quinta-feira, 6 de abril de 2017

COLUNISTA VIP:

Prof. Adroaldo, 100 anos

Carlos Albán González - jornalista

“Adroaldo? Quem foi Adroaldo?” A pergunta foi feita na Governadoria, em Salvador, a um dos membros da comissão organizadora das comemorações pela passagem do centenário de nascimento de Adroaldo Ribeiro Costa (Foto arquivo do jornal A Tarde), que ocorrerá no dia 13 de abril. Como outros vultos importantes da Bahia, o Professor Adroaldo, como era chamado, pertence a um passado, que, infelizmente, não é preservado. As lembranças e a obra daquele que foi um dos grandes educadores brasileiros vêm sendo mantidas por um grupo de “jovens”, todos com mais de 60 anos, seus ex-alunos na Hora da Criança.

Jornalista, advogado, teatrólogo, professor, escritor e compositor, Adroaldo foi, mais do que tudo, um educador, que deveria ter um lugar reservado junto a Darcy Ribeiro (1922-1997), Anísio Teixeira (1900-1971), Florestan Fernandes (1920-1995), Paulo Freire (1921-1997), Maria Nilde Mascellani (1931-1999), Cristovam Buarque, Miguel Arroyo e Jaqueline Moll.

A primeira grande contribuição de Adroaldo para a educação infantil foi o lançamento de um programa de rádio. A “Hora Criança”, criada em 25 de julho de 1943, deu seus primeiros passos no auditório da Rádio Sociedade da Bahia, localizado no Passeio Público, antes de se transferir para a Rua Carlos Gomes, onde hoje funciona a Caixa Cultural, em Salvador. Quatro anos mais tarde ele se tornaria o pioneiro do teatro infantil no Brasil, encenando, em 22 de dezembro de 1947, no Teatro Guarani (atualmente Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha, na Praça Castro Alves), a opereta “Narizinho”, adaptada da obra do escritor paulista Monteiro Lobato.

Adroaldo Ribeiro Costa nasceu em Salvador, no dia 13 de abril de 1917. Sua infância e parte da mocidade foram passados em Santo Amaro da Purificação, onde cursou o primário e o ginasial. No intervalo das aulas desenvolvia atividades literárias, artísticas e esportivas, e colaborava com as publicações dos grêmios estudantis. A cidade lhe concedeu em 1983 o título de Cidadão Santo-amarense. Voltando à capital, Adroaldo ingressou na Faculdade de Direito da UFBª, atendendo a um desejo paterno. Diplomado, nunca chegou a exercer a advocacia. Sua vocação era para o magistério. Lecionou Língua Portuguesa e História em estabelecimentos de ensino particular, antes de ser nomeado professor do Estado, tendo dirigido o Instituto Normal da Bahia, hoje Isaias Alves, o Ginásio João Florêncio Gomes e o Serviço Estadual de Assistência ao Menor (SEAM).

Interventor entre 1942-1945 do governo Vargas na Bahia, o general Renato Onofre Pinto Aleixo convidou Adroaldo para assumir o departamento de rádio-teatro da Rádio Sociedade, que estava sob a tutela do Estado. A criação da “Hora da Criança” foi uma das inciativas do novo gestor. Pelo programa desfilaram personalidades que marcaram a vida cultural, social e empresarial da Bahia, por várias décadas. O compositor Gilberto Gil (Beto) e sua sanfona; o Quarteto em Cy (Cyva, Cybele, Cylene e Synara), Glauber Rocha, Paulo Gil Soares, Ângelo e Arnon Andrade, Nair (Nairzinha) Lauria, Edvaldo Souza (Eddy Star), os irmãos González Passos, Andrade Neto, Souza Castro e Humildes Reis; Renato Pessoa, Remy de Souza, Ieda Olivaes, Fernando Passos, Jairo Simões, Lúcia Spinelli, Risodalva, Suely Temporal, Íris Fróes, Marco Oliveira, Mateus Russo, e muitos outros, que, por esquecimento, deixo de mencionar.

Em 1953 a Hora da Criança foi transformada em sociedade civil. Ocupou, provisoriamente, vários imóveis até a construção de sua sede definitiva, na Avenida Juracy Magalhães, onde mantém convênios com o estado e o município, oferecendo cursos de artes a cerca de 400 alunos carentes da rede pública de ensino. O programa radiofônico, acompanhado durante 35 anos por ouvintes de todo o estado, deixou de ir ao ar em 1978.

Com o fim do Estado Novo e a deposição de Getúlio Vargas, em 1945, o Brasil voltou à normalidade. Em 1947, os baianos elegeram Octavio Mangabeira para governá-los. Um dos mais notáveis educadores do país, Anísio Teixeira, foi designado para a Secretaria de Educação, para onde Adroaldo recorreu para poder realizar o seu sonho: teatralizar o livro “A Menina do Narizinho Arrebitado”, cujo autor, Monteiro Lobato, já havia lhe dado permissão por escrito.

Com os recursos liberados por Anísio Teixeira, Adroaldo iniciou os ensaios da opereta, com a participação de mais de 100 pequenos atores, estreantes na arte do palco, e a colaboração de amigos, como o Maestro Agenor Gomes, responsável pelos arranjos da trilha musical, e do professor Álvaro Zózimo, encarregado da cenografia, e de dezenas de dedicadas voluntárias, que trabalhavam unicamente por diletantismo, incumbidas da confecção do guarda-roupa e da disciplina nos camarins. Na noite da estreia, na plateia estava um convidado ilustre: o próprio Lobato, que depois de muitos anos deixou o seu sítio em Taubaté para ir a Salvador. Entusiasmado, após o espetáculo, o escritor já alimentava a ideia de levar a peça a São Paulo. Pouco meses depois, Lobato viria a falecer.

Narizinho, Emília, Pedrinho, Visconde de Sabugosa e o Príncipe Encantado voltaram aos palcos, interpretados por novos atores, em mais três temporadas. Adroaldo foi ainda autor de outras peças infantis: “Monetinho”, “Infância”, “Enquanto Nós Cantarmos” e “Timide”. Enveredou pela literatura, publicando “Conversas de Esquina” (coletânea de crônicas editadas pelo jornal “A Tarde”), “Oração à Juventude” e “Igarapé-História de Uma Teimosia”, narrando sua convivência com a infância. Suas composições foram gravadas em três discos (“Hora de Cantar”, “Navio Negreiro” e “Os 20 Anos da Hora da Criança”), além de  outro com suas canções interpretadas pelo Quarteto em Cy.

A veia jornalística de Adroaldo Ribeiro Costa começou a pulsar no começo da década de 50, escrevendo artigos para o jornal “O Imparcial”. Em 1955, ingressou em “A Tarde”, a convite do seu fundador, o jornalista Ernesto Simões Filho, com a missão de editar semanalmente um caderno infantil, que circulou por 20 anos. No 1º andar do centenário prédio da Praça Castro Alves Adroaldo acumulava suas funções iniciais com as de membro de uma equipe de elite, os editorialistas, aqueles que levavam ao leitor as matérias opinativas do prestigioso veículo de comunicação. Nas horas vagas, com o pseudônimo de Drodoala, Adroaldo vestia a camisa tricolor do Bahia e “duelava” com o fanático rubro-negro da Redação, Giovanni Guimarães, que se assinava GG. Adroaldo foi diretor da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) entre 1978 e 1984.

Uma das grandes paixões de Adroaldo foi o Bahia. O seu nome vai se perpetuar na história do clube como autor do hino que é um verdadeiro canto de incentivo da torcida tricolor. Composto em 1946, a marcha, que recebeu os arranjos do Maestro Agenor Gomes, se popularizou dez anos depois graças a uma gravação feita pela Banda do Corpo de Bombeiros. Posteriormente, o hino se tornou conhecido em todo o Brasil, através das vozes dos baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Betânia e Gal Costa; do instrumentista Armandinho e do trio elétrico Tapajós.

Nas décadas de 80 e 90, quando se brincava o autêntico carnaval de rua em Salvador, a canção era uma das mais executadas pelos trios elétricos, cantada efusivamente pela multidão, até mesmo pelos torcedores do Vitória. Adroaldo se recusou a escrever um hino para o Vitória, alegando falta de motivação. Ele abriu mão dos direitos autorais da obra, “em troca das alegrias que o Bahia tem me proporcionado”, dizia. A Fonte Nova testemunhou, após uma vitória do Bahia num Ba-Vi e a conquista de mais um título, Adroaldo arrancando tufos de grama do campo para guardar como se fosse um troféu.

Adroaldo Ribeiro Costa faleceu no dia 27 de fevereiro de 1984, aos 66 anos, na Rua Lelis Piedade, em Itapagipe, onde morou por muitos anos. Na rua, estacionado, o velho Citroen preto, fabricação francesa dos anos 40. Foi sepultado no Cemitério do Campo Santo. Sua biografia está sendo escrita pelo seu sobrinho, o médico e poeta Aramis Ribeiro Costa, ex-presidente da Academia Baiana de Letras.

A programação do centenário de nascimento de Adroaldo Ribeiro Costa inclui encenação de uma peça teatral, escrita e apresentada por ex-alunas da Hora da Criança, sob a coordenação da professora Ieda Olivaes; palestras do publicitário Fernando Passos e de Aramis Ribeiro Costa, respectivamente, na Rádio Metrópole e Assembleia Legislativa; exibição de um documentário no telão do Estádio da Fonte Nova, no dia 9, no intervalo do Ba-Vi; missa no dia 24, na igreja de Sant’ Ana, no Rio Vermelho; concerto da Orquestra Sinfônica da UFBª,  na Reitoria; realização do III Salão Infantil Baiano de Artes Plásticas, em parceria com a Escola de Belas Artes; abertura de uma página na internet para receber depoimentos de ex-integrantes da HC; organização de um seminário onde professores irão debater a metodologia educacional utilizada por Adroaldo.

Convivi, em duas ocasiões distintas, com Adroaldo Ribeiro Costa. Como aluno da Hora da Criança participei da segunda temporada de “Narizinho” e de “Enquanto Nós Cantarmos”. Anos mais tarde, repórter esportivo de “A Tarde”, na sede da Praça Castro Alves, trocava ideias com o meu ex-professor sobre uma paixão de ambos, o futebol.

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