O CURIÓ FALADOR
Nando da Costa Lima
Os
pássaros, apesar de engaiolados, estavam eufóricos. É que depois de uma reunião
muito concorrida, eles decidiram ter um diálogo com o dono. A reunião foi para
decidir quem seria o porta-voz do grupo. Depois de muita disputa, ficaram pro
segundo turno o belga e o curió. Com a onda de nacionalismo da Nova República,
o curió venceu quase que unanimemente, só teve um voto em branco, o do
representante dos pardais. Estes, por terem origem chinesa, só votariam num
pássaro que fosse vermelho, como não havia nenhum candidato dessa cor, eles
optaram pelo voto em branco.
Ficou
certo que no dia seguinte ocorreria o dialogo. Tava decidido, ou o dono
aceitava as reivindicações dos pássaros ou eles entravam em greve e ninguém
cantaria nem comeria até a morte. Na hora que o criador chegou pra dar comida,
por coincidência, a primeira gaiola que ele pegou foi a do curió. O passarinho
foi direto ao assunto: “Moço, o senhor notou que esta manhã ninguém aqui
cantou?”. O homem, apesar de assustado, perguntou: ”Eu tô ficando doido ou você
falou comigo?”. O curió explicou toda a situação e o criador pegou a gaiola e
levou para um lugar onde ninguém pudesse vê-los, não ficaria bem o povo da casa
ver ele conversando com um passarinho, e logo um curió, iriam pensar que ele
estava “caducando”. Se fosse arara, menos mau. Quando ele se certificou de que
não tinha ninguém olhando, perguntou:
- Por que você escolheu logo a mim pra dar esse susto?
- Porque o senhor é o único que, mesmo sabendo que uma
gaiola para pássaro é como uma prisão para o homem, faz de tudo para nos manter
alegres através da alimentação. Mas isso de nada adianta. Como exemplo eu cito
a minha espécie: por sermos bons cantores, o homem nos valoriza muito, e apesar
do esforço pra nos manter em cativeiro, nós estamos em extinção! E não são só
bons cantores que sofrem a perseguição do homem. O Sr. vê pardais, por não
saberem cantar, vivem em total liberdade e se reproduzem aos milhares. Vocês
homens acham que os pardais viraram “praga”, e eles são perseguidos por isso.
O homem
ainda assustado com o argumento do passarinho continuou a conversa:
- Mas vocês não estão gostando do tratamento? Aqui vocês
nunca são maltratados e comem todos os dias.
- Eu sei aqui nós jamais morreremos de fome, mas queremos é
viver no nosso habitat natural. Voar pra nossa região de origem. A liberdade é
necessária a todo ser vivo!
- Mas se eu soltá-los vocês não terão mais condições de
sobrevivência. Além do mais, a liberdade é uma utopia.
- Isso nós saberemos se o senhor nos soltar, concorda?
O
criador caiu na conversa do criador e soltou todos os pássaros. Todos
dirigiram-se para suas regiões de origem. O homem, apesar de sentir falta do
canto, estava satisfeito. Não iria dormir sossegado com aqueles passarinhos
engaiolados. O curió tinha feito sua cabeça!
Passaram-se
os dias, numa certa manhã ele acordou com um canto do curió, correu até a
gaiola e viu que ele tinha voltado. Pegou o passarinho e foi pra um lugar
afastado, estava curioso. Por que ele voltou? Antes de perguntar, o curió abriu
o verbo:
- Nós saímos daqui com tudo que mais desejávamos: liberdade.
Mas depois dessa aventura eu cortei essa palavra do meu dicionário.
- Mas para quê tanta amargura, onde estão os outros
pássaros?
- Os amigos que voaram para o Sul e Centro Oeste acharam os
campos tão poluídos que nada podiam comer, morreram todos de fome. OS que foram
pro Norte acharam as matas destruídas pelas queimadas, também morreram de fome.
Os meus amigos nordestinos, como sempre, são os que mais sofrem, morreram de
fome e de sede. Eu, quando soube dessa notícia por intermédio de um urubu,
voltei. Não adianta poder voar se não temos pra onde ir, a liberdade
desorganizada é a pior das prisões!
O dono
do curió quando escutou aquela conversa de intelectual de palanque, ficou
curioso e indagou:
- Curió, esses dias que você ficou fora, por que além de
engordar você voltou tão politizado?
- É que eu voei pro comitê de um candidato a presidente, ali
eu vi fartura!
- Deve ter sido um comitê de extrema esquerda. Você tá mais
pessimista que sociólogo na época da ditadura. Qual foi mesmo o comitê?
- Não me lembro, nesse tempo de eleição ficam todos iguais.
Viram socialistas voltados aos problemas do povo, todos pregam o mesmo sermão.
- Mas se há tanta fartura, por que você voltou?
- É que aqui eu não preciso suportar aquela prosa ruim todo
santo dia. Eu já tava até apreensivo, não fica bem o rei canoros com fama de
prosa ruim.
O
homem ficou tão entusiasmado com a história do passarinho que partiu alegre em
busca de liberdade e voltou amargurado e politizado que reuniu a família e
contou tudo o que se passou entre ele e o curió. Até hoje tá internado. O curió
permaneceu na casa, mas vive de bico fechado, morre de medo de falar alguma
coisa e o pessoal internar ele também.
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