Fome – a maior das pandemias
Carlos González - jornalista
O mundo está mobilizado neste instante
numa guerra contra um inimigo invisível a olho nu. As grandes nações têm
se mostrado impotentes para contê-lo. O Covid-19, no seu avanço
destruidor, já contaminou quase 3 milhões de pessoas
e tirou a vida de 180 mil, não respeitando a situação econômica de suas
vítimas.
Se hoje os Estados Unidos lideram as
estatísticas, as autoridades sanitárias prevêem que, no futuro, se
medidas não forem tomadas, o vírus irá dizimar as populações mais
pobres, aquelas que, há séculos, convivem com um inimigo
muito mais perigoso: a fome.
Conhecida mundialmente como “o maior
flagelo da humanidade”, a fome, curiosamente, deixa de ser relacionada
por pesquisadores e historiadores entre as maiores pandemias que levaram
a desolação ao planeta, a partir do momento em
que o homem passou a comercializar o alimento. Essa praga, que
“contamina” aqueles que vivem abaixo da linha da pobreza, não necessita
de pesquisas e testes em laboratórios para ser eliminada. Já existe uma
“vacina”: comida.
Segundo o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef), 8.500 crianças morrem diariamente por desnutrição no
planeta. Os números são imprecisos, mas, de acordo com o último
relatório divulgado por cinco agências da Organização
das Nações Unidas (ONU), 820 milhões de pessoas no mundo passam fome,
responsável pela morte de quatro pessoas por segundo.
Os países do sul da Ásia e da África
Oriental são os mais vulneráveis, mas os especialistas projetam um
cenário preocupante para a América Latina e Caribe, onde a crise de
alimentos afeta 42,5 milhões de pessoas (6,5% da população).
O Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas prevê que mais
130 milhões de pessoas passarão este ano a fazer parte desse grupo,
devido às conseqüências econômicas causadas pelo novo coronavírus.
Ao contrário do que se imagina, a
fome não é causada pela falta de alimentos, cuja produção é suficiente
para nutrir toda a população do planeta.
No Brasil, somada ao enorme desperdício
de alimentos, está a concentração de renda (10% dos mais ricos detêm
quase toda a renda nacional), de produção (as terras estão nas mãos de
poucos) e de informação. O Brasil que come não
enxerga o Brasil que tem fome. Essa tragédia silenciosa está escondida
nos rincões do país e nas periferias das cidades.
A insegurança alimentar aguda no Brasil
afeta 7,2 milhões de pessoas e 32 milhões de subnutridos. Há outros
fatores que colocam o país no mapa da fome: a dificuldade de acesso aos
alimentos e a exportação da maior parte do que
o agronegócio produz. O que causa revolta é saber que a soja e o milho
servem como comida dos animais no exterior. O volume das nossas vendas
de alimentos – o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo, auferindo
anualmente79 bilhões de dólares – daria para nutrir
o dobro da nossa população.
Presidente e poeta, vítimas
O
mundo tem testemunhado, ao longo dos séculos, o surgimento de
micro-organismos (bactérias e vírus) muito mais letais do que o novo
coronavírus, embora não possamos
fazer uma avaliação do que nos prepara o futuro. Especialistas têm
feito previsões alarmantes, que nos transportam, aqui no Brasil, para a
maioria dos 5.570 municípios brasileiros, onde a assistência
médico-hospitalar se assemelha com as de 1918 e anos subsequentes,
quando a gripe espanhola matou 35 mil pessoas. Vale destacar a cidade
de Santo Antônio de Jesus, uma das 20 mais populosas da Bahia, que até o
momento não registrou nem um infectado pelo covid-19, devido às
medidas, algumas de caráter preventivo, adotadas
pelo governo municipal.
Há um século o Brasil lutava contra o
vírus H1N1, nosso velho conhecido, o agente da gripe espanhola (o nome
não condiz com sua origem, que se deu numa base militar dos Estados
Unidos, sendo levado para a Europa pelas tropas norte-americanas
na Primeira Guerra Mundial), que causou mais de 50 milhões de vítimas,
entre janeiro de 1918 e dezembro de 1920. Pelos dados oficiais, 35 mil
pessoas morreram no Brasil; 386 em Salvador.
Sem medicamentos ou vacinas para sanar o
mal, a população se valeu de várias fórmulas – uma delas, uma mistura
de cachaça, mel e limão, que mais tarde se tornou uma bebida nacional, a
caipirinha. As recomendações das autoridades
sanitárias, curiosamente, eram as mesmas que hoje são indicadas pela
OMS, ministério e secretarias de Saúde.
“Desembarcando” em setembro de 1918 no
Rio de Janeiro, vinda de um navio procedente da Europa, o H1N1 encontrou
um campo fértil na antiga capital federal, em São Paulo e Salvador. Uma
das suas vítimas foi o presidente Rodrigues
Alves, falecido em 16 de janeiro de 2019, aos 70 anos, antes de tomar
posse para um segundo mandato. No seu primeiro período no cargo – 1902 a
1906 – o quinto presidente da República e seu ministro da Saúde,
sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917), sufocaram
uma rebelião popular contra a lei que obrigava a vacinação contra a
varíola. A revolta, que se seguiu a uma tentativa de golpe, durou uma
semana, deixando um saldo de 30 mortos, 110 feridos, 945 presos na Ilha
das Cobras e 461 deportados para o Acre.
A peste negra ou peste bubônica,
ocorrida na antiga Eurásia, entre os anos de 1335 e 1351, é considerada
como uma das maiores epidemias registradas pela História. Transmitida
pela pulga de roedores, a doença matou mais de 100
milhões de pessoas, reduzindo, consideravelmente, a população mundial.
Passou a ser controlada com medidas de higiene e saneamento adotadas pelas cidades.
Três mil anos foi o tempo estimado de
permanência do vírus da varíola no planeta. Na Antiguidade, contaminou o
faraó Ramsés II, a rainha Maria II, da Inglaterra, e o rei Luiz XV, da
França. No período dos descobrimentos chegou
às Américas dizimando populações indígenas. Sua fase mais letal se deu
entre 1896 e 1980. Foi erradicada após uma campanha de vacinação em
massa.
O bacilo de Koch, causador da
tuberculose, não foi completamente eliminado, haja vista que continua
colocando em risco de vida os habitantes das regiões mais pobres do
mundo. Recentemente, contaminou os portadores do vírus da
Aids. A tuberculose privou muito cedo a cultura do nosso maior poeta,
Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871). Um tiro acidental no pé,
seguido de amputação, agravou o sofrimento do autor de “Navio Negreiro”.
A gripe suína (H1N1) foi a primeira
pandemia deste século. Surgiu em 2009, no México, transmitida por
porcos, espalhando-se rapidamente pelo mundo e causando a morte de 18
mil infectados. Em agosto de 2010 a OMS declarou o fim da
doença. Além de se manifestar nos pacientes das gripes espanhola de
suína, o vírus influenza, que ainda não foi totalmente erradicado, se
manifestou nas gripes russa (1889-1890), asiática (1957-1958), de
Hong-Kong (1968-1969) e aviária (1997 e 2004).
O mundo ainda não se viu livre da sua
última tragédia viral. A Aids, causada pelo HIV, continua a fazer
vítimas, em menores proporções, em virtude do tratamento com
medicamentos – o primeiro deles foi descoberto em 1986 –
antirretrovitais,
que evitam o enfraquecimento do sistema imunológico. O vírus foi
localizado nos Estados Unidos, em junho de 1981. Os infestados somam 76
milhões, com 36,7 milhões de mortos. O compositor e cantor Cazuza
(1958-1990) foi um dos brasileiros sacrificados.
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