A Carta Olímpica foi rasgada
Carlos González
A Carta Olímpica, datada de setembro de 2013, é uma espécie
de código dos princípios fundamentais em que deveriam ser fundamentados os
Jogos Olímpicos, idealizados pelo francês Pierre de Coubertin (1863-1937). Uma
das regras de conduta básica do documento deixa claro que o maior evento
esportivo mundial não deve ser manchado pelo profissionalismo e pela política.
Ao longo do último século esses preceitos desapareceram: o amadorismo sucumbiu
após 1980; Adolf Hitler utilizou os Jogos de 1936, em Berlim, como propaganda
do nazismo.
No Brasil, os governos petistas copiaram as políticas para o
esporte adotadas pela Rússia (anteriormente, pela extinta União Soviética), por
Cuba e pela ex-Alemanha Oriental, investindo maciçamente em atletas de ponta,
através dos Ministérios do Esporte e da Defesa, abandonando quase que
completamente o programa de construção de equipamentos esportivos nas escolas
públicas e em espaços de uso comum nas periferias das grandes cidades.
Censurada pelos opositores aos regimes socialistas, a
divulgação internacional dos seus valores por meio da prática esportiva colocou
Cuba no 22º lugar no ranking do Comitê Olímpico Internacional (COI), com 209 medalhas, muito a frente dos demais
países da América Latina. O Brasil ocupa uma modesta 37ª colocação, com 108
medalhas, com apenas 23 de ouro, graças à vela, judô e vôlei.
Melhorar essa posição é um sonho dos dirigentes petistas,
hoje afastados do poder, e das autoridades esportivas, incluindo o eterno
presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, e dos
presidentes de confederações. Com esse objetivo, na década passada, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva “dobrou” os delegados da FIFA e do COI,
trazendo para o Brasil a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.
A
primeira iniciativa esbarrou nos 7 a 1 aplicados pela Alemanha.
Vale salientar que os Estados Unidos, os maiores vencedores
dos Jogos, adotam outro tipo de política. Seus melhores atletas, incluindo os
da liga de basquete, a NBA, são formados em universidades, onde recebem uma
bolsa de estudos, o que lhes garante uma profissão no futuro. Cesar Cielo e Tiago Pereira, expoentes da
natação brasileira, fizeram cursos de aperfeiçoamento em universidades
norte-americanas.
“O ideal na vida não é tanto o triunfo, mas o combate; o
essencial não é ter vencido, mas ter lutado bem”. A frase dita pelo Barão de
Coubertin foi esquecida pela comunidade esportiva no Brasil, que, há cerca de
dez anos tem estimulado um grupo seleto de atletas com salários e prêmios em
dinheiro. As fontes patrocinadoras vão desde as loterias da Caixa às empresas e
bancos estatais e privados, além de um engajamento por oito anos nas Forças
Armadas.
Criado pela presidente afastada Dilma Rousseff, em setembro
de 2012, o Plano Brasil Medalhas 2016, com um aporte inicial de R$ 1 bilhão,
objetiva colocar o país entre os dez primeiros nos Jogos do Rio. Do programa,
administrado pelo Ministério do Esporte, faz parte o Bolsa Pódio, que remunera
mensalmente, com R$ 5 mil a R$ 15 mil reais, cerca de 450 atletas, situados
entre os 20 melhores do ranking mundial em suas modalidades. O baiano de
Ubaitaba Isaquias Queiroz, esperança de ouro nas competições de canoagem, é um
dos beneficiados.
O
COB estabeleceu como prêmio para os atletas que subirem ao pódio,
independente da cor da medalha, a quantia de R$ 35 mil. Os que
participam de competições por equipe vão receber R$ 17 mil. Já Neymar e
seus companheiros do time de futebol têm a promessa da CBF de um "bicho"
em torno de R$ 400 mil para cada um.
Atletas militares
Perfiladas à beira do gramado do estádio de São José do Rio
Preto, em São Paulo, as 11 jogadoras do time de futebol do Flamengo levaram a
mão direita à testa aos primeiros acordes do Hino Nacional Brasileiro. As
rubro-negras, grumetes da Marinha, fazem parte de um total de 670 militares,
integrantes do Programa Atletas de Alto Rendimento, criado em 2009. Alistados
nas Forças Armadas, por um período de oito anos, eles podem alcançar o posto de
3º sargento, fazendo jus ao soldo líquido de R$ 3,5 mil.
Abro um parêntese para comentar a continência ao Hino ou à
Bandeira, observada pela primeira vez durante o Pan-Americano de 2015, em Toronto,
no Canadá. No meu ponto de vista a ação é insólita. Uma das primeiras lições
que recebi ao ingressar no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva
(CPOR/6), em Salvador, foi a de que a continência é um gesto de respeito
praticado pelo militar fardado e com a cabeça coberta, de acordo com o Regulamento
de Continências, Honras, Sinais de Respeito e Cerimonial. Comandantes militares
não se manifestaram a respeito dessa demonstração de patriotismo, ao contrário
do COB, que divulgou nota defendendo a atitude dos atletas.
Dos
465 atletas que defenderão o Brasil nos Jogos do Rio, 145
pertencem ao Exército, Marinha e Aeronáutica. Atualmente, 670 fazem
parte do
Programa, depois de se submeterem a uma prova de títulos (currículo
esportivo,
resultados e ranking nacional), e passarem por um estágio básico de 45
dias.
Sua única obrigação é continuar treinando e competindo por seus clubes
ou seleções
nacionais. As Forças Armadas exigem, por outro lado, que eles usem a
farda em eventos solenes, e que, fora da caserna, tenham um
comportamento condizente com o militarismo. Há poucos dias, a bela
esgrimista paranaense Amanda Simeão recebeu uma tentadora proposta da
Playboy para ser a capa da edição deste mês, dedicada aos Jogos
Olímpicos. Ao pedir autorização aos seus superiores do Exército para
tirar a roupa a sargento-atleta ouviu um "não".
Nos Jogos de Londres 2011, o Brasil levou uma delegação com
259 membros, sendo 51 atletas do Programa das Forças Armadas. Das 17 medalhas
conquistadas, os militares trouxeram cinco (uma de ouro e três de bronze no
judô; e uma de bronze no pentatlo moderno).
Os defensores do Programa lembram que o primeiro medalhista
brasileiro numa Olimpíada foi o 1º tenente do Exército Guilherme Paraense (ouro
no tiro, em Antuérpia, Bélgica, 1920). Posteriormente, subiram ao pódio os militares
Nélson Prudêncio, João Carlos de Oliveira (João do Pulo) e Robson Caetano, no
atletismo; Tiago Camilo, Sarah Menezes, Felipe Kitadai e Rafael Silva, no judô;
e Yane Marques, no pentatlo moderno.
Contrariando os otimistas, a revista especializada
norte-americana Sports Illustrated calcula que o Brasil conquiste no Rio apenas
19 medalhas (seis de ouro, quatro de prata e nove de bronze). Os maiores
vencedores seriam o vôlei de praia (Larissa e Talita; Alisson e Bruno), o vôlei
masculino, as velejadoras Martine Grael e Kahena Kunze, o futebol masculino e
os baianos Erlon Silva e Isaquias Queiroz na canoagem. Ganhadores da prata:
Arthur Zanetti (ginástica), Mayra Aguiar (judô), Felipe Wu (tiro) e Pedro e
Evandro (vôlei de praia). E no bronze, futebol e vôlei feminino, Robson
Conceição (boxe), Aline Silva (luta), Ana Marcela (maratona aquática), João
Luiz Gomes (natação) e os judocas Victor Penalba, Sarah Menezes e Erika
Miranda. O ippon, o golpe perfeito, afastou, prematuramente, Sarah e Erika dos Jogos.


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