A MALDIÇÃO DO FREI
Num reino muito distante, ainda atrasado, conhecido
como a terra das contradições e dos absurdos, com muitas gastanças públicas, os
reis tudo fazem para agradar aos seus súditos com pão e circo. É só fazer uns
mimos que o povo não dá conta, nem liga para as extravagancias e roubalheiras
da corte, com seus ministros e políticos vivendo suas regalias de nobreza.
Foi sempre assim desde quando chegaram nessa
terra uns colonizadores depravados, que levaram todo ouro e grande parte das
riquezas para outros reinados. Desde aqueles tempos distantes ensinaram a esse
povo a viver só de fé e esperança. É preciso ser submisso; ter muita paciência
e perseverança para ganhar um pedaço do céu quando morrer.
Cada rei sempre
procurou ser mais esperto que o outro na arte da enganação, tendo a convicção
de que esse povo cordeiro nunca vai se rebelar para derrubar seu trono. É só
seguir as regras dos mais afortunados e poderosos.
Nos reinados, teve um
mais astuto que conseguiu atrair multidões. Conquistou simpatia e carisma, tudo
porque esse povo estava de barriga vazia e passou a receber uma ração de
alimentos e outros pequenos benefícios. Tudo passou a ser alegria e festa,
mesmo em meio a muita violência, educação deficitária e saúde precária.
Para não haver reação por parte dos bem
aquinhoados, o rei deu mais uma boa porção de bens para eles, deixando os ricos
mais ricos. Assim, não corria o risco de ser esconjurado, nem ameaçado de
perder o poder. Esse rei foi sabido e fez acordos com Deus e o Diabo, e até com
Judas traidor. Partilhou o reinado com os maus.
Depois de muitas peripécias e tramas para
manter o trono, um dia esse rei começou a pensar num projeto grandioso para
completar sua obra. Seu nome seria lembrado para sempre. Coisa para a
posteridade. Então, chamou todos seus assessores no Palácio e anunciou que ia
distribuir água e muita fartura para uma parte do seu povo mais pobre que vive
na região mais seca e árida.
Entusiasmado, abriu o
mapa na mesa oval e apontou para o maior rio que atravessa parte daquela banda
mais castigada pelas estiagens. O rio tem o nome de um santo, protetor dos
animais, dos pobres e da natureza. Pronto! Era só abrir longos canais, em forma
de braços, e fazer jorrar água pra toda gente daquela sequidão.
Os ministros ficaram atônitos, mas o rei não
podia ser contrariado. Todos aplaudiram a grande obra. Afinal, todos iam lucrar
e ganhar alguma coisa, menos os mais necessitados, não importando se o rio
seria sacrificado e iria perder suas forças volumosas de água.
Alguns foram contra a
ideia e depois se calaram. No entanto, um frei se rebelou e resolveu viver o
resto de seus últimos dias numa choupana às margens do rio, sem pão e água. Só
sairia dali quando o grande projeto fosse suspenso pelo rei. Foi aquele
alvoroço no reino! Com isso o rei não contava. Pensou consigo: Logo um frei
religioso, homem de Deus, pregador da palavra santa!
Com vários dias de fome, o frei começou a
definhar. Ia morrer mesmo, e isso não era nada bom para o rei. Então, ele
enviou um mensageiro para negociar com o frei. Já muito debilitado, o religioso
aceitou alguns pontos do acordo e deu por terminada sua greve de fome, só que
deixou uma maldição.
As máquinas entraram rasgando o chão nas
frentes de trabalho para muita gente. O rei tinha razão. Em pouco tempo ia brotar
água para todos os lados. A fartura ia bater à porta de todos. Só que como
sempre acontece nesse reino, começaram logo a fazer os malfeitos (o nome é
corrupção mesmo, roubo) e os recursos foram se evaporando.
Toda aquela gente esperançosa foi dispensada
do trabalho. As obras malfeitas foram sendo abandonadas e começaram a rachar.
Tuneis desabaram, virando monumentos inacabados para visitação turística. Os
anos se passaram e bateu uma tremenda seca naquele sertão penado, destruindo
tudo pela frente. De sede e fome, animais morreram e o povo fugiu para outros
lugares distantes.
Mas, não foi maldição do frei, não. Foi
desmando mesmo e muitos bilhões de dinheiro derramado. Dizem que foram quatro
bilhões de coroas, e ainda tem muito por fazer. O rei deixou o reino, mas
continua mandando e prometendo voltar um dia, para concluir seu grandioso
projeto e mais outros.
O “novo reinado”, nada de tão novo assim, está
agora investindo em estádios e arenas esportivas suntuosas, para receber
atletas e povos de outras partes em redor do planeta. Dizem por aí que vai
haver muita festa, e das grandes.
Quanto aos canais do santo rio, os emissários
do rei mandam um recado para o povo continuar tendo fé e esperança de que um
dia a água vai chegar. A preocupação agora é com a grande festança que o reino
vai oferecer para o mundo. Pão e circo, e assim todos ficam contentes. Mais uma
vez, os pobres ficam de fora do banquete, mas têm a promessa de um pedaço do
céu quando morrerem.



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