Velhos, eis a questão
Alberto David“Como difícil é salvar a casca da reputação das pedras da ignorância” - Petrarca
Desde os tempos de rapazinho, em vez de ir às festas , tomar os chopes, ir paquerar, como é peculiar à mocidade, preocupava-me com outra coisa, com a complexidade da vida, a começar pelas desigualdades sociais e etc. e tal. É por isso me viam como um jovem diferenciado, mas, na verdade, eu queria entender melhor e tirar minhas conclusões.
Certa vez, em plena época de carnaval, fui chamado a atenção de um amigo cliente do posto de gasolina no qual trabalhava , que foi de meu pai, onde fui bombeiro ( hoje se diz frentista). Ele me chamou e disse: ” Poxa, frentista, você em vez de estar no clube brincando o carnaval, fica com este macacão sujo de graxa atendendo à freguesia em plena festa. Hoje à noite tem mais um grito de carnaval, seu pai é um homem bem-sucedido e ainda sócio patrimonial do Clube Social e você fica ai marcando bobeira” – disse o amigo . Após abastecer o automóvel, disse a ele: “Hoje à noite dou um pulinho por lá!”. E fui ao grito de carnaval, peguei o carro de meu pai, um Austin inglês, e fui ao clube. Para quem não tem conhecimento, nesta época já havia carros importados por aqui.
Muito tímido, quando rapazinho, ficava nos cantos do clube e não pulei nada. A timidez me congelava e eu virava uma estatua , achava que as garotas não queriam nada comigo, só com os outros, mesmo sob os olhares delas. Já que o tempo passou, não vão me chamar de pernóstico ou de “Narciso”, como uma lenda , dizem que eu era um rapaz muito bonito. Não deu mesmo para voltar as outras noites carnavalescas, achei o grito esquisito, tudo esquisito, muito esquisito, o povo pulando , se agarrando…, mas foi ali que me descobri poeta. No percurso de volta para a minha casa, percebi um homem jogado ao relento sob aquele frio sueco de Conquista e eu ali de carro, bem agasalhado… Não me lembro do que se passou, sei que fiquei chocado com a cena. Aquilo não me saiu da cabeça! Já era madrugada e queria dizer alguma linha sobre o fato, mas como, se não havia escrito nem um verso antes? Foi quando peguei uma caneta e comecei a escrever, tinha que dar um título para ver se acontecia algo e me veio: “ Desespero do Mendigo”. Fiz o poema que iria marcar a minha carreira como poeta.
Sempre digo às pessoas que sou autodidata da vida e das artes, o que sei aprendi perguntando, mesmo sabendo da resposta. Temo em perguntar as coisas que não sei e até mesmo as que já sei, mas pergunto para minha enquete.
Lembram-se do pintor Gauguim que ficou imortal quando perguntou a si mesmo: “De onde viemos ? O que somos e para onde Vamos ?”. Sofri bastante com minhas dúvidas sobre o mundo, as pessoas, ou melhor, aonde fui parar, tentando consertar a vida , coitado de mim e iria acabar tomando cicuta também, cicuta do Paraguai ! Para não pensar que estou me assemelhando a Sócrates, se não parasse com tantas perguntas e indagações, até porque tudo no meu inicio de pensador coincidiu. Em 64, na época do Golpe Militar, pensei, obviamente, em tomar cicuta, mas refleti e cheguei à conclusão que isso não era comigo. Decidi seguir o conselho daquele velho amigo que um dia me disse: “ Deixa de ser tolo e vai brincar o carnaval! La tá cheio de garota e você é um menino bonito !”
Mas as gasturas iam e viam, eu fazia vista grossa no que via e deixava passar em branco. Era a minha cachaça… é difícil parar assim, quando se têm determinadas coisas que me incomodam bastante .Virei pensador ainda muito jovem, diferentemente dos pensadores de outrora. Estas linhas vêm a calhar com os sábios que, na maioria, eram senhores de idade avançada e, com suas trajetórias, adquiriram experiências desde os tempos da mocidade
E o que me incomoda , nos tempos de hoje , a todo instante, é o modo e o tratamento que fazem de chamar de “velhos”, um adjetivo pejorativo , como uma coisa descartável, ou seja, a partir de determinada idade, é como se algumas pessoas, não servissem para mais nada, daí inventam encontros de idosos, termo que serve agora para mascarar o adjetivo “velho”. As reuniões das lembranças de outrora que não voltam mais, rodinhas, marchas de mãozinhas dadas e outras coisas que, na verdade, trazem melancolias . As pessoas não se enxergam. Se olharmos para trás, até mesmo antes de Cristo, deparamo-nos com homens que, quanto mais envelhecem, mais procuram o conhecimento e tornam-se sábios , conselheiros, ativos, exímios professores da vida, com todas as “pós- graduações” autodidatas que se podem imaginar . Daí o porquê do meu preâmbulo, desde cedo procurei conhecer, ter conhecimentos perguntando, perguntando… A vida não volta atrás.
Sócrates era considerado pelos seus contemporâneos um dos homens mais sábios e inteligentes, levava o conhecimento sobre as coisas do mundo e do ser humano de maneira simplória para que todos entendessem. Ele não foi muito bem aceito, pois defendia algumas ideias contrárias aos regimentos arbitrários e costumes que não ajudavam no desenvolvimento da cultura grega. Suas qualidades de orador e sua inteligência também colaboraram para o aumento de sua popularidade. E com isso, passa a ser encarado como um inimigo público e um agitador em potencial. Foi preso, acusado de pretender subverter a ordem social, foi condenado a suicidar-se tomando um veneno, isso em 399 a.C .
Hoje vemos que quase ninguém mais se importa com a valorização do ser humano, a busca e construção do próprio conhecimento, especialmente os jovens que, ao contrário disso, prevalecem na ignorância. Se procurassem seu lugar, não tratariam os mais experientes como “velhos”. Falando em ” velhos “, vemos na enciclopédia da vida que os grandes gênios da humanidade tiveram suas verves, produções artísticas, com uma idade avançada, nunca foram velhos, e sim senhores, e sim sábios . Um exemplo desses senhores é, como já mencionei anteriormente, Sócrates que se desenvolveu mais na curiosidade, nas rodas de gente , perguntando indagando o povo e fazendo disso uma maneira de adquirir conhecimentos. Eis alguns de seus pensamentos:
A vida que não passamos em revista não vale a pena viver.
A palavra é o fio de ouro do pensamento.
É melhor fazer pouco e bem do que muito e mal.
A ociosidade é que envelhece, não o trabalho.
Chamo de preguiçoso o homem que podia estar melhor empregado.
Há sabedoria em não crer saber aquilo que tu não sabes.
Não penses mal dos que procedem mal; pense somente que estão equivocados.
A verdade não está com os homens, mas entre os homens.
Quatro características deve ter um juiz: ouvir cortesmente, responder sabiamente, ponderar prudentemente e decidir imparcialmente.
Sob a direção de um forte general, não haverá jamais soldados fracos.
Todo o meu saber consiste em saber que nada sei.
Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo de Deus.
As duas cartas de amor mais difíceis de escrever são a primeira e a última.
Outro exemplo de ” Sábio” é Francesco Petrarca que nasceu em Arezzo, Itália, no dia 20 de julho de 1304. Durante sua vida, obteve grande influência de um fato curioso de sua vida – Laura, um grande amor e musa inspiradora. Petrarca Faleceu em 19 de julho de 1374, vítima de malária. Era também um pensador. E aí me interrogo: precisa de mais exemplos para fecharmos o mote? Acredito que não .
A maioria dos seres humanos que passou pela vida e se dedicou ao aprender não pode ser “velho”, e sim “sábio” ; mas o que vemos é a ignorância perpetuando na cabeça dos que não querem conhecer a vida como deveriam.
Não há incoerência no que este escriba diz, mas objetivando acredito que minha culpa vem dos que vão se envelhecendo e deixando o seu poder de estabelecer seus valores , seus brios , sua honra. Por outro, a ignorância é a outra parte da laranja. Dos poderes das leis que punem aqueles que passam da meia idade , a dificuldade mais ainda das oportunidades de uma colocação , dos seus próprios semelhantes que criaram o hábito de acharem que a história deles se acaba ainda em pouca idade . Dos projetos que prejudicam tantos homens inteligentes, sábios das suas próprias vidas, mas que se deixaram levar pela ociosidade, sedentarismo e, às vezes, este lhe faltou a bandeira . E então, é até um modo de dizer, que o Brasil é um país de “velhos “. Temos outros exemplos que maltratam a lucidez, como chamar de velha a poeta Cora Coralina, ou um velho arquiteto que faleceu com seus 100 anos, até mesmo irmã Dulce. Ou dos outros que marcaram suas vidas na historia da humanidade – Charlie Chaplin… Destrataríamos com a pecha de velhos assim ou mesmo aqueles que não foram sábios, poetas , pintores ,mas pessoas comuns que, com certa idade, já não produzem como antes? Não prestam mais para nada?
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