RUA CHILE HÁ 115 ANOS FOI A PRIMEIRA RUA BRASILEIRA
G1 - Há exatos 115 anos, a primeira rua a ser fundada no Brasil, na cidade
de Salvador, era batizada de "Rua Chile". Porta de entrada para o Centro
Histórico da capital baiana, a via de cerca de 400 metros ficou marcada
na história como palco do comércio elitista até meados da década de 70
do século passado. Hoje, após o processo de descentralização da área
comercial da cidade e a decadência da região, a iniciativa privada e o
poder público tentam resgatar o espaço como atrativo turístico e até
mesmo reacender o glamour dos tempos áureos.
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Rua Chile, em Salvador (Foto: Alan Tiago Alves/G1) |
Um dos símbolos da rua, o Palace Hotel, inspirado no Flatiron Building
de Nova York, foi reaberto há três meses após ser totalmente
reformulado. Foi um dos cenários do romance "Dona Flor e Seus Dois
Maridos", obra do escritor Jorge Amado. Era no luxuoso hotel que
Vadinho, o primeiro marido de Dona Flor, costumava passar as noites
jogando no cassino que funciou no local até 1946 - o espaço foi fechado
após a proibição dos jogos de azar no Brasil.
Era no Palace, empreendimento que ocupa um quarteirão inteiro e que
divide a Rua Chile com as ruas do Tesouro e a da Ajuda, que "as senhoras
da Graça e da Barra exibiam os últimos modelos e algumas delas, as mais
evoluídas, num requinte de desenvoltura, arriscavam fichas na roleta",
como escreveu Jorge Amado. A ficção retrata o que foi a realidade.
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Do início do levantamento de informações até a publicação do livro,
foram oito meses. A escritora se baseou em informações que colheu em
jornais antigos, teses de mestrado e doutorado.
Diz que o que mais a chamou a sua atenção durante o trabalho foi a
prosperidade que a Bahia viveu no auge da Rua Chile. "A Bahia de outrora
tinha um charme e um comércio próspero. Os costumes da época, o passeio
de bonde, a cultura do estar na rua ao ar livre, diferente de hoje, que
vivemos a cultura do shopping center. A rua, debruçada para a Baía de
Todos-os-Santos, era símbolo da efervescência política e cultural",
destacou. Foto: Livro escrito pela jornalista Gabriela Rossi conta história da Rua Chile (Foto: Reprodução/TV Bahia)
Dos tempos áureos ao 'esvaziamento'
A professora de história da Universidade Estadual da Bahia (Uneb),
Neivalda Freitas de Oliveira, que pesquisou a história da Rua Chile para
o seu doutorado, diz que o traçado da rua que depois seria chamada pelo
nome de Chile já estava desenhado na planta de fundação da cidade. A
planta já estava pronta antes mesmo de os portugueses desembarcarem no
Brasil. Segundo Neivalda, os portugueses já tinham plantas de como eles
queriam que as cidades fossem e, ao chegarem em novas terras, eles
aplicavam essas plantas. "Aportaram no Porto da Barra, mas acreditavam
que ali era muito vulnerável ao ataque de inimigos. Escolheram, então, a
parte alta da cidade, onde tinham uma visão panorâmica. Ali fundaram a
cidade e foi ali onde nasceu a primeira rua, primeiro núcleo urbano",
destaca.
O primeiro nome da via foi Rua Direita de Santa Luzia. Essa e as demais
nomenclaturas que a rua teve sempre se basearam em acontecimentos
políticos ou econômicos da época, como lembra Gabriela Rossi. "O
primeiro nome foi dado porque a cidade era murada e tinha duas portas,
sendo uma delas a porta de Santa Luzia. Como ficava próximo, a rua
ganhou esse nome. Conforme a cidade foi crescendo, ali virou o centro do
governo, centro político do Brasil colonial. E o comércio foi se
desenvolvendo no local, com a instalação de hotéis, lanchonetes,
sorveteria, farmácia e lojas com muitos produtos importados. Com isso, a
rua ganhou seu segundo nome: Rua Direita dos Mercadores, pela vocação
comercial. Depois, na época do Império, também ganhou o nome de Rua
Direita do Palácio, porque ali ficava a sede do governo", destaca a
escritora.
O nome de Rua Chile, conforme a historiadora Neivalda Freitas, veio
somente em julho de 1902, uma homenagem do governo baiano a membros da
esquadra chilena que estavam de passagem pelo Brasil por conta da morte
de embaixadores do país após uma epidemia de peste bubônica. "O Rio de
Janeiro era conhecido na época como o "cemitério dos estrangeiros", por
conta das muitas epidemias. A embaixada chilena foi dizimada, e a
esquadra do país, que estava participando da coroação do rei, passa no
Brasil para buscar os caixões dos conterrâneos", conta.
A escritora Gabriela Rossi diz que foi em função desse acontecimento
trágico que a Câmara sancionou uma lei de reparação perante o Chile.
"Após a morte de quatro embaixadores, o Chile criticou a condição de habitação local e ameaçou cortar relações com Brasil. Como era um país importante, dar o nome à rua de Chile foi uma forma de se redimir. Teve uma grande festa na rua para recepcionar os chilenos", destaca.
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A historiadora Neivalda Freitas, por sua vez, afirma que foi também uma
forma encontrada pela Bahia para "se aparecer". "A Bahia, na época, não
tinha tanta importância política e econômica e a recepção aos chilenos
com festa foi também uma forma de se colocar como um lugar de destaque,
de aparecer politicamente diante de um país que tinha a melhor esquadra,
que foi o primeiro da América Latina a se urbanizar, que fazia os
melhores negócios e que era o mais organizado politicamente. Foi mais de
uma semana de festa", diz.
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