Jeremias Macário - Foto – José C. D´Almeida
A ingratidão de uma mãe
para com seu filho que sempre reconheceu e engrandeceu suas origens é
imperdoável perante a sociedade e aos olhos de outros mais distantes da sua
terra, ou até diante de um tribunal de julgamento. Esta ingratidão está por ser
materializada através de uma placa de “VENDE-SE” afixada na casa onde nasceu e
morou até os nove anos o cineasta conquistense baiano Glauber Rocha, um dos
ícones do Cinema Novo no Brasil.
Logo ao amanhecer da última segunda-feira,
após as eleições de domingo (dia02/10), os conquistenses foram surpreendidos
com o aviso comercial imobiliário, mas de imediato um coletivo de resistência
glauberiana, formado por cinéfilos, intelectuais, escritores, professores e
estudantes, reagiu e decidiu fazer nesta semana uma representação junto ao
Ministério Público Estadual em defesa do tombamento da casa, situada na rua
Dois de Julho, de modo a impedir a demolição ou descaracterização da sua
arquitetura original. A placa foi retirada, mas a ameaça continua.
Vitória da Conquista, a terra-mãe de um dos
precursores do Cinema Novo não pode se comportar como ingrata e não preservar a
casa do seu filho, que corre o risco de ser definitivamente apagada da memória
do seu povo pelo dragão imobiliário que não respeita a história. Ainda bem que
o coletivo de resistência está denunciando a trama de venda do imóvel que tem
valor histórico e cultural, além de ser um dos últimos casarões ainda existentes
em área central valorizada, mas no olho do furacão dos construtores.
Como dona Lúcia Rocha, a mãe coragem que
durante sua vida (faleceu em 2014) reuniu mais de 100 mil documentos sobre seu
filho e criou o “Tempo Glauber” com muito sacrifício, Vitória da Conquista tem
que seguir seu exemplo e reunir forças para preservar sua memória. A casa,
cujos donos estariam pedindo mais de três milhões de reais, já deveria ter sido
desapropriada pelo poder público, mas, infelizmente, há muito tempo o Conselho
Municipal de Cultura não funciona.
Descrever sobre a obra do polêmico Glauber
Rocha, que nasceu em 1939 e morreu em 1981, é até repetitivo, mas não custa
nada citar seu trabalho reconhecido mundialmente. O longa metragem “Barravento”
(1961/62), idealizado por Luiz Paulino dos Santos, marcou o início da sua
carreira, se bem que já havia colaborado com o curta “Um Dia na Rampa”, em
1956. Em 1959, enfim, fez os curtas “O Pátio” e “Cruz na Praça”.
Não tardaria muito e aos 25 anos foi
consagrado no Festival de Cannes com o filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol”,
em 1964. “Terra em Transe” veio em 1967 e o “Dragão da Maldade contra o Santo
Guerreiro” no ano seguinte. Por este filme foi novamente aclamado em Cannes
(1969) como melhor diretor.
Só aí ele já havia chamado à atenção do mundo
do cinema, mas Glauber era um eterno inquieto e foi por sua conta para África
(Congo) fazer “O Leão de Sete Cabeças”, em 1970, onde retratou a miséria
deixada pelo colonialismo. No mesmo ano fez também “Cabeças Cortadas” sobre as
ditaduras na América Latina. Glauber ainda escreveu manifestos, como a
“Estética da Fome (1965) e a “Estética do Sonho” (1971).
Neste período, entre 1971 a 1974, realizou o
curta “História do Brasil” numa produção entre Cuba e Roma. Não contente,
dirigiu o polêmico “Idade da Terra” (1980) quando embarcou para a Itália, para
apresentar sua obra no Festival de Veneza (agosto), mas não foi compreendido.
Desgostoso e revoltado faleceu em 1981.
Para ver seu filho reconhecido, sua mãe foi à
luta e levou seu acervo de Salvador para o Museu da Imagem e do Som, no Rio de
Janeiro. Depois conseguiu com o Ministério da Cultura uma casa em Botafogo para
abrigar sua memória. Como aconteceu com outros artistas baianos, Glauber passou
a ser mais admirado no Rio de Janeiro.
Agora, a casa onde ele nasceu, em Vitória da
Conquista, está ameaçada de ser demolida pelo dragão imobiliário se a sociedade
não tomar providências para impedir a ação do capital que só visa o lucro. O
coletivo de resistência glauberiana está convocando toda comunidade para evitar
mais um atentado contra a nossa história cultural.
(macariojeremias@yahoo.com.br)
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