a insensatez é bem menos aceitável.
Contudo, os patriarcas fundadores permanecem fenômeno para guardarmos em mente,
capaz de encorajar nossas estimativas sobre as possibilidades humanas, mesmo
quando seus exemplos se tornam demasiado raros para servir de base a
expectativas normais.
Entre
lampejos de bons governos a insensatez marchou no seu cotidiano. No caso dos
Bourbons de França, por exemplo, teve grande florescência.
Luís
XIV é vulgarmente considerado monarca magistral, em grande parte porque as
pessoas tendem a aceitar auto-retratos com bem-sucedida dramatização. Na
realidade, ele exauriu as fontes humanas e econômicas de seu país mediante
guerras incessantes e seu custo em termos de débito nacional, mortes, fome e
doenças, impelindo a França para o colapso inexorável, tal como aconteceu duas
gerações depois, com a deposição da monarquia absoluta, raison d’être dos
Bourbons. Visto a essa luz, Luís XIV é o epítome daqueles que buscam uma
política contrária aos próprios interesses. Não foi ele, mas a amante de seu
sucessor, Madame de Pompadour, quem vaticinou em frase famosa: “Depois de nós,
o dilúvio.”
Os
historiadores são todos acordes em que o ato mais condenável e o erro mais
clamoroso na carreira de Luís foi sua revogação do Edito de Nantes, em 1685,
cancelando o decreto de tolerância de seu avô e reabrindo as perseguições aos
huguenotes. Não classificamos como insensatez perfeita a tal ato porquanto lhe
faltou admoestação ou reprovação dos coevos, tendo sido saudado com grande
entusiasmo e considerado, mesmo trinta anos após o funeral do rei, como uma de
suas decisões mais dignas de encômios. Essa circunstância reforça, entretanto,
o critério já exposto
de
que a política insensata deve ser produto de um grupo e não apenas de um
indivíduo. Mas o reconhecimento da insensatez não demorou tanto a ser feito.
Algumas décadas depois Voltaire classificou tal ato como “uma das maiores
calamidades já ocorridas em França”, com resultados “inteiramente opostos
àqueles que buscava”.
Como
todas as loucuras políticas, essa estava condicionada pelas atitudes, crenças
e correntes do tempo e tanto quanto em alguns casos, para não dizer em todos,
foi providência inteiramente desnecessária. A força do cisma na velha religião
e a ferocidade doutrinária do calvinismo encontravam-se em curva descendente;
os huguenotes, cujo número era pouco acima de dois milhões, cerca de um décimo
da população, tinham provado ser leais e árduos trabalhadores, tão dedicados ao
trabalho a ponto de gerar desconforto entre os católicos. Aí estava o nó da
questão. Como os huguenotes guardavam apenas o sábado contra os mais de cem
feriados por dias santos dos católicos, produziam melhor e tinham maior sucesso
no comércio. Suas lojas e oficinas prosperavam a olhos vistos, consideração
que estava por detrás das demandas católicas insistindo na repressão aos
rivais. O pedido era justificado, porém, sob o argumento transcendental de que
uma crença dissidente se constituía em desafio ao rei e que a abolição da
liberdade de consciência — “essa mortífera liberdade”
— serviria bem, tanto à nação como a Deus.
O apelo calou no rei assim que ele se
tornou mais autocrático, depois de sacudir de si o jugo inicialmente exercido
pelo Cardeal Mazarino. E àmedida que tomava corpo o sentimento de autocracia,
mais lhe enfadava a existência de uma seita dissidente representando fissura
inaceitável no princípio de submissão à vontade real. “Uma só lei, um só rei,
um só Deus”, eis seu conceito de Estado; depois de 25 anos de reinado tinha
endurecidas as artérias políticas e se atrofiara sua capacidade em tolerar
divisões. Cultivava a síndrome da “missão divina”, tantas vezes catastrófica
para os governantes, convencido de que era vontade do Todo-Poderoso que eu seja
Seu instrumento, fazendo aportar ao rebanho todos os extraviados que são,
também, meus súditos”. Tinha, além disso, o móvel das razões políticas. Atento
às inclinações católicas de Jaime II da Inglaterra, Luís começava a acreditar
que o pêndulo da Europa estava oscilando em direção à supremacia católica:
poderia, portanto, auxiliar o movimento através de um gesto dramático contra
os protestantes. Ademais, face a querelas com o papa em torno de outros
problemas, desejava mostrar-se como uma espécie de campeão da ortodoxia,
reafirmando o antigo título francês de o mais cristão dos reis
A perseguição
começou em 1681, antes da Revogação. Os serviços religiosos dos protestantes
foram suspensos, escolas e igrejas fechadas, prestigiado o batismo católico,
crianças eram separadas de suas famílias ao atingirem a idade de sete anos para
serem criadas como católicos, pro21
fissões e
ocupações gradualmente restritas acabaram proibidas, funcionários huguenotes
viram-se forçados a resignar; organizaram-se esquadrões clericais de
conversões, com prêmios em dinheiro para cada uma delas. Decreto após decreto
discriminava e arrancava os huguenotes de suas próprias comunidades e da vida
nacional.
As
perseguições geram suas brutalidades características e o recurso à violência
logo foi adotado, sendo o mais efetivo e maligno o das dragonnades, ou
emprego dos dragões contra famílias huguenotes, encorajando-os a procederem de
maneira tão viciosa quanto possível e desejável. Notoriamente estúpidas e
indisciplinadas, as tropas de dragões entregaram-se à carnificina, espancando e
roubando proprietários, estuprando mulheres; esmagavam, despedaçavam,
emporcalhavam tudo à vista enquanto as autoridades omitiam-se de reprimir esses
meios estimuladores de conversões. Conversões em massa debaixo de tais
circunstâncias dificilmente poderiam ser aceitas como genuínas, causando
ressentimento entre os católicos, porque envolviam a Igreja em perjúrio e
sacrilégio. Comungantes forçados eram levados às missas e havia os que
resistiam cuspindo ou pisoteando as hóstias, sendo imediatamente queimados
vivos por terem profanado o sacramento.
Começou,
pois, a emigração dos huguenotes — também em desafio aos editos que proibiam
sua saída do país sob pena de sentença nas galés, se apanhados. Os pastores do
credo, por outro lado, quando se recusavam a abjurar, eram forçados ao exílio,
por temerem suas pregações em segredo, que encorajariam os conversos a se
tornarem relapsos. Os teimosos continuavam ministrando serviços religiosos:
eram quebrados nas rodas de tortura surgindo, daí, mártires inspiradores de
maior resistência nos fiéis.
Quando
anunciaram ao rei conversões em massa — cerca de 60 mil em uma única região, no
decurso de três dias — ele tomou a decisão de revogar o Edito de Nantes
considerando-o desnecessário, uma vez que não mais havia huguenotes. Algumas
dúvidas cresciam, ao tempo, quanto à prudência dessa medida. Nuni concílio que
se realizou às vésperas da Revogação, o Delfim, possivelmente dando voz a
preocupações que lhe teriam sido transmitidas em privado, advertiu o rei de que
a revogação do Edito poderia causar revoltas e emigração maciça que
repercutiria no comércio francês, mas parece que a sua foi a única intervenção
em contrário, sem dúvida por estar a salvo de represálias. Uma semana depois,
aos 18 de outubro de 1685, a Revogação acabou formalmente decretada, sendo o
ato saudado como “milagre de nosso tempo”. “Jamais ocorreu tamanha explosão de
alegria”, escreveu o cáustico SaintSimon, que atirou essas farpas após a morte
do rei: “Nunca se ouviu tal profusão de encômios... Tudo o que o rei escutava
eram elogios...
Os
efeitos malignos não se fizeram de rogados. Trabalhadores têxteis, fabricantes
de papel, artesãos diversos, todos huguenotes, cujas técnicas tinham sido
monopólio de França, levaram suas habilidades para o exterior, principalmente
Inglaterra e Alemanha; banqueiros e mercadores carregaram consigo seus
capitais; impressores, livreiros, construtores de navios, advogados, médicos,
muitos pastores, todos escaparam do país. No decurso de quatro anos 8 mil a 9
mil homens da Marinha e 10 mil a 12 mil do Exército, além de 500 a 600
oficiais, fugiram rumo aos Países-Baixos onde engrossaram as forças de
Guilherme III, inimigo de Luís, logo dupla-mente inimigo ao se tornar rei da
Inglaterra, três anos depois, substituindo Jaime II, destronado. A indústria da
seda de Tours e Lyon ficou arruinada e algumas cidades importantes, como Reims
e Rouen, perderam metade de seus artesãos especializados.
Houve
exageros, a começar pelas virulentas censuras de Saint-Simon, quando bradou
contra o “despovoamento” do reino que, segundo ele, seria da ordem de um quarto
de seus antigos habitantes; isso, todavia, é inevitável sempre que são
descobertas desvantagens depois de um acontecimento. Estima-se, atualmente,
como número total de émigrés, em conta elástica, um montante entre 100
mil e 250 mil. Mas pouco importam números exatos: seu valor para os oponentes
da França foi imediatamente reconhecido nos Estados protestantes. A Holanda
lhes garantiu direito de cidadania imediata além de isenção de taxas durante
três anos. Frederico Guilherme, o Eleitor de Brandemburgo (a futura Prússia),
divulgou um decreto, sete dias depois da Revogação, convidando os huguenotes a
virem para seus territórios onde as empresas industriais dos emigrantes viriam,
afinal, contribuir decisivamente para o progresso de Berlim.
Análises
recentes demonstraram que o dano econômico causado à França pela emigração dos
huguenotes foi muito aumentado, tendo sido apenas um dos elementos na ruína
maior derivada das guerras. Quanto aos prejuízos políticos, porém, não restam
quaisquer dúvidas. O dilúvio de panfletos e sátiras divulgados pelos
impressores huguenotes e seus amigos nas cidades onde se estabeleceram elevou
severamente o antagonismo ao universo francês. A coalizão protestante contra
os franceses ficou bem mais fortalecida ao tempo em que Brandemburgo aliou-se à
Holanda, juntando-se-lhes principados germânicos de menor expressão. Na França
o movimento protestante acabou revigorado e o conflito com os católicos ainda
mais azedou. A prolongada revolta dos huguenotes camisards nas Cevenas,
região montanhosa meridional, gerou guerra repressiva que em muito enfraqueceu
o Estado. Aí, e entre outras comunidades também calvinistas, tomou corpo uma
base receptiva para a Revolução ainda por vir.
Bem
mais profundo foi o descrédito lançado sobre o conceito de monarquia absoluta.
A rejeição, pelos dissidentes, do poder do rei quanto à imposição de unidade
religiosa, significou um vazamento no direito divino ligado à autoridade real,
o que se irradiou, e foi ponto de convergência para desafios constitucionais
do século seguinte. Quando Luís XIX morreu em 1715. depois de sobreviver a
filho e neto, deixou por herança não a unidade nacional, que fora seu objetivo,
mas visível e amargo dissentimento. Tendo reinado por 72 anos, em lugar de
aumento da riqueza e poderio legou um Estado fraco, desorganizado, empobrecido.
Jamais um soberano, voltado para si mesmo de forma tão característica,
contrariou. como ele, seus próprios interesses.
A
alternativa aceitável teria sido a de deixar os huguenotes em paz ou, ao menos,
satisfazer os reclamos contra eles eriçados mediante decretos civis, em lugar
do uso de força e do cometimento de atrocidades. Embora ministros, clero e povo
aprovassem plenamente as perseguições, nenhuma razão digna desse nome
resistiria a uma análise. A peculiaridade de todo o a/faire residia
nisto. essencialmente: não se tratava de medida necessária. Sublinha-se, aqui,
duas características da insensatez política: freqüentemente ela não advém de
grandes desígnios, e suas conseqüências, muitas vezes, acabam por surpreender.
A insensatez, depois de vir à luz, tem o hábito de continuar persistindo em
seus efeitos, posteriormente. Com agudo embora inconsciente significado, um
historiador francês escreveu a respeito do ato da Revogação: “Grandes desígnios
são raros em política; o rei procedeu de forma empírica, seguidamente impulstva.”
Esse ponto de vista foi reforçado por fonte inesperada, quando, em estudo
perceptivo, Ralph Waldo Emerson produziu o seguinte comentário:
“Ao
analisarmos a História não devemos ser muito profundos, pois nas mais das vezes
as causas estão bem à superfície.” Eis o fator superestimado usualmente pelos
cientistas políticos ao discutirem a natureza do poder:
sempre
tratam do assunto, mesmo em seus aspectos negativos, com imenso respeito. Não
conseguem perceber o fenômeno, aqui e ali, como obra de homens às tontas,
agindo de forma insensata, ignorante ou cruel, tal qual fazem pessoas comuns em
circunstâncias banais. Os ardis e o impacto do poder nos levam a equívocos,
revestindo seus titulares com qualidades acima das dimensões naturais.
Despojado de sua tremenda peruca de cabelos cacheados, de seus sapatos de
salto alto, de seus arminhos, esse Rei Sol era homem sujeito a preconceitos,
erros e impulsos — tal como você e eu.
O último
soberano francês a reinar, Carlos X, irmão de Luís XV1, que foi guilhotinado, e
de seu breve sucessor Luís XVIII, pôs em jogo uma espécie de insensatez que
pode ser classificada como “do tipo Humpty-Dumpty” *; tentou reinstalar
uma estrutura liquidada, espatifada, buscando volver as páginas da História.
Nesse processo, denominado reação ou contra-revolução, o direito reacionário
tendia a restaurar privilégios e * Humpty-Dunpty:
Personagem de história infantil que é representado por um ovo. (Nota do
tradutor.) propriedades do velho regime conferindo-lhes um vigor de certa
maneira inexistente antes.
Quando
Carlos X. na idade de 67 anos ascendeu ao trono, em 1824, a França havia
experimentado 35 anos das mudanças mais radicais já ocorridas na História até
então, que iam da revolução total ao império napoleônico, a Waterloo, à
restauração dos Bourbons. Luís XVIII, considerando impossível, ao tempo em que
reinou, o cancelamento de todos os direitos, liberdades e reformas legais
incorporados ao governo desde a maré revolucionária, aceitou uma constituição,
embora jamais se tivesse acostumado à idéia de uma monarquia constitucional;
seu irmão Carlos, entretanto, ia além: simplesmente não conseguia compreender
tais mudanças. Tendo acompanhado o processo em andamento na Inglaterra, quando
de seu exílio, Carlos afirmava que preferiria ser lenhador a rei dos ingleses.
Não é de admirar, pois, que se transformasse na esperança dos emigrados que
retornaram com os Bourbons e desejavam o velho regime de volta, completo, com
classes sociais, títulos, e especialmente suas propriedades confiscadas.
Na
Assembléia Nacional eles eram representados pelos ultradireitistas, os quais,
aliados aos frangalhos ainda existentes da extrema direita, formavam o partido
mais forte. Tinham conseguido esse domínio mediante limitações ao direito de
voto para as classes mais ricas utilizando o interessante e criativo processo
de reduzir as taxações de oponentes conhecidos, de modo que se não pudessem
situar na faixa de contribuintes até 300 francos, condição obrigatoriamente
exigida para ser eleitor. Os quadros governamentais restringiram-se de forma
similar. Os reacionários controlavam todos os postos ministeriais, tendo,
inclusive, um extremista religioso como ministro da Justiça, homem cujas
idéias políticas, dizia-se então, eram aperfeiçoadas na leitura regular do
Apocalipse. Seus colegas impuseram rígidas leis de censura e normas elásticas
de busca e apreensão; como primeira conquista criaram um fundo destinado a compensar
aproximadamente 70 mil énligrés ou seus herdeiros a uma taxa anual de
1.377 francos. Não se constituía no suficiente para satisfazer os
beneficiários, mas o bastante para enfurecer os burgueses cujos tributos
pagavam essas dotações.
Os
herdeiros da situação revolucionária e da corte de Napoleão não estavam
dispostos a ceder espaço aos emigrantes e ao clero do velho regime; o
descontentamento, por isso, elevou-se, embora ainda em tom surdo. Cercado por
seus reacionários, o rei poderia ter completado seu governo mais ou menos
confortavelmente se não tivesse, por excessiva tolice, buscado a própria
queda. Carlos estava determinado a governar e, embora apenas ligeiramente
dotado para a tarefa, do ponto de vista intelectual, possuía riquíssimas reservas
daquela capacidade bourbônica de nada aprender e tampouco nada esquecer. Quando
a oposição na Assembléia lhe soou um tanto bulhenta, ele aceitou o conselho de
seus m1n1buu~ m.. sentido de dissolver a sessão; através de suborno, ameaças e
outras pressões visando a manipular uma eleição aceitável, os realistas
acabaram derrotados por quase dois votos a um. Recusando-se a aceitar o
resultado como se fosse qualquer desamparado rei inglês, Carlos decretou nova
dissolução e, debaixo de ainda mais duras limitações aliadas a rígido sistema
de censura, realizou outra eleição.
A
imprensa abriu baterias, bradando por resistência. Enquanto o rei se entregava
aos lazeres de uma caçada sem esperar conflito aberto e por isso não tendo
providenciado apoio militar, o povo de Paris, como havia feito tantas vezes
antes e desde então, construiu barricadas e entusiasticamente dedicou-se a
três dias de lutas nas ruas, denominados pelos franceses les trois
glorieuses. Deputados da oposição organizaram um governo provisório.
Carlos abdicou e foi-se para aquele éden desprezível de monarquia limitada,
além do Canal. Nenhuma grande tragédia, pois. O episódio torna-se
historicamente significativo apenas por representar um marco entre
contra-revolução e a subseqüente monarquia “burguesa” de Luís-Felipe. Serve,
porém, como mais um quadro ilustrativo na história da insensatez, ao mostrar a
sempre renovada futilidade de se tentar reconstruir um ovo quebrado, o que de
forma alguma é exclusividade dos Bourbons.
Através
da História têm sido inumeráveis os episódios de insensatez militar, mas estão
fora dos objetivos deste ensaio. Dois dos mais expressivos, porém, envolvendo
situações de guerra com os Estados Unidos, representam atitudes políticas de
nível governamental. Um deles foi a decisão dos alemães em restabelecer a
guerra submarina irrestrita, em 1916, e o outro, o ataque japonês a Pearl
Harbour em 1941. Nos dois casos, vozes em contrário fizeram ouvir suas
admonições relacionadas com o curso adotado, de maneira urgente e desesperada
na Alemanha, discretamente mas com enorme carga de dúvida no Japão, sem
sucesso nas duas oportunidades. A insensatez presente nesses exemplos pertence
à categoria de auto-aprisionamento ao raciocínio do
“não-dispomos-da-outra-alternativa” e, também, à mais freqüente e fatal das
ilusões, aquela que nos leva a subestimar o oponente.
Guerra
submarina irrestrita significa afundamento, sem prévio aviso, de navios
mercantes encontrados em zonas de bloqueio declarado, sejam eles beligerantes
ou neutros, estejam armados ou não. Rispidamente repelida pelos Estados Unidos,
ao amparo do princípio que lhes era muito caro de que a neutralidade permitia
liberdade de curso em todos os mares, a prática fora suspensa em 1915 depois do
frenesi causado pelo afundamento do Lusitânia, não devido à fúria
americana com ameaça de rompimento de relações, e ao antagonismo de outros
países neutros, mas, principalmente, porque a Alemanha não possuía submarinos
em número suficiente para lhe assegurar efeitos decisivos, se forçasse a mão.
Por
essa altura, na verdade em fins de 1914, depois de fracassada a ofensiva
inicial destinada a pôr de joelhos Rússia ou França, os dirigentes alemães
reconheceram a impossibilidade de vencer uma guerra contra três oponentes em
aliança, caso eles se conservassem unidos: ao contrário, como disse o chefe do
Estado-Maior ao chanceler, “parece mais provável que acabemos exaustos”.
Tornara-se
necessária ação política destinada a obter paz em separado com a Rússia, mas
isso havia falhado, como igualmente ocorreria com outras sondagens e aberturas
a serem feitas para ou pela Alemanha com respeito à Bélgica, França e até mesmo
Inglaterra nos dois anos seguintes. E tudo falhava por uma só razão: os termos
da Alemanha eram punitivos em cada caso, colocando-se ela na posição de
vitoriosa que exigia do adversário retirada pura e simples, enquanto bradava
por anexações e indenizações. Oferecia sempre o porrete, jamais a cenoura do
engodo; obviamente, nenhum dos oponentes sentia-se tentado a trair seus
aliados em tais bases.
Antes
do final de 1916 estavam ambos os lados quase completamente exaustos em
recursos e soluções de índole militar, tendo perdido milhões de vidas em Verdun
e no Somme para ganhos ou perdas medidos em jardas. A Alemanha curtia uma dieta
de batatas ao tempo em que chamava às fileiras adolescentes de quinze anos de
idade. Os aliados mantinham-se com meios também indigentes, sem sinais de
vitória à vista — a menos que o poder intocado dos americanos viesse fortalecer
seu esforço.
Durante
esses dois anos, enquanto os estaleiros de Kiel empenhavam-se em produzir
incansavelmente novos submarinos, a um ritmo de 200 por mês, o Supremo Comando
batalhava nas conferências de alto nível pela renovação da campanha de
torpedeamentos, enfrentando forte oposição por parte dos ministros civis.
Resumindo o ponto de vista civil a propósito dos afundamentos indiscriminados,
eles causariam, nas palavras do Chanceler Bethmann-Hollweg, “a inevitável
presença americana no bloco inimigo”.
O
Alto-Comando não negava tal possibilidade, desconsiderando-a, porém. Afirmava,
isso sim, que se tornara indiscutível faltarem meios para que a Alemanha
vencesse a guerra em terra apenas; seu objetivo era derrotar a Inglaterra já
padecendo debaixo de escassez, cortando-lhe completamente os suprimentos que
recebia por via marítima, antes que os Estados Unidos pudessem preparar,
mobilizar, transportar suas tropas à Europa em número suficiente, capaz de
alterar o panorama geral. Eles insistiam em que seu plano poderia completar-se
dentro de três a quatro meses. Os almirantes faziam exposições com seus mapas
e cartas marítimas provando quantas toneladas os submarinos poderiam afundar
em dado período de tempo,até fazerem com que os britânicos “pulassem na rede
como peixes em agonia”.
As
vozes em contrário, a começar pela do chanceler, entendiam que a presença
beligerante da América traria enorme ajuda financeira aos aliados, além de
representar o erguimento do moral, permitindo-lhes resistir até o desembarque
das tropas americanas; afora isso, teriam a utilização da tonelagem alemã
internada nos portos da América e, eventual-mente, também a que existia em
outros portos de países neutros. O Vice-Chanceler Karl Helfferich acreditava
que soltar os submarinos levaria àruína”. O departamento do ministério do
Exterior que lidava com os assuntos americanos cerrava fileiras com os demais
opositores. Dois banqueiros alemães de grande projeção retornaram às pressas
de uma missão nos Estados Unidos expressamente no propósito de advertir contra
o menosprezo às energias potenciais do povo norte-americano, que, eles disseram,
uma vez convencido a lutar numa boa causa, saberia mobilizar forças e recursos
em escala inimaginável.
De
todos os dissuasores o que mais se empenhava era o embaixador alemão em
Washington, Conde von Bernstorff; sua origem e formação alheias à índole
prussiana libertaram-no de muitas das ilusões de seus pares. Bem ilustrado na
realidade americana, Bernstorff reiterou a seu governo por diversas vezes que a
campanha submarina despertaria a beligerância da América, levando a Alemanha a
perder a guerra. À medida que aumentava a insistência militar, ele mais tornava
ao assunto em cada uma de suas mensagens, buscando evitar que o país adotasse
um rumo que lhe soava fatal. Estava convencido de que a fórmula única para ser
evitada a derrota seria suspender o estado de guerra através de mediação
visando a uma paz de compromisso, tal como o Presidente Wilson cuidava de
propor. Bethmann revelou-se ansioso por ver adotado esse plano baseado na
teoria de que se os aliados rejeitassem tal paz, como era provável, enquanto a
Alemanha, ao contrário, a aceitasse, ficaria livre o caminho para a guerra
submarina indiscriminada, que poderia ser levada a termo sem provocar a
beligerância americana.
O
grupo belicista a bradar pelo emprego dos submarinos incluía os junkers e
o círculo de cortesãos, juntamente com grupos expansionistas, partidos de
direita e a maior parte do povo, contaminado pela propaganda e colocando sua fé
nos submarinos como meio hábil de romper o bloqueio inglês de alimentos,
levando o país, assim, à vitória. Umas poucas vozes dos desprezados
social-democratas bradaram no Reichstag: “O povo não deseja a guerra submarina,
quer apenas paz e pão! “, mas ninguém lhes prestou ouvidos, pois os
cidadãos da Alemanha, por mais famintos que estivessem, permaneciam
obedientes. O Kaiser Guilherme II, assaltado embora por muitas dúvidas, mas
não desejando parecer menos truculento que seus comandados, juntou sua voz às
deles.
A
oferta de Wilson, em dezembro de 1916, para que os beligerantes negociassem uma
“paz sem vitória”, foi rejeitada por ambos os lados. Nenhum deles estava
disposto a aceitar um acordo sem ganho e indenizações dos gastos de guerra,
que pudessem justificar tantos sacrifícios de vidas e outros sofrimentos. A
Alemanha não lutava pela manutenção do status quo, mas visava à
hegemonia da Europa e a um maior império ultramarino. Desejava, em lugar da paz
de mediação, uma paz ditada, e não tinha a menor intenção, como deixou expresso
o ministro do exterior Arthur Zimmermann, de “correr o risco de vir a ser
despojada daquilo que buscamos ganhar com a guerra” através dos ofícios de um
mediador. Qualquer negócio que viesse a requerer renúncias e indenizações por
parte da Alemanha, única espécie de acordo que os aliados aceitariam, significaria
o fim dos Hohenzollern e das classes então no poder. Eles igualmente
necessitavam que alguém pagasse pela guerra, ou, então, iriam à bancarrota. Uma
paz sem vitória representaria não apenas o fim dos sonhos de domínio como,
ainda, requereria enormes taxas destinadas a pagar os anos de conflito que nada
haviam produzido em matéria de receita. Seria a revolução, em suma. Para o
trono, a casta militar, os grandes proprietários de terras, industriais e
barões do comércio, somente uma guerra com lucros permitia esperança de
sobrevivência no poder.
A
decisão foi adotada numa conferência entre Kaiser, Alto-Comando e chanceler,
aos 9 de janeiro de 1917. O chefe do Estado-Maior Naval, Almirante von
Holtzendorff, apresentou uma compilação com 200 páginas contendo estatísticas
da tonelagem que entrava em portos britânicos, taxas de frete, espaços
destinados às cargas, sistemas de racionamento, preços dos alimentos,
comparações das colheitas dos últimos anos, e detalhes outros que iam até o
consumo de calorias no breakfast dos ingleses; jurou que seus submarinos
poderiam afundar 600 mil toneladas mensais, forçando assim a Inglaterra a
capitular antes da próxima colheita. Disse ser essa a última oportunidade da
Alemanha e não poderia vislumbrar outra maneira de vencer a guerra “de forma a
garantir nosso futuro como potência mundial
Bethmann
falou durante uma hora; ordenou todos os argumentos já expendidos por
conselheiros que haviam advertido representar a eventual participação dos
Estados Unidos como beligerante adverso a derrota da Alemanha. Cenhos franzidos
e murmúrios incessantes em volta da mesa acolhiam suas palavras. Ele sabia que
a Marinha, por sua conta e risco, já havia despachado os submarinos. Lentamente
foi fazendo concessões. Sim, na verdade, um número maior de submarinos oferecia
maiores possibilidades de sucesso do que anteriormente. . Sim, a última
colheita tinha sido deficiente para os aliados... Por outro lado, a América. .
O
Marechal-de-Campo von Hindenburg interrompeu-o para afirmar que o Exército
cuidaria da América”, enquanto von Holtzendorff ofereceu sua
“garantia”
de que “nenhum americano pisará no continente!” O melancólico chanceler acabou
por render-se. “Ë óbvio”, disse, “que se o sucesso nos acena devemos seguir em
frente”.
Ele
não se demitiu. Um oficial que o encontrou mais tarde afundado em sua poltrona,
olhar perdido no vácuo, indagou, alarmado, se tivera más notícias da frente.
“Não”, respondeu-lhe Bethmann, “penso apenas no... jinis Germaniae’.
Nove
meses antes, numa crise anterior sobre a guerra submarina, Kurt Riezler,
assistente de Bethmann designado para atuar no Estado-Maior, chegara a
veredito similar quando escreveu em seu diário a entrada relativa ao dia 24 de
abril de 1916: “A Alemanha é como uma pessoa petrificada à beira do abismo, mas
desejando ardentemente jogar-se em suas profundezas.”
Os
fatos concordaram com o prognóstico. Embora os afundamentos de navios tenham-se
constituído em terrível experiência antes que o sistema de comboios viesse a
funcionar, os britânicos, revigorados pela declaração de guerra dos
americanos, não capitularam. A despeito da garantia de von Holtzendorff, dois
milhões de soldados dos Estados Unidos finalmente chegaram à Europa e, nos
oito meses seguintes à primeira ofensiva dessas tropas, a Alemanha rendeu-se.
Havia
alternativa? Considerando-se a insistência na vitória e a recusa em admitir a
realidade, provavelmente não. Todavia, um melhor curso poderia ter sido obtido
caso aceita a proposta de Wilson, sabido de antemão que ela chegaria a ponto
morto. Isso teria evitado ou certamente atrasado a adição do poderio americano
ao do inimigo. Sem o concurso da América os aliados não teriam marchado para a
vitória que, da mesma forma, estava além das possibilidades da Alemanha. Assim,
ambos os lados teriam chegado a uma paz de exaustão mais ou menos igual. Para o
mundo, as conseqüências dessa alternativa desprezada representariam funda
alteração na História. Sem vencedor, reparações de guerra, sentimentos de
culpa, sem Hitler e possivelmente sem Segunda Guerra Mundial.
Como
acontece com tantas alternativas, entretanto, essa era psicologicamente
impossível. O caráter é o destino, como os gregos acreditavam. Os alemães
estavam doutrinados para vencer objetivos mediante emprego de força, mas
despreparados para ajustamentos. Eles não saberiam voltar atrás, olvidando seus
sonhos de grandeza mesmo ao risco da derrota. O abismo imaginado por Riezler
define-os perfeitamente.
Em
1941 o Japão enfrentou decisão semelhante. Seu plano de império, denominado
Esfera de Co-prosperidade da Grande Ásia Oriental, que trazia em seu cerne a
subjugação da China, correspondia à visão de um governo japonês alongando-se
desde a Manchúria e através das Filipinas, Índias Holandesas, Malásia, Sião,
Burma, até (e algumas vezes inclusive, dependendo da discrição do porta-voz)
Austrália, Nova Zelândia e India. O apetite nipônico funcionava na razão
inversa de seu tamanho. A fim de mover as forças indispensáveis a tão vasto
empreendimento, tornava-se-lhes essencial o acesso às fontes de ferro, petróleo,
borracha, arroz e outras matérias-primas, em quantidades muito superiores às
suas reservas. O momento chegou quando irrompeu a guerra européia e as
potências coloniais do Ocidente, maiores oponentes japonesas na área, lutavam
pela sobrevivência ou já se encontravam liquidadas — a França derrotada, a
Holanda invadida, embora mantendo um governo no exílio, a Inglaterra devastada
pela Luftwaffe e dispondo de apoucados meios para ações no outro lado do mundo.
A
pedra no caminho dos japoneses eram os Estados Unidos que de forma persistente
se recusavam a reconhecer suas progressivas conquistas na China e mostravam-se
cada vez menos dispostos a fornecer materiais destinados a facilitar novas
aventuras nipônicas. As atrocidades na China, o ataque à canhoneira Panay, de
bandeira norte-americana, além de outras provocações, eram dados que pesavam na
opinião pública da América. Em 1940 o Japão concluiu o tratado Tripartite,
tornando-se membro dos poderes do Eixo, e entrou na Indochina francesa quando a
França sucumbiu na Europa. Os Estados Unidos, em represália, congelaram os
ativos japoneses no país e embargaram as vendas de refugos de ferro, petróleo
e gasolina para aviação. Prolongadas negociações diplomáticas durante 1940 e
1941, no esforço de ser encontrado terreno para entendimento, resultaram em
água de barrela. A despeito de sua vocação isolacionista, a América não
concordava com o controle japonês sobre a China, enquanto o Japão não aceitava
limitações ali ou restrições a sua liberdade de agir onde bem lhe aprouvesse no
território asiático.
Líderes
japoneses responsáveis, bem distintos dos militares extremistas e dos
politiqueiros inflamados, não desejavam conflito aberto com os Estados Unidos.
Queriam, apenas, manter os americanos aquiescentes, enquanto progrediam na
conquista do império oriental. Acreditavam possível tal coisa com a
intimidação implícita em uma aliança com o Eixo. Quando tais métodos pareceram
tornar ainda mais áspera a não-concordância norte-americana, os japoneses,
após análise perfunctória, ficaram convencidos de que os Estados Unidos lhes
declarariam guerra na hipótese de se moverem rumo a seu primeiro objetivo,
representado pelos recursos vitais das índias Holandesas. Como obter uma coisa
sem provocar a outra, eis o grande dilema que os torturou durante 1940-1941.
Os estudos estratégicos
demonstravam que, a fim de dominar as índias e transportar suas
matérias-primas para o Japão, seria necessário proteger o flanco de qualquer
ameaça por ação naval dos Estados Unidos no sudoeste do Pacífico. O Almirante
Yamamoto, comandante-em-chefe da
arquiteto do ataque a Pearl Harbour, sabia perfeitamente que o Japão
não tinha qualquer possibilidade de vitória final sobre os Estados Unidos.
Chegou a dizer ao Premier Konoye: “Não guardo ilusão alguma para depois
de dois ou três anos de~ guerra
Entretanto, por julgar o ataque às índias Holandesas como uma espécie de
“antecipação do estado de guerra com a América”, seu plano era o de forçar o
destino, expulsando os Estados Unidos do meio do caminho mediante “um golpe
decisivo”. Então, uma vez conquistado o sudoeste asiático, poderiam dispor dos
recursos indispensáveis a uma guerra prolongada destinada a impor sua
hegemonia sobre a Esfera de Co-prosperidade. Sendo assim, propôs que o Japão
“atacasse duramente, com o objetivo de destruir a frota principal dos Estados
Unidos logo no começo da guerra, de tal modo que o moral do povo e da Marinha
norte-americana afundasse para não mais voltar à tona”. Essas curiosas
lucubrações partiam de um homem que não era estranho à maneira de ser dos
americanos, pois havia estudado em Harvard e servira como adido naval em
Washington.
O planejamento
para esse golpe de audácia suprema, visando a esmagar a frota americana do
Pacífico, em Pearl Harbour, começou em janeiro de 1941, enquanto a decisão
final continuava objeto de agônicas transações entre governo e forças armadas,
prolongadas durante o ano. Os advogados do ataque antecipado acreditavam, mas
não muito confiantemente, que isso faria com que os Estados Unidos perdessem
toda e qualquer possibilidade de interferência e, esperavam, os afastassem de
beligerâncias futuras, também. Mas e se tal não acontecesse, indagavam aqueles
que estavam em dúvida, o que deveriam contemplar, então? Argumentavam que o
Japão não tinha condições de vencer uma guerra prolongada contra os Estados
Unidos, que a vida do país estava sendo apostada como em um jogo de azar. Em
nenhum momento dessas discussões silenciaram as vozes admonitórias. O
primeiro-ministro, Príncipe Konoye, demitiu-se, comandantes mostravam-se
relutantes, conselheiros hesitavam, o imperador andava taciturno. Quando ele
perguntou se um ataque de surpresa significaria vitória tão expressiva como a
ocorrida em Porto Arthur, durante a guerra russo-japonesa, o Almirante Nagano,
chefe do Estado-Maior Naval replicou ser duvidoso que o Japão vencesse. (12
possível que, em se tratando de uma entrevista com o imperador, tais palavras
correspondessem a qualquer ato de modéstia ritual, mas em momento tão grave a etiqueta
provavelmente seria dispensada.)
Nessa
atmosfera de dúvidas assim nítidas, por que foi aprovado o risco extremo? Em
parte porque a exasperação resultante de haverem falhado todos os esforços que
buscavam intimidar levaram a um estado psicológico de tudo-ou-nada, com os
conseqúentes lamentos dos civis desesperançados aos militares, exatamente como
no caso de Bethmann. Além disso, as grandiosas expectativas dos poderes
fascistas, para quem nenhuma conquista se afigurava impossível, devem ser
tomadas em conta. O Japão, por seu turno, mobilizou um contingente militar de
terrível vitalidade e que iria, na verdade, obter triunfos extraordinários de
que são exemplos a tomada de Cingapura e o próprio ataque a Pearl Harbour,
levando os Estados Unidos às fronteiras do pânico. Fundamentalmente, o motivo
que induziu o Japão a correr tamanho risco foi o da escolha entre seguir avante
com seu projeto ou recolher-se ao statu quo, uma tônica em tudo contrária
ao desejo de todos, que ninguém tinha ânimo em defender. As pressões de seu
exército de agressão operando na China, juntamente com os agressores que tinham
ficado em casa, levaram o Japão a aspirar por um império impossível, idéia da
qual não mais se podia libertar. Tornara-se prisioneiro de ambições desmesuradas.
A
estratégia alternativa teria sido a de marchar contra as Índias Holandesas,
deixando os Estados Unidos intocados. Embora tal política criasse uma incógnita
à retaguarda, incógnitas são sempre preferíveis a inimigos certos, com
potencial imensamente superior àquele de que se dispõe.
Houve,
no caso, estranho erro de julgamento. Numa época em que ao menos metade dos
Estados Unidos era fortemente isolacionista, os japoneses adotaram a única
providência capaz de unir os americanos, motivando toda a nação para a guerra.
De tal sorte era a divisão na América, nos meses anteriores a Pearl Harbour,
que a renovação da lei relativa a um ano de serviço militar foi aprovada no
Congresso com maioria de apenas um voto. Um voto! A verdade é que o Japão
poderia ter tomado as índias Holandesas sem qualquer risco quanto à
beligerância dos americanos. Nenhum ataque ao império colonial holandês,
britânico ou dos franceses conduziria os Estados Unidos ao conflito armado.
O
ataque ao território dos Estados Unidos era, assim, justamente o único ato
capaz de se transformar em estopim. O Japão parece jamais ter considerado a
idéia de que uma agressão a Pearl Harbour não iria enfraquecer o moraX
do pa{s, 1de ocupação governou por meio de oficiais de ligação junto aos
ministros japoneses, em lugar de agir diretamente. O expurgo dos antigos
dirigentes fez aflorar novos homens, talvez não essencialmente diferentes de
seus predecessores, mas desejosos de acolher mudanças. Foram revistos os textos
dos livros escolares e a figura do imperador alterada, de modo a se transformar
em símbolo “nascido da vontade do povo, único senhor do poder soberano”.
Erros
foram cometidos, especialmente no tocante à política militar. A natureza
autoritária da sociedade japonesa retornou. Entretanto, no conjunto, o
resultado final foi benéfico em lugar de obra de vingança, e pode ser
apresentado como lembrete encorajador de que a sabedoria no governo é ainda uma
flecha que permanece, raramente usada, na aljava do ser humano.
A
mais rara das reviravoltas — a do governante que reconhece não estar sua
política servindo aos verdadeiros interesses e tem coragem para fazer uma
mudança de 180 graus — aconteceu ainda ontem, historicamente falando. Foi
quando o presidente Sadat abandonou a estéril inimizade com Israel e buscou,
desafiando afrontas e ameaças de países vizinhos, um relacionamento em outras
bases. Tanto em termos de risco como em vantagens isso representou um ato de
grandeza, e no momento em que substituiu por coragem e bom senso o estúpido negativismo
de idos anteriores, Sadat cresceu na História, uma figura solitária em nada
diminuída na subseqüente tragédia de seu assassinato.
As
páginas seguintes perseguem as trilhas de uma história mais familiar e
persistente, lamentavelmente, para a. Humanidade. Não é o resultado de uma
política o que permite julgá-la insensata. Todos os erros governamentais são
contrários aos próprios interesses, a longo prazo, mas podem, temporariamente,
fortalecer determinado regime. Só se qualificam como insensatez política
quando, de forma irrecusável, têm persistência maligna, provadamente inoperante
ou contraproducente. Parece-nos quase supérfluo aduzir que o presente ensaio se
inspira na ubiqüidade desse problema em ‘á. nossos dias.
Marinha
japonesa e arquiteto do ataque a Pearl Harbour, sabia perfeitamente que o
Japão não tinha qualquer possibilidade de vitória final sobre os Estados
Unidos. Chegou a dizer ao Premier Konoye: “Não guardo ilusão alguma
para depois de dois ou três anos de guerra
Entretanto, por julgar o ataque às índias Holandesas como uma espécie de
“antecipação do estado de guerra com a América”, seu plano era o de forçar o
destino, expulsando os Estados Unidos do meio do caminho mediante “um golpe
decisivo”. Então, uma vez conquistado o sudoeste asiático, poderiam dispor dos
recursos indispensáveis a uma guerra prolongada destinada a impor sua
hegemonia sobre a Esfera de Co-prosperidade. Sendo assim, propôs que o Japão
“atacasse duramente, com o objetivo de destruir a frota principal dos Estados
Unidos logo no começo da guerra, de tal modo que
o moral do povo e da Marinha norte-americana
afundasse para não mais voltar à tona”. Essas curiosas lucubrações partiam de
um homem que não era estranho à maneira de ser dos americanos, pois havia
estudado em Harvard e servira como adido naval em Washington.
O planejamento
para esse golpe de audácia suprema, visando a esmagar a frota americana do
Pacífico, em Pearl Harbour, começou em janeiro de 1941, enquanto a decisão final
continuava objeto de agônicas transações entre governo e forças armadas,
prolongadas durante o ano, Os advogados do ataque antecipado acreditavam, mas
não muito confiantemente, que isso faria com que os Estados Unidos perdessem
toda e qualquer possibilidade de interferência e, esperavam, os afastassem de
beligerâncias futuras, também. Mas e se tal não acontecesse, indagavam aqueles
que estavam em dúvida, o que deveriam contemplar, então? Argumentavam que o
Japão não tinha condições de vencer uma guerra prolongada contra os Estados
Unidos, que a vida do país estava sendo apostada como em um jogo de azar. Em
nenhum momento dessas discussões silenciaram as vozes admonitórias. O
primeiro-ministro, Príncipe Konoye, demitiu-se, comandantes mostravam-se relutantes,
conselheiros hesitavam, o imperador andava taciturno. Quando ele perguntou se
um ataque de surpresa significaria vitória tão expressiva como a ocorrida em
Porto Arthur, durante a guerra russo-japonesa, o Almirante Nagano, chefe do
Estado-Maior Naval replicou ser duvidoso que o Japão vencesse. (E possível que,
em se tratando de uma entrevista com o imperador, tais palavras
correspondessem a qualquer ato de modéstia ritual, mas em momento tão grave a
etiqueta provavelmente seria dispensada.)
Nessa
atmosfera de dúvidas assim nítidas, por que foi aprovado o risco extremo? Em
parte porque a exasperação resultante de haverem f alhado todos os esforços
que buscavam intimidar levaram a um estado psicológico de tudo-ou-nada, com os
conseqüentes lamentos dos civis desesperançados aos militares, exatamente como
no caso de Bethmann. Além disso, as grandiosas expectativas dos poderes
fascistas, para quem nenhuma conquista se afigurava impossível, devem ser
tomadas em conta. O Japão, por seu turno, mobilizou um contingente militar de
terrível vitalidade e que iria, na verdade, obter triunfos extraordinários de
que são exemplos a tomada de Cingapura e o próprio ataque a Pearl Harbour,
levando os Estados Unidos às fronteiras do pânico. Fundamentalmente, o motivo que
induziu o Japão a correr tamanho risco foi o da escolha entre seguir avante com
seu projeto ou recolher-se ao statu quo, uma tônica em tudo contrária
ao desejo de todos, que ninguém tinha ânimo em defender. As pressões de seu
exército de agressão operando na China, juntamente com os agressores que tinham
ficado em casa, levaram o Japão a aspirar por um império impossível,
idéia da qual não mais se podia libertar. Tornara-se prisioneiro de ambições
desmesuradas.
A
estratégia alternativa teria sido a de marchar contra as Índias Holandesas,
deixando os Estados Unidos intocados. Embora tal política criasse uma incógnita
à retaguarda, incógnitas são sempre preferíveis a inimigos certos, com
potencial imensamente superior àquele de que se dispõe.
Houve,
no caso, estranho erro de julgamento. Numa época em que ao menos metade dos
Estados Unidos era fortemente isolacionista, os japoneses adotaram a única
providência capaz de unir os americanos, motivando toda a nação para a guerra.
De tal sorte era a divisão na América, nos meses anteriores a Pearl Harbour,
que a renovação da lei relativa a um ano de serviço militar foi aprovada no
Congresso com maioria de apenas um voto. Um voto! A verdade é que o Japão
poderia ter tomado as índias Holandesas sem qualquer risco quanto à
beligerância dos americanos. Nenhum ataque ao império colonial holandês,
britânico ou dos franceses conduziria os Estados Unidos ao conflito armado.
O
ataque ao território dos Estados Unidos era, assim, justamente o único ato
capaz de se transformar em estopim. O Japão parece jamais ter considerado a
idéia de que uma agressão a Pearl Harbour não iria enfraquecer o moral do
país, ao contrário, uniria a nação para o combate. Tão curioso vácuo perceptivo
adveio daquilo que pode ser denominado ignorância cultural, componente
freqüente da insensatez política. (Presente, embora, em ambos os exemplos ora
tratados, no caso do Japão tornou-se crítico.) Julgando a América por seus
padrões, os japoneses assumiram que o governo americano teria condicões
de levar a nação à guerra tãó logo o desejasse, como seria possível no Japão, e
na realidade ocorreu. Por ignorância, equívoco ou imprudência desatada,
brindaram seu oponente com o único golpe capaz de levá-lo à guerra de forma
decidida e compacta.
Embora
o Japão estivesse apenas começando uma guerra, ainda não envolvido nela
profundamente, as demais circunstâncias eram espantosamente semelhantes às da
Alemanha nos idos de 1916-1917. Os dirigentes, em ambos os exemplos, jogaram a
vida da nação e de seu povo numa espécie de roleta que, a longo prazo, como
muitos deles bem sabiam, significava jogo seguramente perdido. O impulso que os
moveu emanava de incontroláveis sonhos de dominação, delírios de grandeza,
ganância.
Há
um princípio a emergir nos casos retromencionados — o de que a insensatez
política é filha do poder. Todos nós conhecemos, por infindáveis citações, o
dito de Lorde Acton: o poder corrompe. Mas nem todos percebem que o poder
alimenta a insensatez, que o poder de mando freqüentemente faz o pensamento
falhar, que a responsabilidade no poder muitas vezes esmaece proporcionalmente
ao seu exercício. A responsabilidade preponderante no poder é a de governar
tão razoavelmente quanto possível, em benefício do Estado e seus cidadãos.
Entre os deveres nesse processo estão o de conservar-se bem informado, coletar
essas informações, manter mente e julgamento abertos, resistir aos insidiosos
encantamentos da visão bitolada. Se a inteligência é arejada o suficiente para
perceber que determinada política, ao invés de satisfazer os interesses comunitários
torna-se danosa, se existe autoconfiança bastante para reconhecer tal coisa e
sabedoria capaz de reverter a situação, ter-se-á atingido um dos momentos
elevados na arte de governar.
A
política dos vencedores depois da Segunda Guerra Mundial, contrastando com a
do tratado de Versalhes e sua coorte de reparações, exigidas após a Primeira
Guerra, representa exemplo de aprendizado haurido na experiência e de prática
dessas lições em oportunidade que se não apresenta lá muito freqüentemente. A
ocupação do Japão, de acordo com uma política desenvolvida depois de efetivada
a vitória, delineou-se em Washington, foi aprovada pelos aliados e dirigida
pelos americanos; representou notável exercício de autolimitação por parte dos
vencedores, de inteligência política, reconstrução, mudanças positivas.
Manter-se o imperador à testa do Estado japonês preveniu o caos político,
criando bases de obediência ao exército de ocupação que se irradiavam de sua
pessoa, além de gerar um sentimento de concordância fluindo de maneira
extremamente dócil. Uma vez completados desarmamento, desmilítarização e
julgamento de criminosos de guerra, destinados a definir responsabilidades por
culpa, os objetivos se concentraram na democratização política e econômica, mediante
adoção de governo constitucional representativo, juntamente com desbaratamento
dos cartéis e efetivação da reforma agrária. O poderio das grandes empresas
industriais nipônicas provou ser intransigente, ao final, mas a democracia
política, normalmente impossível de obter-se através de decretos, conquistável
somente aos poucos no decorrer de arrastadas lutas seculares, acabou
transferida com sucesso e adotada completamente. O exército de ocupação
governou por meio de oficiais de ligação junto aos ministros japoneses, em
lugar de agir diretamente. O expurgo dos antigos dirigentes fez aflorar novos
homens, talvez não essencialmente diferentes de seus predecessores, mas
desejosos de acolher mudanças. Foram revistas os textos dos livros escolares e
a figura do imperador alterada, de modo a se transformar em símbolo “nascido da
vontade do povo, único senhor do poder soberano
Erros
foram cometidos, especialmente no tocante à política militar. A natureza
autoritária da sociedade japonesa retornou. Entretanto, no conjunto, o
resultado final foi benéfico em lugar de obra de vingança, e pode ser
apresentado como lembrete encorajador de que a sabedoria no governo é ainda uma
flecha que permanece, raramente usada, na aljava do ser humano.
A
mais rara das reviravoltas — a do governante que reconhece não estar sua
política servindo aos verdadeiros interesses e tem coragem para fazer uma
mudança de 180 graus — aconteceu ainda ontem, historicamente falando. Foi
quando o presidente Sadat abandonou a estéril inimizade com Israel e buscou,
desafiando afrontas e ameaças de países vizinhos, um relacionamento em outras
bases. Tanto em termos de risco como em vantagens isso representou um ato de
grandeza, e no momento em que substituiu por coragem e bom senso o estúpido
negativismo de idas anteriores, Sadat cresceu na História, uma figura solitária
em nada diminuída na subseqüente tragédia de seu assassinato.
As páginas seguintes perseguem as
trilhas de uma história mais familiar e persistente, lamentavelmente, para a
Humanidade. Não é o resultado de uma política o que permite julgá-la insensata.
Todos os erros governamentais são contrários aos próprios interesses, a longo
prazo, mas podem. temporariamente, fortalecer determinado regime. Só se qualificam
como insensatez política quando, de forma irrecusável, têm persistência
maligna, provadamente inoperante ou contraproducente. Parece-nos quase
supérfluo aduzir que o presente ensaio se inspira na ubiqüidade desse problema
em nossos dias.



Muito interessante e retrata fatos que realmente servem de lição, para quem quer ser aprendiz o que não é o caso de nossos políticos que preferem usar o método de gestão por tentativa e erro, principalmente porque não fez nenhuma força para que os recursos estivessem à disposição, uma vez que o estado é uma empresa improdutiva. Infelizmente é assim que sucede e sucedeu com nossos governantes.
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