O DONO DA RAZÃO
Nando da Costa Lima
Toda cidade tem seus problemas, mas tem umas que são um
eterno problema. É o caso de Remosópolis, uma terra que não vai pra frente
enquanto existir a família Remoso. Eles se metem em tudo e acabam estragando
todo acontecimento que há na cidade, agora mesmo eles estavam aprontando. É que
a academia de letras e capoeira promoveu um concurso de poesia a nível
regional, a cidade estava repleta de poetas, tinha representante até de
Conquista. A apresentação das poesias foi no colégio Remoso, e tudo correu às
mil maravilhas, boas poesias foram apresentadas num clima de muita paz. O
problema era o resultado, acontece que o coronéMangangãoRemoso inscreveu uma
poesia no concurso, tida pela família como a melhor obra do velho. Os moradores
da cidade não aceitaram participar do júri, eles não tinham coragem de votar
contra o coroné. A direção resolveu formar um júri com pessoas de fora, eles
não sabendo da fama do coroné votariam imparcialmente, ou seja, nem
classificariam a poesia do velho. A família Remoso ficou sabendo daquilo e fez
de tudo pra comprar os jurados, mas eles foram irredutíveis. As poesias iam ter
que ser reapresentadas ao novo júri, a poesia do coroné tinha sido apresentada
pela primeira vez por um neto dele, mas agora a família achava melhor o próprio
autor declamar, a presença dele poderia impressionar o júri. Nervoso ele não
tava, vaia ele sabia que ninguém tinha coragem de dar, cara feia ele já tava
acostumado, foi militante da Arena enquanto esta existiu. A cisma dele era ter
sua obra de arte desmoralizada por aqueles forasteiros. Mas ele ia preparado,
qualquer desrespeito ele mandava uns quatro pro inferno, não ia ser agora no
fim da vida que seu 38 ia negar fogo.
Chegou o grande
dia, na casa do coroné tinha pra mais de cem jagunços vindos especialmente pra
torcer, trouxeram até as “papo-amarelo” pra atirar pra cima na hora da vitória,
se o coroné fosse derrotado elas serviriam pra outra coisa. O colégio estava
cheio, as primeiras filas foram tomados pelos homens do coroné, o diretor
permitiu que eles entrassem armados para manter a ordem.
A poesia do coroné foi a última a ser apresentada, o locutor anunciou: “E agora
um poeta da terra, o coronéMangangão vai declamar um poema de sua autoria, ‘Eu
sou o dono da razão’ ”. Ele subiu no palanque trajado a rigor, só tinha uma
diferença dos demais poetas: eles estava usando dois revólveres, um em cada
bolso do paletó. Pegou um revólver e colocou em cima da mesa do júri, o outro
ia servir de apoio moral. Pediu silêncio, deu um tiro pra cima e de revólver na
mão começou a declamar sua obra prima: “Eu sou o dono da razão / Eu sou mais eu
nessa merda, riqueza pra mim é macheza / ser bravo é minha missão, só tomo pinga
dobrada / não pago e cuspo no chão / e se alguém achar ruim, atiro no meio da
testa / ainda corto as orelhas pra que sirva de lição / não é à toa que meu
nome é CoronéMangangão / atiro com as duas mãos, tanto com ou sem razão / e
sempre disse pro povo como dono da razão / o homem pra viver bem tem que ter
duas paixões / fé em São Sebastião e um revólver na mão”.
Terminou de
declarar e descarregou o revólver, desceu pro seu lugar no auditório e ficou
esperando o resultado. Era visível a preocupação do júri, que rabo de foguete.
Morrer por causa da poesia ninguém queria, o jeito era empenar pro lado do
coroné. E foi num clima de festa que o presidente do júri anunciou o resultado:
em 1º lugar o Coronel Mangangão com a melhor poesia, 2º lugar foi ele também
com melhor interpretação, 3º lugar outra vez o coronel pelo seu espírito
competitivo. O coroné foi premiado quase unanimemente, dos 15 jurados só um
voto contra. Segundo a viúva do infeliz, ele votou contra porque tava a fim de
morrer, tinha tentado várias vezes sem dar resultado. Desta vez deu. Todo mundo
viu que foram os homens do coroné, mas depois do depoimento da viúva dizendo
que o defunto era um louco suicida os jagunços foram inocentados e no dia
seguinte o jornal da cidade exibia a seguinte manchete “Remosópolis lamenta
suicídio cultural que apagou o brilho da sensacional vitória do poeta Mangangão
Remoso”.


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