MORAR só, sinônimo de status
Ezequiel
Sena
“O livro de
Gênesis diz que Adão foi incapaz de desfrutar do paraíso sozinho. Quis dividir
com alguém o que tinha ao seu redor. Pediu ao Criador que lhe desse uma
companheira, pois, para ele, a solidão seria a pior das experiências”.
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Com base nessa percepção, criou-se, ao longo dos
séculos, uma imagem profundamente negativa das pessoas que viviam sozinhas. Era
castigo ou sinal de fracasso. Agora, esse pensamento foi sepultado, adágio
ultrapassado, carta fora do baralho. O tradicionalismo desapareceu. Os sinais
estão por aí, atravessamos um momento de transformação na maneira de viver,
radical até e turbulento sob vários aspectos. As novas tecnologias abriram
portas jamais vistas. “Eu não sou um solitário, mas gosto da solidão”, esta espontânea
expressão dum amigo fez-me pensar no ator Walmor
Chagas que deliberadamente foi viver numa chácara em Guaratinguetá, onde
recentemente se suicidou. Viver só para o intelectual passa a ser uma opção ou,
no mínimo, uma imposição da idade, como no caso do ator e desse meu amigo, mesmo
de gerações diferentes, no entanto, portadores de dotes e opiniões similares
perante a vida, ambos decidiram morar sozinhos.
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Engana-se
quem pensa que a solidão é um fenômeno do homem contemporâneo. Os textos
sagrados são recheados de exemplos de profetas que, em determinado momento de
suas vidas, sentiram necessidade de se isolarem para refletir ao mesmo tempo em
que recebiam mensagens divinas, como Moisés: as Leis Mosaicas; Jesus Cristo: o Novo Testamento; e o profeta
Maomé: o Alcorão; sem contar os inúmeros personagens da História que não se
tornaram apenas solitários, muitos até eremitas por vontade própria; motivados
por desilusões do mundo e das pessoas; perseguições religiosas e exílios
políticos, como Dante Alighieri: “Divina Comédia”; ou por doença
infectocontagiosa: a lepra; de outro modo, simples filosofia de vida, ou como
se diz no popular, por estar de miolo mole.
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Dentro
do próprio cristianismo temos ordens religiosas que fazem da clausura sua
opção, não sendo propriamente viver na solidão, uma vez que convivem e comungam
a sua religiosidade em grupo, isolados por muros dos prazeres mundanos; um
típico exemplo de fé exaltada ao extremo, de autopunição religiosa para uns,
uma opção voluntária para outros. Não há dúvida que por trás o leitmotiv tem que existir não obrigatoriamente
espontâneo ou forçado; mas tem que existir.
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Por
sinal, ao delinear este breve artigo não deixa de ser um ato de solidão, pois tive
que me isolar por algum instante para escrevê-lo. “Escrever é um ato solitário
que o faz conviver com seus demônios”, mais ou menos assim disse Santo Tomás de
Aquino. Todavia, morar sozinho não significa solidão. Sozinha viverá grande
parcela da população mundial nas próximas décadas – estimativa do IBGE, através
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Para ser mais preciso,
entre 2009 e 2011, oitocentas mil brasileiros passaram a viver sozinhos (ISTOÉ –
2251). Morar sozinho virou
sinônimo de status. O fenômeno avança, dizem, inclusive, que o Brasil já pode ser considerado um país de
solteiros.
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Especialistas
em tendências afirmam que há três explicações para essa realidade comportamental
que vai se enraizando: a independência
feminina, a estabilidade econômica e a revolução da comunicação. Não há
duvida, as novas tecnologias facilitaram a convivência, evitou que os sozinhos
se tornassem mais solitários. Aquele velho ditado ‘antes só do que mal
acompanhado’ está cada vez mais em evidência para definir a privacidade dessa
nova geração. Em entrevista a ISTOÉ, engrossando a lista dos sozinhos, o
engenheiro Frederico Lainer, 30 anos, de Porto Alegre, afirma: “moro só por
opção e nem bicho de estimação tenho, pois passo quase o dia todo fora”.
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Obviamente
que o dinamismo dessas transformações tem o peso das redes sociais. Antes, a
vida social condicionada à presença física em aulas, conferências, e/ou
encontros, agora está cada vez mais afeita ao mundo virtual. Mas será que toda
essa facilidade tira a pessoa do isolamento? Os mais entusiasmados acham que
“estar nas redes sociais é pertencer a um grupo cada vez maior e mais
influente”, pontua Luciana Ruffo, psicóloga do Núcleo de Pesquisa de Psicologia
em Informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
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Penso
que estar ligado às pessoas virtualmente não quer dizer rodeado de amigos. Para
eu ter um amigo é necessário o contato físico, escutar sua voz, não a voz
distorcida do webcam, mas o som real, o olhar no olho, não apenas o olhar
furtivo que se apresenta na tela do computador. Creio que as redes sociais podem
até aproximar os indivíduos, mas se não existir contato e convívio, jamais
teremos um amigo de verdade.


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