sábado, 4 de fevereiro de 2017

COLUNISTA VIP:



Macho é macho
Nando da Costa Lima
Zé Capa Preta, apesar de ser muito temido na cidade por só andar de preto, chapéu, bota revólver 38 (que ninguém nunca viu), etc.; naquele dia chegou faltando o fôlego na delegacia. Um aperto daquele deixava qualquer um apavorado, aquilo nunca nem passou pela cabeça dele. É o seguinte: Renatão Capitão tinha esse apelido por ter participado da 2ª Guerra, voltou como herói mas perdeu um olho e ficou com o outro variado devido à explosão de uma granada, só não morreu porque era um gigante de quase dois metros de altura. Doido ele sempre foi, mas a família falava que ele agia com violência de vez em quando por causa da guerra. A cidade a que me refiro tinha pouco mais de dois mil habitantes, sendo a grande maioria homens que trabalhavam numa mina vizinha. De solteira só tinha a enfermeira Maristela e a viúva Filomena. Maristela ninguém nem notava, mas a viúva era de fechar o tempo, apesar de quarenta e poucos anos, estava enxuta. Mas ela era irredutível, dava bola pra todo mundo mas na hora H se lembrava do falecido e saía de baixo. Foi ela a culpada da quase desgraça que ia acontecer com o pistoleiro mais conhecido da terra na imaginação dos moradores da cidade.
Aconteceu que Renatão Capitão tava matando cachorro a grito, tinha mais de dois anos que não dava uma. Começou a beber desde cedo, aquela senhora assanhada já tava tirando ele do sério. Das vinte vezes que ele chegou a se aproximar dela, nenhuma deu certo. E da última vez ela chegou a ofender o herói de guerra o chamando de Galo Cego Doido. O "Galo Cego" ele nem se importou, mas chamar um cabo reformado e herói de guerra de "Doido" machucou muito o coração de Renatão. Ele não queria só se vingar,tinha certeza que depois de ficar pelado e fazer uma pose de Mister América com aquele corpo musculoso ela (a viúva) não iria resistir. Segundo ele, era um mestre, uma máquina de fazer amor...
E perdido em pensamentos enquanto secava o litro de conhaque,só passava pela cabeça a paixão contida. E foi nessa que Zéquase dança, a noite já tinha caído e Renatão completamente embriagado acabou confundindo o pistoleiro com a viúva. O fato só não se consumou porque Capa Preta, além de ser um homem forte, corria mais que veado caatingueiro.Se não fosse isso a coisa tinha ficado feia... Daí o motivo dele chegar tão avexado na delegacia, tava tão nervoso que não falava coisa com coisa, o delegado não entendia nada que ele dizia, foi o jeito dar um tiro pra cima. Aí então ele se acalmou e contou tudo pro delegado:
-Dotô, aquele taradão que vocês falam que é herói de guerra me cercou no mercadão querendo me beijar, é por isto é que eu estou tão nervoso. Só não matei porque é herói de guerra.
O delegado argumentou sabendo que com doido tem que ter jeito:
-Mas pra quê tanto nervoso, ele não conseguiu nada, eu tô vendo que o senhor tá inteiro. Isto é coisa de bebum sem o que fazer. Dá cadeia.
Zé Capa Preta ficou pasmado com o argumento do delegado, um homem da lei tratar um caso de tentativa de estupro com se fosse uma ocorrência comum. O dotô pra acalmar o cidadão disse que aquilo não era nada, Renatão era neurótico de guerra, era melhor relevar... Querendo ou não era considerado um herói pra cidade.
- Pior foi com aquele técnico em enfermagem que tem mania de cirurgião e só anda todo de branco e com a indumentária de quem vai operar alguém. Não foi à toa que Renatão Capitão confundiu ele com a enfermeira Maristela Cancão. Só que o enfermeiro é um homem civilizado, nem veio aqui dar queixa, e ainda por cima mandou um dentista consertar os dentes do meliante. Homem que é homem age assim, se fosse mau caráter falava pra cidade toda... Mas macho que é macho aguenta desaforo calado. E quando perguntei por que ele mesmo sendo atacado ainda mandou tratar os dentes de Renatão, respondeu sem perder a classe: "Com a minha experiência, eu senti pelo bafo no cangote que aquele cidadão não tinha um dente que não estivesse estragado. E eu como um homem ligado à saúde não podia deixar um herói de guerra naquele estado..."
-Espera aí dotô, a última guerra que o Brasil participou foi a  2ª Guerra, este homem não tem nem 40 anos...
-Zé, Zé,é melhor o senhor ficar calado. Homofobia é um problema sério. Até fazer humor hoje em dia é politicamente incorreto.                                                                                                         

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