“E A BÍBLIA TINHA RAZÃO” (I)
Jeremias Macário
Pela metade do século XIX e início do século
XX, principalmente, arqueólogos, pesquisadores e historiadores franceses,
alemães, norte-americanos e ingleses realizaram com maior intensidade
escavações nas regiões da Mesopotâmia (Fértil Crescente dos rios Tigre e
Eufrates), na Terra Santa (Israel e Palestina), junto ao Nilo, no Egito, nas
margens do Mar Morto e do Mediterrâneo, e até na Síria, que depois vieram
comprovar lugares, fatos e acontecimentos citados pela Bíblia, o Livro dos
Livros, hoje traduzido por cerca de 1.200 línguas.
Mais tarde, reunindo todos estes achados e
descobertas científicas, o historiador Werner Keller, num árduo trabalho de estudo,
publicou, em 1955, a primeira edição de “E A Bíblia Tinha Razão”, revisada em
1978 por Joachim Rehork. Em março de 1981 saiu a 11ª edição com quase 400
páginas, repletas de ilustrações, fotos e mapas dessas antigas civilizações e dos
grandes patriarcas, desde Abraão.
Li a obra sem pressa, mesmo porque é um
assunto que muito me interessa e me deixa fascinado. Diante de todas as ocorrências
ao longo dos séculos, o autor procura defender sua teoria de que a Bíblia tinha
mesmo razão, apesar de deixar muitas dúvidas pelo caminho. Senti muito forte o
cheiro da fé religiosa em suas convicções.
Porém, na minha leitura, o “Livro dos Livros”
se apropriou de muitas lendas, mitologias de deidades sumérias e babilônicas,
de fenômenos da natureza e fatos reais contados por aquelas tribos primitivas,
para transformá-los em milagres de Deus e assim reforçar e fortalecer sua
existência de uma divindade única perante o povo hebreu de Moisés que
“caminhava perdido” pelo deserto.
Alguns povos antigos, como os babilônios,
adotavam um deus supremo (Marduck) que comandava todos os outros. No
cristianismo e no judaísmo, especialmente, existe um só Deus, mas na evolução
do catolicismo foram criados outros deuses, os santos diversos, aos quais os
fiéis recorrem quando deles necessitam para ampará-los nos momentos
difíceis.
O dilúvio narrado pela mitologia suméria há
4.000 anos a.C. que inundou a Mesopotâmia, pelas indicações científicas, foi a
passagem de tufões, ou furacões pela região com tempestades e chuvas
torrenciais nunca vistos. A história é citada no livro de Federico Arborio
Mella em “Dos Sumérios a Babel” através das 12 tabuinhas cuneiformes durante a epopeia
do rei Guilgamech, da cidade de Uruk.
Diz a mitologia que Enqui, o deus do Abismo,
convidou Utnapichtim a construir uma embarcação capaz de carregar a semente da
vida de cada espécie. “Construa rápido o barco e leve-o no mar de águas doces,
carregando-o com o que for necessário”. Depois da tormenta de doze horas duplas,
vi despontar no horizonte uma ilha. Minha nau ficou encalhada sobre o monte
Nissir durante seis dias. No sétimo, tomei uma pomba e deixei-a partir... –
conta Utnapichtim que, como sobrevivente, ganhou a imortalidade.
Relata Federico Mella que a introdução do
episódio do dilúvio universal na Bíblia é muito tardia e data da segunda metade
do século V a.C., mesmo que a tradição oral hebraica afunda suas raízes num
passado remoto. Diz mais ainda que nas compilações anteriores do Gênese, o protagonista,
que tomará o posto de Utnapichtim com o nome de Noé, figura somente como o
inventor do vinho.
Mais de 2.000 mil anos depois o líder Moisés
libertava seu povo escravo das mãos do Faraó, do Egito, e vagava pelo deserto
numa estratégia militar sua e de seu general Josué para chegar até a Terra
Prometida. No percurso encontrou vários obstáculos, como a passagem pelo Mar
Vermelho (dizem que foi pelo Mar dos Juncos), a falta de água e de comida.
Conforme explica o próprio autor de “e a
Bíblia tinha razão”, Moisés era um exímio conhecedor daquele deserto e sabia
muito bem como sobreviver, pois foi um exilado fugitivo naquela região entre
tribos diversas depois de ter matado o capataz do Faraó, para defender seu
povo.
Moisés era um líder político bem intencionado
e não podia falhar em sua missão, mesmo porque aqueles mais de seis mil
seguidores já estavam revoltados e desesperados. A água que jorrou da pedra, o
maná dos céus, as perdizes que caíram no deserto eram e ainda são fenômenos
naturais.
As pesquisas geológicas, arqueológicas e
científicas constataram que bastava bater forte com um tronco ou pá num lugar
certo da pedra calcária para encontrar água. O maná doce como mel é uma
cochonilha com formações vítreas claras, que surge dentro da neve num galho de
tamargueira no período do inverno. As
perdizes fugiam do verão quente do Egito em direção à Palestina e terminavam
caiando no deserto devido ao cansaço.
A sarça ardente que não se consome, não passa
de um arbusto rasteiro alaranjado que fica debaixo de uma planta, encontrado no
Monte Sinai, e fica todo avermelhado quando exposto ao sol. O ditos “milagres”
do maná, da água e das perdizes evocados por Moisés tinham mais a força de
acalmar seu povo e uni-lo em torno de um Deus único, como forma de renegar os
deuses adorados do Egito. Era também uma maneira de impor sua moral.
Essa
simbologia divina única, pintada com temor, autoridade punitiva e de pai
vingativo, era necessária para que não houvesse divisões. Moisés, que nunca
falou diretamente com Deus, temia fracassar em sua missão libertária.
Como os outros povos antigos ancestrais, o
Código de Hamurabi, as leis de Nabucodonosor e de outros tantos reis, Moisés também
criou os dez mandamentos com leis específicas de Deus, que tinham que ser
obedecidas. Sem uma legislação, tudo terminaria em degeneração e Moisés
perderia o total controle da situação.
No posfácio da nova edição revista do livro
“e a Bíblia tinha razão”, Joachim Rehork destaca que a questão de os fatos
relatados pelo Livro estarem certos ou errados é de importância secundaria.
Para cientistas, teólogos, historiadores e arqueólogos, a Bíblia encerra uma
mensagem religiosa.
No entanto, Joachim diz que os pesquisadores
tiveram que quebrar a cabeça para esclarecer inúmeros paradoxos, contradições e
repetições nos textos bíblicos, como os dois relatos da Criação, uma que aponta
que Deus criou o homem em último lugar e o segundo que o homem foi criado em
primeiro lugar. Deus fez o homem como “varão e fêmea”, ou formou o homem do
“barro da terra” e, posteriormente, da costela do homem formou o Senhor Deus
uma mulher?
O nome do sogro de Moisés aparece em três
versões. Uma vez é dado como Jetro, em outra como Raguel e, por fim, como
Hobab. Como Moisés podia descrever a própria morte? Será que os primeiros cinco
livros da Bíblia eram realmente da autoria de Moisés, visto que neles se fala
da sua própria morte?
A história de Moisés ainda bebê salvo num
cesto no rio Nilo bate com a do rei Sargão em anos bem mais distantes do
nascimento do profeta. Quanto a José, filho de Jacó, que depois de ter sido
abandonado pelos irmãos foi parar no Egito e lá se tornou grão-vizir
(vice-governador) do Faraó, os historiadores são enfáticos em afirmar ser impossível.
Segundo eles, os faraós detestavam as tribos nômades da Palestina e nunca iria
promover um deles a fazer parte do reino como espécie de primeiro ministro.
Para o caso, existe outra versão de que
existiu um José bem antes que chegou a ser vizir do Faraó, ou que o José
descendente de Abraão tenha sido vice-governador do Egito quando este país
sofreu uma invasão estrangeira vinda lá da Síria.
De qualquer forma, os textos bíblicos
evoluíram, em sua maior parte, entre o século VI a.C e o século I d. C, quando
se constituíram na obra total, conhecida como Bíblia - conforme nos atesta
Joachim, acrescentando que levou séculos para que a coletânea fosse compilada e
codificada.
A Bíblia “encerra elementos dos gêneros
literários mais diversos, desde o tratado edificante até o romance policial, do
sermão até o texto jurídico, do hino litúrgico à canção de amor, da
historiografia à novela, e tampouco nela faltam lendas, anedotas e contos
populares”.
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