Era um
rapaz de quarenta e tantos anos
Nando da Costa Lima
Médici
ainda era presidente... Estamos na pensão de Dona Gumercinda, que era madrinha
de Teodomiro. Este aproveitava o parentesco pra morar de graça em Salvador
sendo mais bem tratado do que os hóspedes que pagavam... Isto é, agora nem
tanto. É que o dito afilhado, há cinco anos e meio, passou no vestibular de direito.
Quando estava cursando o 1º período na Universidade Federal da Bahia, era
tratado como um príncipe, mas já tinha dado o tempo de ter virado advogado e
ele continuava lá, um eterno universitário revoltado com o sistema e sustentado
pela madrinha que agora já andava pegando no pé, achando erro em tudo que o
folgado do afilhado fazia. Mas não era pra menos: cinco anos e meio e nada de
diploma, todo hóspede já ficava sabendo que aquele cabeludo com jeito de hippie
era o preguiçoso do afilhado da dona da pensão que fazia direito há quase dez
anos... Frase grande pra quando se quer falar que o cidadão era um zero à
esquerda! Mas ele já estava acostumado a ser olhado assim naquele “universozinho
pequeno burguês” da pensão.
Já lá fora... ele era o cara, tinha até comido
aquela hippie que vendeu uma pulseira pra Janis Joplin em Arembepe, não era
todo mundo que ia ali! Tinha que ser “cabeça”. Edmara “Joplin” assumiu o
sobrenome da “amiga”, dava mais charme, a rapaziada encostava pra saber “Por
que Joplin?”. Aí ela caía matando. Ela era o máximo, só dava em inglês:
“Fóque-me, mailove. Ai laique ferro, gudi, gudi. Ok, Ok. Not para. Ai loviiúúúú”.
Teodomiro estava no meio de uma dessas paixões, e se achando o dono do pedaço.
Chegava mais de duas da madrugada pra entrar na pensão sem chamar a atenção de
ninguém, principalmente da dinda, que passara de fada madrinha a madrasta má.
Grudava no seu pé dia e noite, aquele estrupício já devia ter voltado pra casa
dos pais em Conquista, mas não, só ia visitar a família uma vez ou outra, até
as férias ele passava na pensão. Ia
deixar Salvador nas férias? Tá doido?!
Teve um dia
que a madrinha arranjou um plano que não podia falhar... É que quando ele
entrou no banheiro, tirou a tiracolo de couro, pendurou no lugar da toalha,
sentou no vaso e acendeu um baseado pra relaxar, sua dinda bateu na porta e aí
rolou a conversa que tirou ele de campo. Acabou se picando naquela noite mesmo:
- Teodomiro, é você que tá aí? Chegou
na surdina? Deus não me deu filho, o capeta mandou um afilhado.
- Sou eu, madrinha. É que hoje teve
uma reunião da UNE e eu perdi a hora batendo papo com os colegas.
- Esses colegas estão no mesmo
ritmo que você?
- Que ritmo, Dinda? Não tô sacando.
- O de ficar cinco anos no primeiro
período?
- Já vai começar? A senhora tá por
fora, na faculdade eu sou conhecido por ser um político ativo, totalmente
contra a ditadura. Entende? PO-LÍ-TI-CA!!!
- Teodomiro, que cheiro é esse? Tá
parecendo o cheiro dos “praboi” do porto da Barra...
- É incenso, madrinha, eu agora tô
numa de transcender, sacou?
- Ué, cê agora tá fumando incenso? E não
adianta ficar fingindo que tá peidando com a boca que eu sei que você tá é
fumando porcaria! E eu fiquei acordada até agora pra lhe falar que a partir de
hoje o Cabo Mirandinha, o terror dos maconheiros do Campo Grande, vai dividir o
quarto com você. Cê toma cuidado com seu incenso e sua política, o cabo é muito
curioso.
- Ô dinda, essa agora foi a gota d’água! Eu
nem quero mais entrar naquele quarto, pega minha mala e deixa na sala, e não
esquece da minha jaqueta Lee e do meu pôster de Che Guevara. De lá mesmo eu
puxo o carro pra terra do frio, lá que é meu lugar. Terra de intelectual, lá eu
sou considerado. Todo mundo sabe que Conquista é terra de gente cabeça. Um cara
que já pensou em ser candidato a presidente da UNE-BA, ter que dividir quarto
com um repressor? Essa coroa tá viajando, não dá nem pra contar pra quem
perguntar, o jeito vai ser falar que voltei por causa da perseguição política.
E
assim dona Gumercinda se livrou daquele pacote inconveniente. Valeu a pena
bancar dois meses de pensão pro cabo Mirandinha “Coisa Ruim”... Teodomiro
voltou pra Conquista, onde viveu o resto da vida como o eterno universitário
perseguido pela ditadura. Morreu jovem, um adolescente de 47 anos que não quis
deixar o sonho acabar...
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