Prof. Adroaldo, 100 anos
Carlos Albán González - jornalista
“Adroaldo?
Quem foi Adroaldo?” A pergunta foi feita na Governadoria, em Salvador, a
um dos membros da comissão organizadora das comemorações pela passagem
do centenário
de nascimento de Adroaldo Ribeiro Costa (Foto arquivo do jornal A Tarde), que ocorrerá no dia 13 de
abril. Como outros vultos importantes da Bahia, o Professor Adroaldo,
como era chamado, pertence a um passado, que, infelizmente, não é
preservado. As lembranças e a obra daquele que foi um
dos grandes educadores brasileiros vêm sendo mantidas por um grupo de
“jovens”, todos com mais de 60 anos, seus ex-alunos na Hora da Criança.
Jornalista,
advogado, teatrólogo, professor, escritor e compositor, Adroaldo foi,
mais do que tudo, um educador, que deveria ter um lugar reservado junto a
Darcy
Ribeiro (1922-1997), Anísio Teixeira (1900-1971), Florestan Fernandes
(1920-1995), Paulo Freire (1921-1997), Maria Nilde Mascellani
(1931-1999), Cristovam Buarque, Miguel Arroyo e Jaqueline Moll.
A
primeira grande contribuição de Adroaldo para a educação infantil foi o
lançamento de um programa de rádio. A “Hora Criança”, criada em 25 de
julho de 1943, deu
seus primeiros passos no auditório da Rádio Sociedade da Bahia,
localizado no Passeio Público, antes de se transferir para a Rua Carlos
Gomes, onde hoje funciona a Caixa Cultural, em Salvador. Quatro anos
mais tarde ele se tornaria o pioneiro do teatro infantil
no Brasil, encenando, em 22 de dezembro de 1947, no Teatro Guarani
(atualmente Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha, na Praça Castro Alves),
a opereta “Narizinho”, adaptada da obra do escritor paulista Monteiro
Lobato.
Adroaldo
Ribeiro Costa nasceu em Salvador, no dia 13 de abril de 1917. Sua
infância e parte da mocidade foram passados em Santo Amaro da
Purificação, onde cursou
o primário e o ginasial. No intervalo das aulas desenvolvia atividades
literárias, artísticas e esportivas, e colaborava com as publicações dos
grêmios estudantis. A cidade lhe concedeu em 1983 o título de Cidadão
Santo-amarense. Voltando à capital, Adroaldo
ingressou na Faculdade de Direito da UFBª, atendendo a um desejo
paterno. Diplomado, nunca chegou a exercer a advocacia. Sua vocação era
para o magistério. Lecionou Língua Portuguesa e História em
estabelecimentos de ensino particular, antes de ser nomeado
professor do Estado, tendo dirigido o Instituto Normal da Bahia, hoje
Isaias Alves, o Ginásio João Florêncio Gomes e o Serviço Estadual de
Assistência ao Menor (SEAM).
Interventor
entre 1942-1945 do governo Vargas na Bahia, o general Renato Onofre
Pinto Aleixo convidou Adroaldo para assumir o departamento de
rádio-teatro da Rádio
Sociedade, que estava sob a tutela do Estado. A criação da “Hora da
Criança” foi uma das inciativas do novo gestor. Pelo programa desfilaram
personalidades que marcaram a vida cultural, social e empresarial da
Bahia, por várias décadas. O compositor Gilberto
Gil (Beto) e sua sanfona; o Quarteto em Cy (Cyva, Cybele, Cylene e
Synara), Glauber Rocha, Paulo Gil Soares, Ângelo e Arnon Andrade, Nair
(Nairzinha) Lauria, Edvaldo Souza (Eddy Star), os irmãos González
Passos, Andrade Neto, Souza Castro e Humildes Reis;
Renato Pessoa, Remy de Souza, Ieda Olivaes, Fernando Passos, Jairo
Simões, Lúcia Spinelli, Risodalva, Suely Temporal, Íris Fróes, Marco
Oliveira, Mateus Russo, e muitos outros, que, por esquecimento, deixo de
mencionar.
Em
1953 a Hora da Criança foi transformada em sociedade civil. Ocupou,
provisoriamente, vários imóveis até a construção de sua sede definitiva,
na Avenida Juracy
Magalhães, onde mantém convênios com o estado e o município, oferecendo
cursos de artes a cerca de 400 alunos carentes da rede pública de
ensino. O programa radiofônico, acompanhado durante 35 anos por ouvintes
de todo o estado, deixou de ir ao ar em 1978.
Com
o fim do Estado Novo e a deposição de Getúlio Vargas, em 1945, o Brasil
voltou à normalidade. Em 1947, os baianos elegeram Octavio Mangabeira
para governá-los.
Um dos mais notáveis educadores do país, Anísio Teixeira, foi designado
para a Secretaria de Educação, para onde Adroaldo recorreu para poder
realizar o seu sonho: teatralizar o livro “A Menina do Narizinho
Arrebitado”, cujo autor, Monteiro Lobato, já havia
lhe dado permissão por escrito.
Com
os recursos liberados por Anísio Teixeira, Adroaldo iniciou os ensaios
da opereta, com a participação de mais de 100 pequenos atores,
estreantes na arte do
palco, e a colaboração de amigos, como o Maestro Agenor Gomes,
responsável pelos arranjos da trilha musical, e do professor Álvaro
Zózimo, encarregado da cenografia, e de dezenas de dedicadas
voluntárias, que trabalhavam unicamente por diletantismo, incumbidas
da confecção do guarda-roupa e da disciplina nos camarins. Na noite da
estreia, na plateia estava um convidado ilustre: o próprio Lobato, que
depois de muitos anos deixou o seu sítio em Taubaté para ir a Salvador.
Entusiasmado, após o espetáculo, o escritor
já alimentava a ideia de levar a peça a São Paulo. Pouco meses depois,
Lobato viria a falecer.
Narizinho,
Emília, Pedrinho, Visconde de Sabugosa e o Príncipe Encantado voltaram
aos palcos, interpretados por novos atores, em mais três temporadas.
Adroaldo
foi ainda autor de outras peças infantis: “Monetinho”, “Infância”,
“Enquanto Nós Cantarmos” e “Timide”. Enveredou pela literatura,
publicando “Conversas de Esquina” (coletânea de crônicas editadas pelo
jornal “A Tarde”), “Oração à Juventude” e “Igarapé-História
de Uma Teimosia”, narrando sua convivência com a infância. Suas
composições foram gravadas em três discos (“Hora de Cantar”, “Navio
Negreiro” e “Os 20 Anos da Hora da Criança”), além de outro com suas
canções interpretadas pelo Quarteto em Cy.
A
veia jornalística de Adroaldo Ribeiro Costa começou a pulsar no começo
da década de 50, escrevendo artigos para o jornal “O Imparcial”. Em
1955, ingressou em
“A Tarde”, a convite do seu fundador, o jornalista Ernesto Simões
Filho, com a missão de editar semanalmente um caderno infantil, que
circulou por 20 anos. No 1º andar do centenário prédio da Praça Castro
Alves Adroaldo acumulava suas funções iniciais com
as de membro de uma equipe de elite, os editorialistas, aqueles que
levavam ao leitor as matérias opinativas do prestigioso veículo de
comunicação. Nas horas vagas, com o pseudônimo de Drodoala, Adroaldo
vestia a camisa tricolor do Bahia e “duelava” com o
fanático rubro-negro da Redação, Giovanni Guimarães, que se assinava
GG. Adroaldo foi diretor da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) entre
1978 e 1984.
Uma
das grandes paixões de Adroaldo foi o Bahia. O seu nome vai se
perpetuar na história do clube como autor do hino que é um verdadeiro
canto de incentivo da torcida
tricolor. Composto em 1946, a marcha, que recebeu os arranjos do
Maestro Agenor Gomes, se popularizou dez anos depois graças a uma
gravação feita pela Banda do Corpo de Bombeiros. Posteriormente, o hino
se tornou conhecido em todo o Brasil, através das vozes
dos baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Betânia e Gal Costa; do
instrumentista Armandinho e do trio elétrico Tapajós.
Nas
décadas de 80 e 90, quando se brincava o autêntico carnaval de rua em
Salvador, a canção era uma das mais executadas pelos trios elétricos,
cantada efusivamente
pela multidão, até mesmo pelos torcedores do Vitória. Adroaldo se
recusou a escrever um hino para o Vitória, alegando falta de motivação.
Ele abriu mão dos direitos autorais da obra, “em troca das alegrias que o
Bahia tem me proporcionado”, dizia. A Fonte
Nova testemunhou, após uma vitória do Bahia num Ba-Vi e a conquista de
mais um título, Adroaldo arrancando tufos de grama do campo para guardar
como se fosse um troféu.
Adroaldo
Ribeiro Costa faleceu no dia 27 de fevereiro de 1984, aos 66 anos, na
Rua Lelis Piedade, em Itapagipe, onde morou por muitos anos. Na rua,
estacionado,
o velho Citroen preto, fabricação francesa dos anos 40. Foi sepultado
no Cemitério do Campo Santo. Sua biografia está sendo escrita pelo seu
sobrinho, o médico e poeta Aramis Ribeiro Costa, ex-presidente da
Academia Baiana de Letras.
A
programação do centenário de nascimento de Adroaldo Ribeiro Costa
inclui encenação de uma peça teatral, escrita e apresentada por
ex-alunas da Hora da Criança,
sob a coordenação da professora Ieda Olivaes; palestras do publicitário
Fernando Passos e de Aramis Ribeiro Costa, respectivamente, na Rádio
Metrópole e Assembleia Legislativa; exibição de um documentário no telão
do Estádio da Fonte Nova, no dia 9, no intervalo
do Ba-Vi; missa no dia 24, na igreja de Sant’ Ana, no Rio Vermelho;
concerto da Orquestra Sinfônica da UFBª, na Reitoria; realização do III
Salão Infantil Baiano de Artes Plásticas, em parceria com a Escola de
Belas Artes; abertura de uma página na internet
para receber depoimentos de ex-integrantes da HC; organização de um
seminário onde professores irão debater a metodologia educacional
utilizada por Adroaldo.
Convivi,
em duas ocasiões distintas, com Adroaldo Ribeiro Costa. Como aluno da
Hora da Criança participei da segunda temporada de “Narizinho” e de
“Enquanto Nós
Cantarmos”. Anos mais tarde, repórter esportivo de “A Tarde”, na sede
da Praça Castro Alves, trocava ideias com o meu ex-professor sobre uma
paixão de ambos, o futebol.
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