O POVO SÓ LEVA PAU NA MOLEIRA
Jeremias Macário
É muito choro e ranger de dentes nos
noticiários diários da nossa mídia, com lágrimas de idosos riscados pelas rugas
da dura vida nas filas do INSS a rogar, piedosamente, pelos seus justos direitos
de aposentadoria e outros benefícios negados. Neste país das castas privilegiadas
que vivem em suas mordomias, o povo escravizado só leva pau na moleira.
Nos corredores dos
hospitais, nas matrículas nas escolas, nos cadastros para montar uma barraca no
carnaval e nas matanças violentas das balas perdidas, nos assaltos dos bandidos
e na truculência desvairada militar, são outros vales de lágrimas. São gritos e
sussurros engasgadosque pedem por justiça.
Os apelos angustiados e
lamentosos sempre são dirigidos a Deus, como se Ele fosse o responsável por
todos as mazelas, os erros dos homens e as tiranias do poder aqui praticadas
neste pedaço de terra paradoxal onde quase nada funciona. Aqui são cometidos os
maiores absurdos e ilegalidades, como se tudo fosse normal.
Se existe o livre arbítrio,
creio que Deus não tem que se meter nessa maluca bagunça de atos cruéis de
injustiças, para resolver os problemas que não foram criados por Ele.O ser
humano sempre está na contramão, agindo na direção da contradição e da
incoerência, e tenta enganar a si mesmo, como se não fosse de nada culpado.
Só sabe em tudo citar o
nome do Supremo, na maioria das vezes, em vão, até em jogos de azar, nas
loterias da vida e no futebol, quando vence, ou quando rouba descaradamente.
Sempre existe aquela máxima do foi Deus que assim quis, especialmente saída da
boca de fanáticos lunáticos fundamentalistas.
O humano agride gananciosamente e com usura capitalista
o meio ambiente que, por sua vez, responde e dá o troco merecido, mandando
catástrofes, tragédias, devastações e mortes. Ai, metem Deus no meio, e os
sobreviventes agradecem sua proteção, como se eles fossem
os únicos eleitos inocentes, e os outros os escolhidos do Diabo, que vão para o
fogo do inferno.
Enquanto o povo leva pau na moleira todos os
dias, e é levado para o mourão das chibatas no lombo e na alma escravas, os
poderes legislativo, judiciário e executivo nadam em dinheiro e curtem suas
orgias, com privilégios de três meses de férias nababescas com seus
supersalários, sem contar o que corre por fora. Essa banda, que é o próprio
Estado oligárquico, ainda reclama que ganha pouco e merecia ter mais aumentos.
Faltam recursos para contratar mais
servidores para o INSS, para a compra de medicamentos aos doentes, para aparelhar
os hospitais, para pagar uma remuneração mais digna aos professores e equipar
escolas, para provir de saneamento básico metade da população que vive em
favelas e periferias, convivendo com esgotos a céu aberto, mas nunca falta
verba graúda para o Congresso Nacional, para as assembleias legislativas e para
as quase seis mil câmaras de vereadores inchadas e entupidas de assessores que
nada fazem.
O povo brasileiro só leva pau na moleira, se
sujeitando ao trabalho escravo (milhões padecem no purgatório da informalidade)
e às humilhações dos patrões, com baixos salários atrasados e, muitas vezes,
sem direito a férias e outros benefícios. Ainda assim comete a burrice de se
dividir, brigar entre si como inimigos ferrenho de morte, cada um defendendo
seu canalha, seu ladrão e seu usurpador do poder.
Cada um vive a sua
individualidade mesquinha, vegetando enquanto tem um dinheirinho no bolso para
tomar umas geladas nos bares, ir a uma festa, comprar um carrinho com
prestações a perder de vista, e só reage quando sofre na pele uma injustiça
social, uma violência ou uma falta grave de atendimento à saúde, devido à
ausência do Estado. Ai, então, o cara aprende a engolir o choro da amargura, e
até entra em depressão, abreviando a vida.
O mesmo povo que só leva pau na moleira, é o
mesmo que acredita em falsas notícias de que as coisas estão melhorando, e que
a ele está reservado um futuro promissor. Levanta as mãos aos céus na espera que
de lá caia uma graça divina. Entrega as injustiças a Deus. Nunca aprende a
lição e repete festivo sua fé, de dois em dois anos, na boca da urna, crendo
ser o dia mais importante de um ato de cidadania. Passa o tempo e ele continua
levando pau na moleira.
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