quinta-feira, 3 de novembro de 2016

COLUNISTA VIP:

A Lava Jato vai entrar em campo
Carlos Albán González

Política e esporte no Brasil vestem a mesma camisa e jogam no imbatível time dos escândalos financeiros, batizado com o nome de Corrupção, dirigido por cidadãos sem escrúpulos e patrocinado por empresários excessivamente  ambiciosos e por órgãos estatais.   O Ministério Público Federal (MPF), ainda com uma certa timidez, através da Operação Lava Jato, tem feito bloqueio de bens, apreensão de documentos, oferecido denúncias e efetuado prisões. As ações, longe de atender ao desejo dos brasileiros, tem se restringido a empreiteiros, ex-diretores da Petrobras, doleiro, publicitários e políticos sem mandato.
 
“Olheiros” têm observando que existe uma movimentação  na Lava Jato, uma espécie de “aquecimento”,  para entrar em campo. O futebol, mais particularmente a Arena Itaquera, de propriedade do Corinthians, seria inicialmente o alvo da operação, que, no futuro, poderia se estender aos órgãos diretivos do esporte (CBF, Comitê Olímpico Brasileiro (COB), confederações ditas amadoristas, federações estaduais e ligas do interior dos estados).
 
Todos devem estar lembrados que a justiça norte-americana deu um passo importante, promovendo uma devassa na FIFA, com ramificações que se estenderam  até a Uefa e Conmebol, entidades diretivas do futebol na Europa e América do Sul. O ex-presidente da CBF, José Maria Marin está sob custódia num apartamento em Nova Iorque, e o seu substituto, Marco Polo del Nero tem receio de ser preso ao cruzar uma das nossas fronteiras.
 
O MPF , a Polícia Federal (PF) e o Tribunal de Contas da União (TCU) procuram desde março respostas sobre a construção do Itaquerão, mas não conseguem avançar pela falta de documentos sobre os gastos excessivos com a obra. A Odebrecht foi contratada pelo Corinthians em 2011 para erguer o estádio, palco da abertura da Copa do Mundo de 2014, obtendo junto ao BNDES um empréstimo de R$ 400 milhões. O restante (R$ 420 milhões) seria coberto pela prefeitura de São Paulo, através de emissão de Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento (CIDs), questionada pela assessoria jurídica do município.
 
A Odebrecht, mesmo sem os R$ 420 milhões, deu continuidade à construção do estádio, motivo de reclamação dos dirigentes corintianos, sob alegação de que alguns anexos não foram concluídos, inclusive parte das arquibancadas.  Foi ai que a Caixa Econômica entrou no negócio, repassando para a empreiteira o restante dos recursos. Marcelo Odebrecht, então presidente da companhia, que se encontra preso em Curitiba, atuou pessoalmente junto à CEF. O Corinthians ficou obrigado a quitar o empréstimo, com parcelas mensais de R$ 5,7 milhões. O pagamento foi interrompido em março. O clube alegou que as rendas das bilheterias caíram. A dívida a ser paga até 2028 deve passar de R$ 1,64 bilhão, dinheiro suficiente para se erguer três estádios de médio porte.
 
Presente para Lula
 
Em acordo de delação, Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, declarou que a arena foi um presente ao fanático torcedor, sócio benemérito e conselheiro vitalício do clube, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em retribuição a uma suposta ajuda que a empresa recebeu nos dois primeiros mandatos do governo petista (2003 a 2011), aumentando seu faturamento de R$ 17,3 bilhões para R$ 132 bilhões.
 
Os acordos e negociatas envolvendo o Itaquerão preencheriam um livro com mais de 250 páginas. A novela, que começou em 2010, ainda durante o Mundial da África do Sul, teve como principais personagens, o ex-presidente Lula e seu ministro de Esporte, Orlando Silva; Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo; os ex-presidentes da CBF e do Corinthians, Ricardo Teixeira e Andrés Sanchez; e Emílio e Marcelo Odebrecht. A obra, em novembro de 2010, foi orçada em R$ 300 milhões, reajustada três anos depois para R$ 820 milhões. No final, o presente do corintiano nº 1 saiu por R$ 1,2 bilhão, “assustando” os órgãos fiscalizadores. O Corinthians chegou a contratar uma auditoria.
 
A paixão clubista de alguns, aliada ao lucro fácil calculado por outros, pesou na construção do Itaquerão. Depois que o Morumbi foi vetado pela Fifa, Lula viu a oportunidade de dar um estádio para seu clube de coração (ele nunca revelou para que time torce em Pernambuco. Deve ser o Íbis); o prefeito Kassab, hoje no Ministério de Temer, doou o terreno e concedeu uma isenção fiscal, em torno de R$ 420 milhões; Sanchez, um ex-feirante em Campinas, tornou realidade o sonho de entrar para a política, elegendo-se deputado federal pelo PT de São Paulo; o baiano Orlando Silva também conseguiu uma cadeira no Congresso, concorrendo pelo PCdoB paulista; a Odebrecht “tocou” o gigantesco empreendimento. A proposta de reformar o Pacaembu, estádio que pertence ao município, foi descartada por Lula: “Tem que ser em Itaquera”. Para atender a uma das exigências da Fifa (capacidade de 62 mil pessoas), a arena recebeu um “poleiro”  de circo mambembe no jogo de abertura do Mundial, Brasil x Croácia, realizado em 12 de junho de 2014.
 
Os torcedores do São Paulo tem o Lula “atravessado na garganta”. Apesar de reiteradas negativas, eles não têm dúvida de que o presidente da nação em 2010 influiu na decisão da Fifa em vetar o Morumbi para os jogos da Copa de 2014. Moderno, palco de grandes eventos esportivos e culturais, com capacidade para 80 mil espectadores, o Morumbi está situado num dos bairros mais valorizados da capital paulista, com imensa facilidade de acesso. Do outro lado da cidade, na zona leste, Itaquera era uma região vista como inóspita.
 
 Numa entrevista concedida ao “Estadão”, Andrés Sanchez admitiu que o “fantasma” da Lava Jato está incomodando, “pois todas as obras da construtora estão sendo questionadas. Temos uma auditoria para ver a parte financeira, mas é óbvio que a operação atrapalha, porque ficam falando que o Itaquerão vai entrar nisso. O Corinthians é vítima e vai correr atrás dos seus direitos.
Eu não tenho medo da Lava Jato, porque não roubei e nem sei de ninguém que tivesse roubado no estádio”. Sanchez foi irônico quando  perguntado sobre o presente dado por Odebrecht a Lula, e, obviamente ao Corinthians: “A intenção foi boa, mas quem vai pagar a conta somos nós”.  
 
Torcida reincidente
 
A numerosa torcida do Corinthians, que tem se deslocado, mesmo com sacrifício, até Itaquera, para prestigiar os jogos do seu time, acaba de sofrer nova punição por parte do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). O presidente do órgão, Ronaldo Placente, deferiu liminar proibindo, por tempo indeterminado, a presença das torcidas organizadas nos estádios, além de ter interditado o setor norte do Itaquerão. Ele se fundamentou nas imagens de cenas de selvageria, inclusive com agressões a policiais, por ocasião do jogo contra o Flamengo, pelo Campeonato Brasileiro, realizado no Maracanã.
 
Como se fossem amotinados vigiados pela polícia no pátio de um presídio, os corintianos foram obrigados a permanecerem sentados, sem camisa, num dos setores do Maracanã, por mais de três horas. Os 31 identificados como líderes da rebelião estão detidos num complexo penitenciário, no Rio. Alguns deles já têm passagem por delegacias policiais.
 
As autoridades policiais não encontraram entre os detidos nenhum dos 12 corintianos acusados pela morte do boliviano Kevin Espada, de 14 anos, vítima de um sinalizador durante um jogo pela Copa Libertadores, na cidade de Oruro, em 20 de fevereiro de 2013. Libertados sete meses depois, após longa negociação, que envolveu políticos e diplomatas brasileiros, foram recebidos festivamente no aeroporto de São Paulo pelos seus companheiros da “Gaviões da Fiel”. Helder Alves Martins confessou que foi o autor do disparo, mas nunca foi punido, e hoje é um dos diretores da organizada. O processo foi arquivado pela justiça brasileira em agosto de 2013.
 
Barradão
 
“Pense num absurdo, na Bahia tem precedente”. Frequentemente usada, a frase dita pelo eminente baiano Octavio Mangabeira (1886-1960), de certa forma serve de analogia em torno da construção dos estádios do Corinthians e do Vitoria. Ambos se beneficiaram de recursos públicos.
 
O Estádio Manoel Barradas, de propriedade do Vitória, com capacidade para 35 mil pessoas, foi inaugurado em 11 de novembro de 1986. O terreno, doado pelo então prefeito de Salvador, Clériston Andrade, no bairro de Canabrava, ficava sobre um aterro sanitário.
 
A construção foi financiada pelo governo do estado. Atendendo a um pedido do seu sogro, Manoel Barradas, conselheiro do Vitoria, o então governador João Durval Carneiro se responsabilizou pela obra, que também contou com a ajuda do prefeito Renan Baleeiro, sucessor de Clériston. Nos anos que se seguiram, as administrações municipais urbanizaram a região, abrindo avenidas e retirando o lixão.
 
Num recente encontro com jornalistas, o ex-presidente do Vitória e hoje dirigindo a Liga do Nordeste, Alexi Portella, reclamou que os governos da Bahia e de Salvador “sempre foram pródigos na ajuda ao nosso rival”. A declaração provocou revolta no seio da torcida do Bahia.

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