UMA DEMOCRACIA SEM OPOSIÇÃO
É UMA DEMOCRACIA AMEAÇADA DE MORTE
Jeremias Macário
Ainda nesta semana (quinta-feira - dia 13/10) me deparei com uma cena
em Vitória da Conquista de cortar o coração: Um senhor solitário de
certa idade erguia numa esquina da Avenida João Pessoa, em meio ao
trânsito agitado, um pedaço de papelão com dizeres onde rogava um
emprego para seus quatro filhos. Não era nem um cartaz feito numa
cartolina.
Este trecho de abertura do texto parece estar fora do
tema acima que proponho abordar em seguida, mas se olhar bem faz parte e
encaixa no contexto e na conjuntura atual que atravessa nosso país.
Confesso que a redação do artigo já estava pronta, mas entendi que o
homem do papelão, talvez encontrado na rua ou em algum lugar perdido no
cômodo da sua casa, merecia abrir meu comentário, e aqui vamos.
Como fica esta nossa democracia surrada e relativa sem uma oposição
forte ao governo federal que atraiu para seu alçapão os partidos
conservadores de direita que trazem no seu DNA o retrocesso contra as
parcas conquistas sociais? Sem uma esquerda de respeito que faça o
contraditório às ideias retrógradas, ela está ferida de morte.
Foi
neste estado enfraquecido e cambaleante que ela saiu das eleições
municipais do último dia 2 de outubro quando o PT foi esmagado por causa
dos seus equívocos e dos seus graves pecados capitais. Do erro de se
aliar a uma cambada fedorenta do passado mofado, o povo resolveu banir o
PT do mapa político, mas saiu como maior perdedor ao dar mais espaço
para o avanço da extrema direita, com uma democracia sem oposição.
Como assinalou o escritor Veríssimo, no voto de desprezo pela classe
política, o vencedor foi ninguém. “Ganharam força os evangélicos e os
bolsonaros”. Diria mais que o pleito elegeu pastores, bispos e papas da
direita enrustida. Segundo o escritor, “o que está no ar é mais que uma
revolta, é uma clara desesperança com o processo eleitoral e fastio com a
democracia”.
Sem uma polarização no campo das ideias, esta
democracia tende a se definhar, se curvar e a se enveredar para o
fascismo das falsas doutrinas de moralismo, principalmente num país de
baixo nível de instrução educacional, cultural e política. Há anos que
acompanho os profetas do fundamentalismo religioso inoculando seus vírus
em organismos socialmente e politicamente debilitados.
Como numa
lavagem cerebral, suas pregações insistentes floresceram, prosperaram e
terminaram por sair fortalecidas nas últimas eleições municipais, tanto
para os cargos no poder executivo das prefeituras como para as câmaras
de vereadores. Esta força não surgiu do acaso, de um simples sopro
divino do espaço, mas de um trabalho de convencimento num terreno minado
de incertezas e descrédito pelas falhas dos governos passados.
Não
se iludam! Toda esta engrenagem vem sendo montada de cima para baixo,
com astúcia e sagacidade. No início não se dava importância ao Baixo
Clero e até era motivo de chacota, mas ele foi se agigantando e tomando
seus pontos estratégicos no Congresso Nacional, como foi o caso do
Eduardo Cunha e sua tropa que permanece na ativa.
Das suas
minúsculas bancadas rurais, do boi, da bala e, sobretudo, dos
evangélicos, com os velhos slogans integralistas de família, pátria e
tradição com Deus, encrustados nos pequenos partidos, aproveitaram o
momento mais grave da nação para colocar suas unhas de fora. Eles são
filhos e uma mistura do tempo do Estado Novo getulista com a ditadura
civil militar de 1964.
Estes gaviões da moral estavam de olho em
suas presas para o momento certo do bote. O chão propício e fértil que
fez acelerar este crescimento foi justamente a estúpida crise política,
moral e ética que colocou o país de joelhos diante da real situação,
quando, então, o brasileiro perdeu sua autoestima e deixou de acreditar
de vez em suas instituições.
“O nós contra eles” encheu mais
ainda os corações de ódio e intolerância, e o eles embarcou de cabeça na
ideologia do bota fora. Pelo conjunto da sua obra, o impeachment de
Dilma foi o estopim de tudo. O nazismo fez prosperar seu nacionalismo
social exatamente pegando uma Alemanha falida e humilhada. No fascismo
italiano de Mussolini não foi diferente.
Hoje estes falsos profetas
da moral cristã estão por aí nas suas ruas, nos bairros, nas câmaras de
vereadores, nas assembleias estaduais e até no topo da pirâmide
governamental como líderes parlamentares, chefes de secretarias e de
ministérios. Este caminho da extrema direita vem sendo aplainado há anos
a partir da lacuna social deixada pelo Estado que jogou o cidadão para
escanteio, principalmente na área da educação.
O PT nasceu e
cresceu pregando seus princípios de ética, honestidade e valorização do
ser humano. Fez aguerrida oposição ao PSDB de Fernando Henrique Cardoso e
chegou ao poder. Para se perpetuar para sempre no governo fez alianças
que antes não concebia e seus ninjas se enrolaram nas armadilhas do
capital, achando possível assim distribuir a renda, desde que ficasse
com a maior parte dela. Acontece que a elite burguesa e financeira nunca
aceitou repartir seus lucros ou ter perdas.
A direita extremada e
fisiológica aproveitou o vácuo deixado pela monstruosidade da corrupção e
atraiu para si uma massa ferida pelos escândalos e pelos desmandos. Com
a crise econômica da inflação alta e o desemprego destruidor das
famílias, tornou-se mais fácil a adesão ideológica do bota fora.
Especialmente nestas horas, o pensar e o refletir político não são os
fortes.
As manifestações já apontavam suas lanças diretas para as
eleições municipais. Os sinais de aniquilamento do partido estavam
claros. Com o PMDB do mordomo Temer, o PSDB que era o oponente fraco do
PT, passou a ser situação, mas com seus dentes afiados nos cardeais de
amarelo e verde.
Enquanto na Europa fala-se no fim da austeridade
fiscal, mesmo com o crescimento dos partidos de direita do tipo Trump,
nos Estados Unidos, que rejeitam os imigrantes de guerras insanas
provocadas por eles mesmos, no Brasil de Temer o aperto só está
começando.
Como presente de grego, o povo ficou com um saco pesado
de partidos de variados blocos conservadores e uma democracia sem
oposição de credibilidade contra o governo vigente do PMDB que até há
pouco tempo era coligado do PT. O quê será dessa democracia, mais uma
vez em mãos de aventureiros inclinados à opressão, não somente das
liberdades? O quê restou disso tudo para nós mortais?
sexta-feira, 14 de outubro de 2016
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