“A ESCOLA PÚBLICA É UM ESCÂNDALO”
Jeremias Macário
Um corpo é docente, mas
está “doente”. O outro é discente, mas indisciplinado e indiferente. Ao ler uma
entrevista do português educador Antônio da Névoa, ex-reitor da Universidade de
Lisboa, não poderia deixar de selecionar alguns trechos de muita reflexão sobre
o sistema educacional brasileiro.
Para começar, Névoa é enfático e direto
quando diz que “a nossa escola pública é um escândalo.”Digo mais, se me permite
o professor, que a escola que temos, lamentavelmente, é uma calamidade pública
e uma máquina de fazer políticos, incompetentes, despreparados e corruptos.
Em sua entrevista aponta como exemplos bem
sucedidos de ensino no mundo a Suécia e a Finlândia. Como principais problemas
da nossa educação ele cita a falta de compromisso social e político com a
educação de qualidade e a formação de professores.
A aprendizagem, em sua opinião, deve ser o
foco, mas no Brasil os professores trabalham em várias escolas. Indagado sobre
esta situação em outros países, afirmou que nunca encontrou exemplos semelhantes
no mundo. As mudanças, na sua avaliação, não vão aparecer por conta de teorias
pedagógicas, programas educativos e leis.
Destaca, em sua entrevista, que o ensino tem
que transmitir para o aluno um sentido para sua vida. A aprendizagem tem que
passar um significado para que o aluno tenha prazer em estudar. Nesse ponto,
concordo que as aulas, no geral, são enfadonhas, metódicas e longe da realidade
da vida.
O Brasil tem elites
fortes e dotadas de enorme poder, tanto as econômicas como as intelectuais de
esquerda – assinala o educador português.
Por isso, segundo ele, há um abismo salarial e condições de trabalho
entre os professores da educação básica e do ensino superior. Os direitos dos
que estão em cima são diferentes dos que estão embaixo. Outro questionamento de
Névoa é que o país tem uma educação universitária pública de qualidade, mas restrita
a 20%, enquanto 80% estão nas unidades particulares.
A qualificação desses 20% se faz à custa de
que os 80% dos estudantes foram mandados para instituições privadas com taxas
elevadas e, muitas vezes, com ensino de péssima qualidade. Quanto ao programa
do FIES, aponta vantagens e desvantagens. Na minha visão, o FIES e outros
programas populistas de bolsas funcionam como caixas de fazer dinheiro para os
empresários. Deu-se a partir dali a arrancada para a privatização da educação.
Como vantagem do FIES, Antônio Névoa aponta a
democratização das oportunidades e, como imensa desvantagem o encargo do Estado
de ter que financiar centros de péssima qualidade. Na sua análise, os recursos
deveriam ser canalizados para expandir as universidades públicas, alargando sua
capacidade de acolhimento e oferta de vagas, no que concordo plenamente.
A respeito da escola sem partido, pensa que
ela sem partido não existe, mas recusa a ideia de uma escola doutrinária. Deve-se dizer à criança que há muitas
maneiras de pensar e de viver. “A escola é o lugar para muitos partidos”.
Sobre esta polêmica questão, está no
Congresso Nacional o projeto de lei 867/15 que inclui o “Programa Escola sem
Partido” entre as diretrizes e bases da educação nacional.
O projeto tem gerado controvérsias. Os
favoráveis atacam a doutrinação política nas escolas que termina por cooptar os
alunos para uma determinada corrente política e ideológica (propaganda
político-partidária). Os contra afirmam que o projeto afronta os fundamentos da
Constituição em seu artigo 3, como o de “construir uma sociedade livre, justa e
solidária” e de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Ao Estado, no meu conceito, cabe garantir livre
oportunidade da escola pública de qualidade. O partido da escola deve ser o
partido da liberdade de expressão e o da pluralidade de opinião. Ao aluno deve
ser dada a oportunidade de aprender culturas diversas. O que temos hoje, na
verdade, uma escola incapaz de formar cidadãos conscientes e críticos.
Outro crime contra a nossa já esfarrapada
educação e a desvinculação constitucional de verbas, determinada pelo governo
interino para a educação. É mais um golpe duro da direita retrógrada no ensino.
Ademais, temos hoje um Congresso ultra conservador que aspira que todos
continuem analfabetos e sem consciência política.
Como no sistema
eleitoral, a educação é um retalho de remendos de leis e reformas fajutas num
tecido já puído. Desde 2013 tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei
6840 que trata do novo formato do ensino médio, a chamada “Base Nacional
Curricular”. Discute-se a inclusão de conteúdos obrigatórios. Uns dizem que isso pode dificultar a
flexibilização do ensino.
Como bem observa o professor Névoa, não são as
leis apenas que vão aguçar o gosto dos alunos para o estudo, mas a
obrigatoriedade de conteúdos faz-se necessário. Há três anos discutem uma
proposta, enquanto o ensino cada vez mais se deteriora.
Além de calamidade
pública, a nossa escola é mesmo um escândalo que, através do voto popular da
grande maioria inculta, gera monstros políticos incompetentes, safados e
corruptos. Por causa disso é que o Brasil vai sempre continuar sendo o país do
futuro como nos ensinaram há cinquenta anos nas escolas.


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