O Cervidae
Nando da Costa Lima

E foi na Câmara de Vereadores que se deu a discussão! Os prós e os
contras lotaram o lugar, o povo só vai lá quando sabe que algum canal de TV
está gravando. Mas como o tema era polêmico e havia chamado a atenção do país
para o festival (o que já foi bom para os organizadores), tava todo mundo lá.
Primeiro falou o advogado do secretário de cultura: “Eu não estou aqui para
discutir um problema de censura prévia, isto não aconteceu. O acusador foi
desclassificado apenas porque seu poema era bem inferior aos que foram pra
final”.
Nelival ficou retado com essa afirmativa, aquilo mexeu com sua cabeça.
Segundo ele, um poema é como um filho! E este “louvor” à natureza era um
presente que ele tinha dado pra humanidade. Ele escreveu elogiando um animal
que é quase um símbolo do nosso país continental. O veado é encontrado em todas
as regiões do Brasil. Ele só estava querendo alertar para a caça predatória que
põe tantas espécies em extinção, já sumiu quase tudo que merece proteção. Ele,
como naturalista, só desejava despertar a consciência das pessoas para
protegerem o meio-ambiente. Pra evitar dúvidas, decidiu ler o poema e deixar a
critério dos vereadores o julgamento. Meteu a mão no bolso e tirou um
manuscrito do poema tão polêmico. E fazendo cara de “poeta triste”, começou a
narrativa:
Das matas...
Na natureza os veados
só sofrem perseguição.
Quando não são os caçadores,
é a tal da evolução
O veado americano
é bem maior que os nosso.
Em qualquer lugar de lá
só se encontra veadão.
Já aqui tem veadinho,
veado médio e veadão.
Depende da região!
tem até veado anão.
No veado caatingueiro
o tamanho é reduzido
pela alimentação.
Já o veado mateiro
é maior do que o catingueiro,
mas perde pros do estrangeiro.
O veado se acostuma
a qualquer região,
por isso tem quem aposte
que nunca haverá extinção.
Pra proteger os veados
o IBAMA necessita
da sua compreensão.
Pare de comer veado!
Se quer carne, coma gado
dum açougue registrado
pra evitar complicação.
Como o bicho é silvestre,
se criado em cativeiro,
perde sua habilidade
de se defender dos homens
usando a vegetação.
Eles usam o habitat
como se fossem espiões.
Sua cor é um disfarce
pra enganar os caçadores
e se esconder do progresso
ou qualquer perseguição.
Nosso mundo tem veado,
veadinho e veadão.
Depois de
ouvir a defesa fervorosa de Nelival, o presidente da câmara, emocionadíssimo,
aproveitou e lançou uma campanha única no país, um exemplo para todos que amam
a natureza. Usou até um verso do poema pra encabeçar a iniciativa: “Pare de comer
veado. A natureza agradece”. A campanha não alcançou o objetivo, mas criou uma
polêmica tão grande que o vereador já está pensando como um futuro deputado.
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