Nando da Costa Lima
O frio tava de lascar, mas Sílvio
tinha que tomar aquele banho de cuia na única pensão que ele achou disponível,
não podia se apresentar ao presidente do time sujo daquele jeito. E afinal de
contas, mesmo sendo um time de 3ª divisão, ele era um profissional e foi
contratado pra ajudar a melhorar aquele clube, era um goleador. Sílvio já
estava com 40 anos (mas falava que tinha 34) e nunca tinha feito nada na vida a
não ser jogar bola. E apesar da idade um pouco avançada, ele nem sonhava em
pendurar as chuteiras, se fizesse isso ia ter que virar morador de rua pois
além de nunca ter estudado, não sabia trabalhar com nada. Seu melhor momento
como jogador foi quando tinha 18 anos e conseguiu jogar 10 minutos num time
grande do Sul onde ele chegou a treinar. Desse dia pra cá ele jogou em vários
times, mas nunca conseguiu se firmar em nenhum, a bola era pequena e a
arrogância enorme. Se achava um craque perseguido pelos cartolas. Tão
perseguido que a essas alturas (40 anos) tava jogando num timeco que nem sede
tinha, o time pagava o hotel e um salário pra cada atleta, graças a boa vontade
do comércio e dos fazendeiros da região. E mesmo nesse miserê todo, Sílvio
aindatava preocupado em perder a vaga prum atacante dois anos mais novo que ele
só porque o sacana fez cinco gols no treino. Só que ele, ultimamente, tava
treinando mal e jogando pior. E o coitado já tava ficando ridículo com aquele
corte moicano e o cabelo tingido de preto pra dar a impressão de que tinha
menos de 30 anos.
Tinha saído da terra natal garantindo
que só voltava com um carro importado e muito dinheiro pra ajudar os parentes e
amigos, deixou até a mulher grávida do primeiro filho. Já tinha tanto tempo que
não ia na cidade que o povo acabou esquecendo do atleta, até a esposa casou de
novo. O filho de Sílvio já era um rapaz, e apesar de a mãe ser totalmente
contra, Juninho não largava a bola pra nada... Mas ele era realmente bom,
chutava com os dois pés e driblava commuita
elegância. E acabou seguindo o destino do pai que ele nem chegou a
conhecer. E hoje, deitado numa cama de uma pensão de 3ª categoria, Juninho já
com mais de 30 esperava a resposta de um time amador pra ver se ganhava uns
trocados pra pagar a pensão cuja dona já estava pra botar ele pra fora. A situação
já estava insuportável, a velha não podia ver o "atleta" que
resmungava pra todo mundo ouvir: "Que jogador que nada, esse merda nunca
foi nem entrevistado... Jogador é Neymar, Robinho, Romário, estes sim, aonde
chegam os repórteres não deixam nem andar de tanto assédio".
E infelizmente é assim que acaba a
grande maioria dos nossos jogadores que não conseguem cair nas graças do povo.
Os coadjuvantes sempre acabam morando numa pensão de 3ª e jogando num time de
5ª categoria. Grande parte dos artistas que movimentam o espetáculo é triste,
são raros os que nasceram para brilhar. E a cachaça passa a ser a parceria
diária pra relembrar os poucos momentos de glória do passado e apagar a triste
realidade do presente. Futebol é como distribuição de renda: os ricos ficam com
quase tudo e o resto fica com o resto.
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