Carnaval, cinzas e protestos
Carlos Albán González
A
imprensa de Salvador vestiu a fantasia e entrou alegremente no Carnaval
da cidade, promovendo as mesmas figuras carimbadas, repetindo o que
escreveram ou exibiram
pelas TVs nos anos anteriores. Como sempre, a mídia deu preferência ao
circuito Dodô (Ondina-Barra), onde bandas que desfilam e camarotes
luxuosos recebem um público selecionado, que se sente incomodado,
algumas vezes, por teimosos "pipocas". Os organizadores
dos festejos ainda não entenderam que Salvador perdeu o título de
"melhor Carnaval de rua do país". Cariocas e paulistanos encontraram a
fórmula de promover uma festa mais participativa, reduzindo os custos e
levando milhões de foliões a cantar as marchinhas
e sambas antigos, atraindo os turistas que, no passado, iam à capital
baiana.
O
escândalo do “Petrolão” obrigou a Petrobras a suspender o repasse de
verbas para os blocos; governo e prefeitura também reduziram a ajuda que
davam às entidades
carnavalescas. A crise econômica porque passa o país reflete, salvo
para poucos carnavalescos (artistas e empresários) privilegiados, na
festa de Salvador, mantida financeiramente, praticamente, com o dinheiro
das cervejarias.
A
crise tirou dos circuitos os blocos “Nana Banana”, “Araketu” e “Cheiro
de Amor”; foliões com maior poder aquisitivo, que pagam caro por um
abadá (as vendas tiveram
uma queda acentuada), a fim de poder brincar com segurança, protegidos
por “cordeiros” mal remunerados, surpresos e constrangidos, viram este
ano seu espaço, sem cordas, ser ocupado, pelo plebeu da periferia da
cidade.
O
soteropolitano mais atento observou que o governador e o prefeito de
Salvador não entoaram a mesma canção. A “guerra fria” que eles vêm
travando há meses adquiriu
novas estratégicas “bélicas” nos dias da folia. Não foi uma batalha de
confetes, serpentinas e lança-perfume, que, no passado, coloriam as
festas de salão dos clubes Fantoches da Euterpe, Cruz Vermelha,
Inocentes em Progresso e Espanhol. Rui Costa preferiu
o camarote do Campo Grande, enquanto ACM Neto passeou pelos camarotes
da Avenida Oceânica.
Nessa
disputa por mais visibilidade perante os eleitores visando às eleições
de 2018 ocorreu neste Carnaval um lance pitoresco: a prefeitura
apreendeu um carregamento
que se destinava ao camarote do governo do Estado. Não se tratava de
armas de fogo e munição, como aqueles de espírito belicoso podem
imaginar, mas de alguns engradados de uma determinada marca de cerveja,
relacionada entre as proibidas de serem consumidas
nos circuitos da folia. Após um "cessar fogo", a bebida foi liberada.
A
política, aliada à censura, também se fez presente no Carnaval baiano. O
cantor e vereador Kannário, em plena avenida, “abriu o bico” e revelou
para os seus fãs
e eleitores que há muitos desonestos entre os seus colegas do
Legislativo municipal, e que muitos conchavos são feitos nos gabinetes
do velho prédio da Praça Municipal. Na terça-feira da próxima semana,
quando voltar ao "trabalho", Kannário vai ter que revelar
para os seus pares porque “desafinou” neste Carnaval.
Já
o líder da banda BaianaSystem, Russo Passapusso, está ameaçado de
punição, que vai desde a advertência à proibição de não desfilar em
2018, por ter infringido
uma das cláusulas do Código de Ética, editado pelo Conselho Municipal
do Carnaval (Comcar). O “Fora, Temer”, apoiado pelo cantor na Avenida
Oceânica, pode ser classificado como um ato de caráter político, segundo
Pedro Costa, presidente do Comcar, advertindo
que também não são toleradas manifestações religiosas, racistas e
homofóbicas. O elogio está liberado.
A
cantora Preta Gil, filha do compositor Gilberto Gil, se declarou contra
esse tipo de censura, revelando que iria incluir em seu repertório a
música “Fricote”,
de autoria do consagrado compositor Lamartine Babo (1904-1963), autor
dos hinos dos grandes clubes do Rio. A marcha, que fez muito sucesso nos
carnavais passados, faz referência às cabeleiras das afrodescendentes.
O
que de mais positivo aconteceu neste Carnaval, até o momento em que
escrevo estas linhas, foi a homenagem prestada aos 50 anos do nascimento
da
Tropicália, um movimento que mudou o cenário cultural brasileiro,
passando através das canções uma mensagem codificada, dirigida a uma
juventude que se opunha à ditadura. Estiveram no palco montado no
Pelourinho, Caetano Veloso, Gilberto Gil e José Carlos
Capinam, líderes tropicalistas. A Tropicália também foi lembrada pelo
“Paraoano sai milho”, que há 53 anos atrai um público selecionado pelas
ruas do Centro Histórico.
RIO
Saltando
de Salvador para o Rio ressalto a participação de Ivete Sangalo no
desfile da Escola de Samba Grande Rio, que levou ao Sambódromo o enredo
“Ivete, do Rio ao Rio”. A baiana, sem dúvida, mostrou muita vitalidade e
incendiou as arquibancadas. Participou, inicialmente, da Comissão de
Frente, terminando o desfile, com ajuda de batedores e seguranças, num
carro alegórico, ao lado do marido Daniel Cady
e do filho Marcelo. Apesar de Ivete, acho difícil a Grande Rio obter
uma boa colocação: o samba enredo diz muito pouco sobre a artista; os
carnavalescos praticamente esqueceram o Velho Chico, a vinicultura da
região do São Francisco e a figura do vaqueiro,
elemento-símbolo da caatinga.
SÃO PAULO
Em
São Paulo, sem o mesmo destaque que a imprensa deu a Ivete Sangalo, a
“Vai-Vai” prestou homenagem a outra baiana. Com o enredo “No Xiré do
Anhembi,
a Oxum mais bonita surgiu – Menininha, mãe da Bahia – ialorixá do
Brasil”, a agremiação contou a trajetória de vida de Maria Escolástica
da Conceição Nazaré (1894 – 1986).
VITÓRIA DA CONQUISTA
Em
Vitória da Conquista, o Carnaval Cultural, realizado na Praça da
Bandeira, reacendeu o espírito alegre daqueles que não se ausentaram da
cidade.
O deputado Fabrício Falcão (PCdoB) ressalta a participação popular e
revela que a festa foi financiada por uma estatal do estado. Já a
Prefeitura local chama para si o sucesso do evento.
SALVADOR
Lamentável o ato de
violência praticado por diretores e seguranças do
bloco "Cerveja & Cia", no circuito Barra-Ondina, contra a advogada
conquistense Camila Nunes Silveira, que alimentava o desejo de brincar a
folia em Salvador. Ela foi acusada pelos seus agressores de usar um
abadá (custo de quase 700 reais) falsificado e obrigada
a trocá-lo por uma camiseta de "cordeiro". Expulsa do bloco, sem nem ao
menos poder falar com os amigos que lhe acompanhavam, Camila deu queixa
numa delegacia policial e espera que os culpados sejam punidos.
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