Dio come ti amo
Nando da Costa Lima
Naquele ponto de ônibus, que ficava perto da mercearia em
frente ao buteco de João Galo Cego, passavam várias mulheres!... Mas só uma o
atraía, - aquela “dama de preto” era a única que dava evasão a imaginação do
tímido João, imaginava-a nos mínimos detalhes, também não era pra menos, tinha
mais de um ano que ele desejava aquela gatona e a timidez não permitia uma
aproximação, era uma tortura! O tempo passava e nada dele chegar junto, ficava
só imaginando como seria e isto o fazia perder horas trancado no banheiro do
buteco, chegou a perder metade da freguesia por causa desse hábito. Era daqueles
que tinha vergonha até da sombra e além de ser quase cego não passava sem uma
cachaça, depois de meio dia João só enxergava o vulto! Talvez aquela mulher
“nem fosse essas coisas toda”, mas o tempo que ele já havia dedicado aquela
musa que o deixava pisando nas nuvens, não permitia retorno. Tava pra gastar a
“sanfona” de tanto tocar ”Deus Como Te Amo” na hora que “pantera de preto” ia
esperar o ônibus, era de meio dia a uma hora que ele fazia mil viagens no corpo
do amor platônico, conhecia a anatomia da musa como se a tivesse possuído.
Aquilo estava se tornando obsessão, mais de um ano naquela agonia; sem contar o
tempo que passava enfiado naquele banheiro.Se João não se manifestava, o amor
muito menos! “Devia ser tímida também”, imaginava ele... Depois de muito pensar
chegou a conclusão que tinha de agir rapidamente, já estava beirando os
cinquentinha e aquela gata não ia ficar esperando pra sempre. Tinha que estudar
a maneira mais adequada de dar o bote naquela “pantera negra”, pelo jeitão
aquela mulher não podia ser tratada vulgarmente, tinha que ser amável, mas firme
como machão latino. Foram vários dias de ensaios diante o espelho até sentir
que estava no ponto de atacar..., comprou a roupa mais cara que encontrou para
realizar a aproximação com aquela “felina negra” que pôr charme não se separava
daquela sombrinha, era muito sexy!...
No dia escolhido
João estava uma pilha, teve que beber duas garrafas de Jurubeba Leão do Norte,
mas tava ciente do que devia fazer, era só se portar como um autêntico machão...
E foi assim que João fez, já chegou abrindo o jogo- “E ai vamos sair pra dar
umas voltas, almoçar e depois ver se a
gente se entende, nós podemos até ir no Cine Ritz assistir ‘Tarzan contra os Homem-Leopardo’, não é de hoje que lhe observo”. Quando a dama
virou-se os planos de João foram por água abaixo, é que só daquela distância
ele foi notar que a dama por ele idolatrada durante tanto tempo se tratava de
um padre... O velho vigário olhou para ele que ainda se encontrava em estado de
choque e disse compreensivamente- “Há mais de um ano que notava o senhor me
observando insistentemente na hora que eu ia pegar a condução pra casa, sabia
que era algum ateu discriminando esta minha velha mania de ainda usar batina,
fiz muitas orações para o senhor e ao que parece minhas preces foram atendidas.
É claro que vamos nos dar bem, o senhor pode considerar-se o mais novo fiel da
paróquia, realmente nunca é tarde... João estava tão embaraçado com aquela
situação que a única reação bater a mão na testa e pensar desorientado em voz
alta- “Quantas vezes eu me tranquei naquele banheiro apertado pra homenagear o
senhor, será que tem perdão pra isso??? E depois de se benzer como se tivesse
cometido um pecado gravíssimo, ajoelhou-se e disse de cabeça baixa olhando pra
mão direita- “Deus que me perdoe!”
Desse dia pra cá
JOÃO nunca mais tocou “DEUS COMO TE AMO” na sanfona!... Toda vez que pegava na
“oito baixo” um sacana perguntava se ele tava com saudade do vigário...
Nando
da Costa Lima
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