sábado, 23 de janeiro de 2016

COLUNISTA VIP:

O bom de voto (30 anos, como o tempo passa…)

Nando da Costa Lima
NandoDr. Apolinário Aparecido estava começando sua terceira campanha para deputado estadual, e para convencer o eleitorado que era gente do povo, escolheu a casa mais humilde do bairro pra dar o pontapé inicial no jogo dos votos. Entrou porta adentro e foi logo abrindo o verbo, falou da reforma agrária até as injustiças do governo com os aposentados, só parou quando um dos meninos que estava na sala disse pra ele que não adiantava explicar nada, seu avó era mudo e surdo. Se fosse um candidato inexperiente ficaria sem graça, mas ele não perdeu nem a pose, folgou a gravata, desabotoou o paletó e ficou esperando que o resto da família aparecesse. Quando viu sobre a mesa, uma garrafa cheia de limonada e uns biscoitos enrolados num pano, pensou com ele – “Nada melhor pra convencer um eleitor humilde que participar de sua refeição, essa minha atitude vai valer mais que um discurso”, Pegou a garrafa de limonada e deu um gole que foi mais da metade, tava sem açúcar mas nem cara feia ele fez. Pra aliviar comeu dois biscoitos, estavam tão ruins que só engoliu porque os votos estavam em jogo.Tentou até comer o resto, infelizmente não desceu, esse ultimo tava muito carregado no sal, embuchou na boca. Mesmo assim ele não vacilou, disfarçadamente cuspiu o biscoito na mão o colocou no bolso do paletó, não podia deixar transparecer que estava com nojo. Só não estava entendendo porque o mudo gesticulava tanto, parecia que queria voar, devia ser de alegria por ver um deputado comer e beber com tanto gosto em sua casa. Pra alegrar ainda mais o ambiente, ele bebeu o resto da limonada e ainda lambeu o bigode pra mostrar que tinha gostado. O mudo quase fala de nervoso que ficou, e o deputado experiente sentiu que aquele voto ninguém lhe tirava. O dr estava redondamente enganado, o motivo de tanto nervosismo era outro, ele só veio cair na realidade quando d. Marina, mulher do mudo, entrou na sala e perguntou pra meninada que estava em volta – “Vocês viram quem jogou fora o mijo que estava nessa garrafa?? Era a urina do avô de vocês que eu ia mandar pro laboratório de dr Onildo, tomara que não tenha derramado dentro de casa. eu só ia levar pra examinar porque estava fedendo demais”. Dona Marina ficou intrigada com o sumiço do mijo, mas como tinha que fazer sala para o deputado, deixou pra lá, o dr. , mesmo com estômago pra sair pela boca, ficou mais aliviado, já imaginou se ela descobre que foi ele quem bebeu aquilo, Apolinário ainda tava respirando fundo pra não fazer feio, quando a filha de d. Marina piorou ainda mais a situação ao perguntar se ela tinha jogado fora o cocô do nenêm que estava em cima da mesa enrolado numa fralda, deixou alí enquanto ia numa farmácia providenciar um coletor, já que a mãe ia no laboratório, aproveitava e mandava examinar, tava muito ressecado. Quando o dr. notou que ela falava dos biscoitos, encheu a boca de saliva e acabou de esverdear, logo ele, um homem acostumado com tudo do melhor. Mas pra se eleger vale tudo, tanto é que ele conseguiu segurar aquilo no estômago até a hora de ir embora, passou o resto do tempo tomando cuidado pra ninguém sentir o bafo, tava de matar, lembrava um banheiro público.

Na despedida, aconteceu uma coisa que deixou o dr. ainda mais escabriado, é que d. Marina, tentando agradar o deputado, abraçou o neto mais bonito e falou carinhosamente – “Meu filho, cresce lo¬go pra você ficar rico e inteligente como o dr. Apolinário”. O menino olhou pra avó meio desconfiado, e respondeu – “Só se for pra ter um carrão retado de bonito igual o dele, mas se tiver que comer merda de menino e beber mijo de velho, eu prefiro ficar pobre e feio como meu avô”. Antes do menino terminar de falar, o dr. já estava dentro do carro chorando e vomitando ao mesmo tempo. Mesmo assim foi otimista no seu julgamento, achou que d. Marina nunca iria permitir que o pessoal da casa comentasse um fato tão desagradável, ficaria chato até pra ela.
E foi quando começou a política de palanque que o dr. teve a maior decepção de sua vida pública, o comício ia ser no bairro do acidente, era assim que ele se referia ao fato, quanto o locutor anunciou – “E agora com vocês, candidato a reeleição, dr, Apolinário Aparecido, o bom de voto”- Antes dele segurar o microfo¬ne, o bairro inteiro gritou cm coro-“VIVA DR. BOCA DE LATRINA” – A única saída que ele encontrou pra se livrar do vexa¬me, foi simular um desmaio, se ficasse de pé o pessoal não parava de gritar e vaiar. Quando ia caindo os amigos seguraram. O locu¬tor, querendo ajudar, anunciou pelo microfone – “Pessoal abre o caminho, nós temos que levar o dr. Papa Merda com urgência pro hospital”. Aí ele desmaiou de verdade.
Do dia do comício até as eleições, o deputado não teve um mi¬nuto de sossego, era piadinha de tudo que é lado. Se falasse que estava com fome, as sugestões eram sempre as mesmas, se pedisse uma bebida pra esquecer, o garçom falava que alí não vendia dose de mijo. Tinha gente que mandava litros de detergente pra ele gargarejar, outros telefonavam e quando ele atendia, perguntavam se já havia dado descarga. Pertubaram tanto o homem, que antes de abrirem a primeira urna, ele e a família já estavam a mais de mil quilômetros da terra natal. Não teve nem os votos dos parentes, mas uma coisa é certa: se tivesse registrado os apelidos, seria o recordista em votos do país.

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