Foi quando Lilita entrou porta adentro e foi logo dando uma bronca em minha mãe: “Maria, se esses funcionários tentarem me impedir de entrar novamente eu nunca mais ponho os pés nessa casa”. Depois dirigiu-se a meu pai e continuou a bronca: “Miranda você é um médico e não um carrasco, mude seus funcionários, parece até que é Maria que manda aqui. Manda servir logo minha Jurubeba que eu não quero nem almoçar aqui. Vou pra casa de Pedro e Amélia. Pelo menos lá eu sou mais bem recebida. Até Arlindo, que gosta de tomar boca, me trata melhor que seus funcionários”. Eu também gosto muito da casa de Capitulino e Edi, mas aquela meninada… Parece uma escola! Eu fico incomodada. Meu pai começou a dar risada enquanto minha mãe sacudia a cabeça e o poeta de São Paulo que estava de passagem não entendia nada. Como aquela mulher desaforada entrou na casa de seu amigo, falou o que quis e saiu de cabeça erguida? Até a meninada respeitava e fazia silêncio quando ela falava. É claro que só a visita ficou meio perdida. Quando saímos da mesa meu pai recebeu um telefonema e teve que sair com urgência pra atender um paciente e deixou minha mãe e Dida fazendo companhia para o visitante e sua esposa. Foi quando ele meio que sem graça perguntou pra minha mãe quem era aquela senhora vestida com cobertas que entrou na hora do almoço, achou estranho a maneira dela se dirigir ao meu pai, minha mãe explicou que era muito amiga e brincalhona, apesar de sua aparência exótica e de falar como se estivesse representando. Era uma atriz, gostava de puxar pelo “r” e pelo “l”. A mulher da visita quis saber por que ela usava aquelas cobertas em forma de vestido de noiva. Foi aí que Dida contou uma história que nem eu sabia e despertou um interesse incrível na minha imaginação de criança. Segundo Dida, Lilita era uma moça que veio para Conquista ainda nova para trabalhar no comércio. Uma mulher normal com uma personalidade forte pra época, o que junto com a sua beleza física, atraía a atenção de vários rapazes, que ela dispensava educadamente. Talvez por ser uma pessoa inteligente achava que nunca conseguiria conviver com alguém que pelo menos não tivesse o mesmo nível cultural dela. Mas um dia o coração da jovem bateu mais forte ao conhecer um jovem da terra que estudava na capital e estava aqui de férias, foi amor à primeira vista. Um amor recíproco que devido à condição do jovem não pode perdurar. Ele pertencia a uma família tradicional. Para ele ficou difícil, naquele tempo a opinião dos familiares valia muito e tinha o poder de interromper um relacionamento por mais que os jovens se amassem. Ele foi mandado de volta pra concluir os estudos já sabendo que não poderia voltar a se relacionar com a jovem que tanto queria. “Parece que estão assim, todas as almas do mundo gritando dentro de mim”. E o desespero de tanta gente interferindo no seu relacionamento levou a jovem a romper a linha da razão, surtou e nunca mais voltou ao normal. Como o seu sonho de casar com seu único e verdadeiro amor foi interrompido, ela saiu pelas ruas vestida de noiva, só que o vestido era feito com cobertores, talvez pelo frio que fazia na cidade. E este passou a ser seu traje até o fim da vida. Ele também mudou, e apesar de manter uma vida normal, bebia em excesso e morreu relativamente novo. Não sei até onde vai a veracidade desta história que se perdeu no tempo, os seus protagonistas nunca comentavam o fato. Mas de Lilita eu tenho certeza de que muita gente ainda se lembra com muito carinho… A irreverente noiva com seu exótico vestido de cobertores faz parte da história da cidade. E o poeta paulista fez até um soneto inspirado em Lilita. Só não sei onde se encontra… Mas pela cara que meu pai fez quando leu, tenho certeza de que não era bom. Não estava à altura da musa.
P.S. Essa história tem outras versões.
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