quarta-feira, 1 de março de 2017

COLUNISTA VIP:

Carnaval, cinzas e protestos
Carlos Albán González
A imprensa de Salvador vestiu a fantasia e entrou alegremente no Carnaval da cidade, promovendo as mesmas figuras  carimbadas, repetindo o que escreveram ou exibiram pelas  TVs nos anos anteriores. Como sempre, a mídia deu preferência ao circuito Dodô (Ondina-Barra), onde bandas que desfilam e camarotes luxuosos recebem um público selecionado, que se sente incomodado, algumas vezes, por teimosos "pipocas". Os organizadores dos festejos ainda não entenderam que Salvador perdeu o título de "melhor Carnaval de rua do país". Cariocas e paulistanos encontraram a fórmula de promover uma festa mais participativa, reduzindo os custos e levando milhões de foliões a cantar as marchinhas e sambas antigos, atraindo os turistas que, no passado, iam à capital baiana.

O escândalo do “Petrolão” obrigou a Petrobras a suspender o repasse de verbas para os blocos; governo e prefeitura também reduziram a ajuda que davam às entidades carnavalescas. A crise econômica porque passa o país reflete, salvo para poucos carnavalescos (artistas e empresários) privilegiados, na festa de Salvador, mantida financeiramente, praticamente, com o dinheiro das cervejarias.

A crise tirou dos circuitos os blocos “Nana Banana”, “Araketu” e “Cheiro de Amor”; foliões com maior poder aquisitivo, que pagam caro por um abadá (as vendas tiveram uma queda acentuada), a fim de poder brincar com segurança, protegidos por “cordeiros” mal remunerados, surpresos e constrangidos, viram este ano seu espaço, sem cordas, ser ocupado, pelo plebeu da periferia da cidade.

O soteropolitano mais atento observou que o governador e o prefeito de Salvador não entoaram a mesma canção. A “guerra fria” que eles vêm travando há meses adquiriu novas estratégicas “bélicas” nos dias da folia. Não foi uma batalha de confetes, serpentinas e lança-perfume, que, no passado, coloriam as festas de salão dos clubes Fantoches da Euterpe, Cruz Vermelha, Inocentes em Progresso e Espanhol. Rui Costa preferiu o camarote do Campo Grande, enquanto ACM Neto passeou pelos camarotes da Avenida Oceânica.


Nessa disputa por mais visibilidade perante os eleitores visando às eleições de 2018 ocorreu neste Carnaval um lance pitoresco: a prefeitura apreendeu um carregamento que se destinava ao camarote do governo do Estado. Não se tratava de armas de fogo e munição, como aqueles de espírito belicoso podem imaginar, mas de alguns engradados de uma determinada marca de cerveja, relacionada entre as proibidas de serem consumidas nos circuitos da folia. Após um "cessar fogo", a bebida foi liberada.

A política, aliada à censura, também se fez presente no Carnaval baiano. O cantor e vereador Kannário, em plena avenida, “abriu o bico” e revelou para os seus fãs e eleitores que há muitos desonestos entre os seus colegas do Legislativo municipal, e que muitos conchavos são feitos nos gabinetes do velho prédio da Praça Municipal. Na terça-feira da próxima semana, quando voltar ao "trabalho", Kannário vai ter que   revelar para os seus pares porque “desafinou” neste Carnaval.

Já o líder da banda BaianaSystem, Russo Passapusso, está ameaçado de punição, que vai desde a advertência à proibição de não desfilar em 2018, por ter infringido uma das cláusulas do Código de Ética, editado pelo Conselho Municipal do Carnaval (Comcar). O “Fora, Temer”, apoiado pelo cantor na Avenida Oceânica, pode ser classificado como um ato de caráter político, segundo Pedro Costa, presidente do Comcar, advertindo que também não são toleradas manifestações religiosas, racistas e homofóbicas. O elogio está liberado.

A cantora Preta Gil, filha do compositor Gilberto Gil, se declarou contra esse tipo de censura, revelando que iria incluir em seu repertório a música “Fricote”, de autoria do consagrado compositor Lamartine Babo (1904-1963), autor dos hinos dos grandes clubes do Rio. A marcha, que fez muito sucesso nos carnavais passados, faz referência às cabeleiras das afrodescendentes.

O que de mais positivo aconteceu neste Carnaval, até o momento em que escrevo estas linhas, foi a homenagem prestada aos 50 anos do nascimento da Tropicália, um movimento que mudou o cenário cultural brasileiro, passando através das canções uma mensagem codificada, dirigida a uma juventude que se opunha à ditadura. Estiveram no palco montado no Pelourinho, Caetano Veloso, Gilberto Gil e José Carlos Capinam, líderes tropicalistas. A Tropicália também foi lembrada pelo “Paraoano sai milho”, que há 53 anos atrai um público selecionado pelas ruas do Centro Histórico.
RIO
Saltando de Salvador para o Rio ressalto a participação de Ivete Sangalo no desfile da Escola de Samba Grande Rio, que levou ao Sambódromo o enredo “Ivete, do Rio ao Rio”. A baiana, sem dúvida, mostrou muita vitalidade e incendiou as arquibancadas. Participou, inicialmente, da Comissão de Frente, terminando o desfile, com ajuda de batedores e seguranças, num carro alegórico, ao lado do marido Daniel Cady e do filho Marcelo. Apesar de Ivete, acho difícil a Grande Rio obter uma boa colocação: o samba enredo diz muito pouco sobre a artista; os carnavalescos praticamente esqueceram o Velho Chico, a vinicultura da região do São Francisco e a figura do vaqueiro, elemento-símbolo da caatinga.
SÃO PAULO
Em São Paulo, sem o mesmo destaque que a imprensa deu a Ivete Sangalo, a “Vai-Vai” prestou homenagem a outra baiana. Com o enredo “No Xiré do Anhembi, a Oxum mais bonita surgiu – Menininha, mãe da Bahia – ialorixá do Brasil”, a agremiação contou a trajetória de vida de Maria Escolástica da Conceição Nazaré (1894 – 1986).
VITÓRIA DA CONQUISTA
Em Vitória da Conquista, o Carnaval Cultural, realizado na Praça da Bandeira, reacendeu o espírito alegre daqueles que não se ausentaram da cidade. O deputado Fabrício Falcão (PCdoB) ressalta a participação popular e revela que a festa foi financiada por uma estatal do estado. Já a Prefeitura local chama para si o sucesso do evento. 
SALVADOR
Lamentável o ato de violência praticado por diretores e seguranças do bloco "Cerveja & Cia", no circuito Barra-Ondina, contra a advogada conquistense Camila Nunes Silveira, que alimentava o desejo de brincar a folia em Salvador. Ela foi acusada pelos seus agressores de usar um abadá (custo de quase 700 reais) falsificado e obrigada a trocá-lo por uma camiseta de "cordeiro". Expulsa do bloco, sem nem ao menos poder falar com os amigos que lhe acompanhavam, Camila deu queixa numa delegacia policial e espera que os culpados sejam punidos.

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