ASSIM SÃO OS “DEUSES” INTOCÁVEIS
Jeremias Macário
“Quem não pode atacar o argumento ataca o
argumentador” – Paul Valéry
Existe maior ironia, contradição e paradoxo
do que um deputado, senador ou magistrado da República maltratada criticar o
Executivo e cobrar dele corte de gastos públicos para reduzir o déficit fiscal
do país? Não existe mais vergonha. Está rindo do quê, aí? Cá, estou deprimido.
Mesmo contra toda ira do povo, esses
“deuses” intocáveis continuam mantendo suas benesses e mordomias e fazendo
reformas políticas capengas, arrancando mais de quatro bilhões de reais da
nação para financiar suas campanhas.
Confesso que não me apetece mais falar deste
assunto porque me dá náuseas, mas a revolta é maior e supera a escolha. Entre
os povos antigos da Mesopotâmia (Assírios e Babilônios), Celtas, Cartagena,
Maias e outros, quando as coisas não iam bem, a colheita era fraca e sofriam
derrotas nas guerras, os sumos sacerdotes sacrificavam animais e seres humanos
nos templos para aplacar a ira dos seus deuses. Eram rituais macabros.
Mesmo
com realidades e tempos totalmente diferentes, aqui no Brasil o povo continua
sendo convocado aos altares dos sacrifícios para derramar seu sangue como se tivesse
praticado alguma heresia ou pecado contra os “deuses”, barões, coronéis e reis governantes
que regem os destinos do país.
Dos seus olimpos dos prazeres e das orgias
eles mandam raios e tempestades, mas a população está irada e não suporta mais
tantas imolações de inocentes. Este jogo pode virar e os “deuses” serem
eliminados e esquecidos para sempre.
Como se fossem “deuses” intocáveis, o
Congresso Nacional, Judiciário e outras classes privilegiadas, como os
militares, sempre ficam fora dos cortes de despesas públicas. Eles esbanjam, e
os súditos cobrem os rombos com suas próprias vidas.
O Executivo não toca nesta casta porque dela
é refém para o “toma lá dá cá” bem escancarado. O mercado financeiro, as
grandes fortunas e os supersalários são outros “deuses” intocáveis a quem o
povo faz sacrifícios de morte.
Esses deuses deviam, pelo menos, se calar
para não provocar mais raiva. Agora mesmo, o mordomo-chefe e sua cúpula, depois
de saírem por aí distribuindo emendas parlamentares, num montante de oito
bilhões de reais, e cargos para pagar votos em suas defesas, impõem severos cortes
aos empregados do seu poder, deixando, como sempre, o Legislativo e o
Judiciário de fora. Estão sendo negados os serviços necessários e mais
urgentes, como nas áreas da saúde, educação e segurança.
Das medidas insignificantes para cobrir o
rombo nos cofres públicos de cerca de 160 bilhões de reais, nenhuma atinge os
“deuses” intocáveis. O negócio é ir empurrando com a barriga e todo corpo para
o próximo aventureiro que vier. O futuro será ainda mais ingrato e tenebroso.
Quem viver verá a bagaceira!
Vamos ao pacote da montanha que pariu um rato:
- Elevação da alíquota previdenciária dos atuais 11% para 14% para os
servidores do Executivo que recebem acima de 5,3 mil reais por mês;
- Congelamento por 12
meses do reajuste dos servidores, excluindo aí os militares;
- Extinção de 60 mil
cargos de confiança do executivo federal (dizem que já estão desocupados. Não
dá para acreditar);
- Redução dos salários
iniciais de todas as categorias do serviço público;
- Implantação do teto
(furado) remuneratório do serviço público (atual de 33,7 mil reais por mês);
- Congelamento do
reajuste para cargos e comissões do poder executivo;
- E redução da ajuda de
custo a servidores no caso de transferência e auxílio-moradia.
Os “deuses” intocáveis continuam,
entretanto, com seus auxílios-moradias, verbas indenizatórias, cobertura de
todas as despesas em viagens (refeições, hospedagem e outros custos até com
mulheres), gastos com veículos próprios, combustíveis e outros tantos
penduricalhos, benesses e mordomias.
Portanto, para não irritar mais ainda a
“gentalha” que fica aqui embaixo na sarjeta, esses “deuses” deviam se calar,
mas não, eles fustigam e instigam mais ainda a todos nós simples mortais.
Como exemplo mais recente, vamos citar a
“reforma” política desbotada do Distritão e do Fundo bilionário de quase quatro
bilhões de reais, furtado do povo para financiar campanhas. Nosso inculto povo
nada entende de Distritão, Distritão Misto, de Distrital Misto e outras coisas
intricadas eleitorais.
Cadê que não derrubaram o voto obrigatório, o
foro privilegiado, o fim das coligações, das emendas parlamentares, da
reeleição eterna para deputados, senadores, vereadores, prefeitos, governadores
e presidentes, nem reduziram o número de parlamentares nos legislativos da
Câmara dos Deputados, do Senado (deveria ser extinto) e das Câmaras de
Vereadores?
Cadê que eles não proporam acabar com as
suplências de senadores que nunca receberam um voto sequer da população? Não
aprovam a extinção da figura dos vices que só servem para aumentar gastos? Não
acabam com mais da metade dos partidos, muitos dos quais “barrigas de aluguel”?
Não simplificam o sistema eleitoral vigente, acabando de vez com o voto
comprado?
Deveriam ter um gesto nobre de podar seus
tentáculos, mas isso é esperar demais de quem não tem pudor de manter uma
imagem negativa de falsos representantes de um povo que, a partir da crise de
2014, ficou mais pobre 22% no Brasil, segundo trabalho do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea). Mais de 4,1 milhões de brasileiros entraram na faixa
de pobreza entre 2014/15. Desses, 1,4 milhão voltaram para a extrema pobreza. É
o pior quadro social desde 2000.
Nada disso é do interesse dos “deuses”
intocáveis que querem se perpetuar no poder, exigindo dos sumos sacerdotes que
sacrifiquem, impiedosamente, mais seres humanos vivos em seus templos. Enquanto
isso, os pobres brasileiros, na mais profunda das suas desigualdades sociais,
têm que aturar e ouvir suas ironias e desfaçatezes, como se todos fossem
otários e burros.
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