A Lava Jato vai entrar em campo
Carlos Albán González
Política
e esporte no Brasil vestem a mesma camisa e jogam no imbatível time dos
escândalos financeiros, batizado com o nome de Corrupção, dirigido por
cidadãos sem escrúpulos e patrocinado
por empresários excessivamente ambiciosos e por órgãos estatais. O
Ministério Público Federal (MPF), ainda com uma certa timidez, através
da Operação Lava Jato, tem feito bloqueio de bens, apreensão de
documentos, oferecido denúncias e efetuado prisões.
As ações, longe de atender ao desejo dos brasileiros, tem se
restringido a empreiteiros, ex-diretores da Petrobras, doleiro,
publicitários e políticos sem mandato.
“Olheiros”
têm observando que existe uma movimentação na Lava Jato, uma espécie
de “aquecimento”, para entrar em campo. O futebol, mais particularmente
a Arena Itaquera, de propriedade
do Corinthians, seria inicialmente o alvo da operação, que, no futuro,
poderia se estender aos órgãos diretivos do esporte (CBF, Comitê
Olímpico Brasileiro (COB), confederações ditas amadoristas, federações
estaduais e ligas do interior dos estados).
Todos
devem estar lembrados que a justiça norte-americana deu um passo
importante, promovendo uma devassa na FIFA, com ramificações que se
estenderam até a Uefa e Conmebol, entidades
diretivas do futebol na Europa e América do Sul. O ex-presidente da
CBF, José Maria Marin está sob custódia num apartamento em Nova Iorque, e
o seu substituto, Marco Polo del Nero tem receio de ser preso ao cruzar
uma das nossas fronteiras.
O
MPF , a Polícia Federal (PF) e o Tribunal de Contas da União (TCU)
procuram desde março respostas sobre a construção do Itaquerão, mas não
conseguem avançar pela falta de documentos
sobre os gastos excessivos com a obra. A Odebrecht foi contratada pelo
Corinthians em 2011 para erguer o estádio, palco da abertura da Copa do
Mundo de 2014, obtendo junto ao BNDES um empréstimo de R$ 400 milhões. O
restante (R$ 420 milhões) seria coberto
pela prefeitura de São Paulo, através de emissão de Certificados de
Incentivo ao Desenvolvimento (CIDs), questionada pela assessoria
jurídica do município.
A
Odebrecht, mesmo sem os R$ 420 milhões, deu continuidade à construção
do estádio, motivo de reclamação dos dirigentes corintianos, sob
alegação de que alguns anexos não foram concluídos,
inclusive parte das arquibancadas. Foi ai que a Caixa Econômica entrou
no negócio, repassando para a empreiteira o restante dos recursos.
Marcelo Odebrecht, então presidente da companhia, que se encontra preso
em Curitiba, atuou pessoalmente junto à CEF.
O Corinthians ficou obrigado a quitar o empréstimo, com parcelas
mensais de R$ 5,7 milhões. O pagamento foi interrompido em março. O
clube alegou que as rendas das bilheterias caíram. A dívida a ser paga
até 2028 deve passar de R$ 1,64 bilhão, dinheiro suficiente
para se erguer três estádios de médio porte.
Presente para Lula
Em
acordo de delação, Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, declarou que a
arena foi um presente ao fanático torcedor, sócio benemérito e
conselheiro vitalício do clube, o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, em retribuição a uma suposta ajuda que a empresa
recebeu nos dois primeiros mandatos do governo petista (2003 a 2011),
aumentando seu faturamento de R$ 17,3 bilhões para R$ 132 bilhões.
Os
acordos e negociatas envolvendo o Itaquerão preencheriam um livro com
mais de 250 páginas. A novela, que começou em 2010, ainda durante o
Mundial da África do Sul, teve como principais
personagens, o ex-presidente Lula e seu ministro de Esporte, Orlando
Silva; Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo; os ex-presidentes da
CBF e do Corinthians, Ricardo Teixeira e Andrés Sanchez; e Emílio e
Marcelo Odebrecht. A obra, em novembro de 2010,
foi orçada em R$ 300 milhões, reajustada três anos depois para R$ 820
milhões. No final, o presente do corintiano nº 1 saiu por R$ 1,2 bilhão,
“assustando” os órgãos fiscalizadores. O Corinthians chegou a contratar
uma auditoria.
A
paixão clubista de alguns, aliada ao lucro fácil calculado por outros,
pesou na construção do Itaquerão. Depois que o Morumbi foi vetado pela
Fifa, Lula viu a oportunidade de dar um
estádio para seu clube de coração (ele nunca revelou para que time
torce em Pernambuco. Deve ser o Íbis); o prefeito Kassab, hoje no
Ministério de Temer, doou o terreno e concedeu uma isenção fiscal, em
torno de R$ 420 milhões; Sanchez, um ex-feirante em Campinas,
tornou realidade o sonho de entrar para a política, elegendo-se
deputado federal pelo PT de São Paulo; o baiano Orlando Silva também
conseguiu uma cadeira no Congresso, concorrendo pelo PCdoB paulista; a
Odebrecht “tocou” o gigantesco empreendimento. A proposta
de reformar o Pacaembu, estádio que pertence ao município, foi
descartada por Lula: “Tem que ser em Itaquera”. Para atender a uma das
exigências da Fifa (capacidade de 62 mil pessoas), a arena recebeu um
“poleiro” de circo mambembe no jogo de abertura do
Mundial, Brasil x Croácia, realizado em 12 de junho de 2014.
Os
torcedores do São Paulo tem o Lula “atravessado na garganta”. Apesar de
reiteradas negativas, eles não têm dúvida de que o presidente da nação
em 2010 influiu na decisão da Fifa em
vetar o Morumbi para os jogos da Copa de 2014. Moderno, palco de
grandes eventos esportivos e culturais, com capacidade para 80 mil
espectadores, o Morumbi está situado num dos bairros mais valorizados da
capital paulista, com imensa facilidade de acesso.
Do outro lado da cidade, na zona leste, Itaquera era uma região vista
como inóspita.
Numa
entrevista concedida ao “Estadão”, Andrés Sanchez admitiu que o
“fantasma” da Lava Jato está incomodando, “pois todas as obras da
construtora estão sendo questionadas. Temos uma
auditoria para ver a parte financeira, mas é óbvio que a operação
atrapalha, porque ficam falando que o Itaquerão vai entrar nisso. O
Corinthians é vítima e vai correr atrás dos seus direitos.
Eu
não tenho medo da Lava Jato, porque não roubei e nem sei de ninguém que
tivesse roubado no estádio”. Sanchez foi irônico quando perguntado
sobre o presente dado por Odebrecht a Lula,
e, obviamente ao Corinthians: “A intenção foi boa, mas quem vai pagar a
conta somos nós”.
Torcida reincidente
A
numerosa torcida do Corinthians, que tem se deslocado, mesmo com
sacrifício, até Itaquera, para prestigiar os jogos do seu time, acaba de
sofrer nova punição por parte do Superior Tribunal
de Justiça Desportiva (STJD). O presidente do órgão, Ronaldo Placente,
deferiu liminar proibindo, por tempo indeterminado, a presença das
torcidas organizadas nos estádios, além de ter interditado o setor norte
do Itaquerão. Ele se fundamentou nas imagens
de cenas de selvageria, inclusive com agressões a policiais, por
ocasião do jogo contra o Flamengo, pelo Campeonato Brasileiro, realizado
no Maracanã.
Como
se fossem amotinados vigiados pela polícia no pátio de um presídio, os
corintianos foram obrigados a permanecerem sentados, sem camisa, num dos
setores do Maracanã, por mais de três
horas. Os 31 identificados como líderes da rebelião estão detidos num
complexo penitenciário, no Rio. Alguns deles já têm passagem por
delegacias policiais.
As
autoridades policiais não encontraram entre os detidos nenhum dos 12
corintianos acusados pela morte do boliviano Kevin Espada, de 14 anos,
vítima de um sinalizador durante um jogo
pela Copa Libertadores, na cidade de Oruro, em 20 de fevereiro de 2013.
Libertados sete meses depois, após longa negociação, que envolveu
políticos e diplomatas brasileiros, foram recebidos festivamente no
aeroporto de São Paulo pelos seus companheiros da
“Gaviões da Fiel”. Helder Alves Martins confessou que foi o autor do
disparo, mas nunca foi punido, e hoje é um dos diretores da organizada. O
processo foi arquivado pela justiça brasileira em agosto de 2013.
Barradão
“Pense
num absurdo, na Bahia tem precedente”. Frequentemente usada, a frase
dita pelo eminente baiano Octavio Mangabeira (1886-1960), de certa forma
serve de analogia em torno da construção
dos estádios do Corinthians e do Vitoria. Ambos se beneficiaram de
recursos públicos.
O
Estádio Manoel Barradas, de propriedade do Vitória, com capacidade para
35 mil pessoas, foi inaugurado em 11 de novembro de 1986. O terreno,
doado pelo então prefeito de Salvador, Clériston
Andrade, no bairro de Canabrava, ficava sobre um aterro sanitário.
A
construção foi financiada pelo governo do estado. Atendendo a um pedido
do seu sogro, Manoel Barradas, conselheiro do Vitoria, o então
governador João Durval Carneiro se responsabilizou
pela obra, que também contou com a ajuda do prefeito Renan Baleeiro,
sucessor de Clériston. Nos anos que se seguiram, as administrações
municipais urbanizaram a região, abrindo avenidas e retirando o lixão.
Num
recente encontro com jornalistas, o ex-presidente do Vitória e hoje
dirigindo a Liga do Nordeste, Alexi Portella, reclamou que os governos
da Bahia e de Salvador “sempre foram pródigos
na ajuda ao nosso rival”. A declaração provocou revolta no seio da
torcida do Bahia.
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