sábado, 18 de março de 2017

COLUNISTA DO ESTADÃO:

A mentira como arma

José Álvaro Moisés - PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA UNIVERSIDADE DE S.PAULO



Na guerra que trava contra o governo de Michel Temer, a tropa petista, formada pelos sindicatos e pelos movimentos ditos sociais, com o general Lula da Silva à frente, parece só ter a mentira como arma.
A estratégia tem sido essa desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff, qualificado pela tigrada como “golpe”, ainda que o processo tenha respeitado integralmente o que está previsto na Constituição. Depois, na votação da mudança constitucional que instituiu um teto para os gastos públicos, a turma tratou de espalhar que a medida tiraria dinheiro da saúde e da educação, mas basta uma simples espiada no texto aprovado para ver que isso não é verdade.
O alvo agora é a reforma da Previdência, usada como pretexto para tentar desestabilizar o governo e sabotar os esforços para reequilibrar as contas públicas, destruídas durante os mandatos petistas. Um vídeo do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), narrado pelo ator Wagner Moura e divulgado no dia 13 passado, resume toda a artilharia desse exército de irresponsáveis. A peça afirma que “querem que você morra sem se aposentar”. Ou seja, a ideia é denunciar que a reforma da Previdência vai, em resumo, acabar com as aposentadorias: “A reforma interessa apenas aos donos do dinheiro no País e ataca duramente os trabalhadores. Eles querem acabar com o direito à aposentadoria para milhões de brasileiros e brasileiras”.
A essa descarada inverdade se somam outras de igual calibre. Ao criticar a proposta de idade mínima de 65 anos para a aposentadoria, por exemplo, o vídeo diz que, no Brasil, “muitos morrem antes disso”, de modo que “vão transformar o INSS numa funerária”. Ora, a esta altura já deveria estar claro que a idade mínima para a aposentadoria é calculada não com base na expectativa de vida ao nascer, como fazem, maliciosamente, as milícias petistas nas redes sociais, nas universidades e no mundo artístico, mas sim com base na expectativa de sobrevida, isto é, quantos anos mais o indivíduo vive a partir de determinada idade. Segundo o IBGE, a sobrevida de quem tem 65 anos é, em média, de 18 anos.
O vídeo é apenas uma pequena parte da saraivada de patranhas contra a reforma. Os sindicatos ligados ao PT tentaram paralisar diversas capitais do País, por meio de greves em serviços de transporte, para obrigar os cidadãos a ouvir suas palavras de ordem, tendo como estrela o próprio Lula, que, do alto de um carro de som, gritou que “o golpe” se presta a “acabar com conquistas da classe trabalhadora”.
O governo está enfrentando muitas dificuldades para travar essa guerra de comunicação. Em primeiro lugar, não é fácil defender propostas que adiam a aposentadoria de muitos brasileiros, enquanto do lado de lá da barricada uma hoste de irresponsáveis acha possível manter tudo como está. Para complicar, há também o ativismo judicial. Uma juíza federal de Porto Alegre mandou suspender uma campanha do governo sobre a reforma da Previdência alegando que configura “uso inadequado de recursos públicos” e “viola os princípios democráticos” ao reforçar os argumentos a favor das mudanças e “enfraquecer os argumentos diferentes”. Ou seja, enquanto Lula e sua trupe ficam à vontade para denunciar uma reforma da Previdência que não existe, o governo não pode defender as medidas que propõe.
Quando o PT estava no governo, Lula e Dilma defenderam enfaticamente a reforma da Previdência. Em seu primeiro ano de mandato, o chefão petista conseguiu aprovar o que deveria ter sido o começo de uma significativa reforma. No início de 2016, Lula chegou a argumentar a favor do aumento da idade mínima. “A Previdência, de vez em quando, deve ser reformada. Quando a lei foi criada, se morria com 50 anos. Hoje, a expectativa de vida é de 75 anos”, explicou, didaticamente, o ex-presidente.
Portanto, até Lula concorda que é preciso mudar a Previdência. Como diz o vídeo delinquente do MTST, “ainda dá tempo, antes que acabem com o nosso futuro”. O primeiro passo para isso é enfrentar, com coragem e sem trégua, os mentirosos.
JOSÉ ÁLVARO MOISÉS*

O sistema político brasileiro precisa ser urgentemente reformado. O modelo de financiamento de campanhas eleitorais vigente até há pouco, baseado principalmente na participação de empresas privadas, alimentou a corrupção, degradou o sistema e desequilibrou a competição eleitoral. Agora, sob o impacto das revelações da Operação Lava Jato, a urgência se reatualizou, pois o modelo de financiamento não está resolvido. Mas o momento é adequado para a reforma? Ela não será feita sob a égide do instinto de autodefesa dos citados em delações da Odebrecht e outras empresas que corromperam a Petrobrás?
O risco é evidente. As recentes articulações do presidente Michel Temer com o ministro Gilmar Mendes, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e os presidentes Eunício Oliveira, do Senado, e Rodrigo Maia, da Câmara dos Deputados – os últimos dois incluídos nas delações –, iniciadas por ocasião do envio da segunda lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF), suscitaram dúvidas extremamente preocupantes. Os Poderes da República precisam, sem dúvida, interagir e se entender para tirar o País da crise. Mas sobre isso, por que esses atores não agiram antes? Por que deixaram sem resposta os clamores da sociedade, que, desde 2013, sinalizou a sua insatisfação, se não com a democracia, com os governos do dia e com o funcionamento das instituições de representação?
O problema é que não existe um momento ideal para a reforma ser feita. Sempre haverá forças políticas a querer influenciá-la em defesa de seus interesses. E o argumento de suposta ilegitimidade do governo e do Congresso para enfrentar a questão é pueril, além de ser conceitualmente equivocado. O presidente Michel Temer e a maioria dos membros do Parlamento são impopulares, mas não é isso que define a sua legitimidade institucional, pois eles foram conduzidos às suas funções atuais pelo voto popular. Aliás, é por isso que no caso do processo de abuso de poder nas eleições de 2014, em exame pelo TSE, Temer é citado ao lado da ex-presidente Dilma Rousseff, e não em separado, pois ambos foram eleitos pelos mesmos eleitores numa chapa comum.
No caso da reforma, o que importa saber é do que se trata, ou seja, qual é a sua natureza. É isso que define sua pertinência. Nesse sentido, algumas questões são mais importantes do que outras: em primeiro lugar, é preciso ter claro que manter a proibição da influência do poder econômico nas eleições é fundamental. Como decidiu a maioria do STF em 2015, empresas não são cidadãos e não devem ter o direito de influir em eleições. Mas a alternativa do financiamento público precisa ser examinada com cuidado. A proposta que galvaniza o apoio dos políticos, no momento, é a que mudaria o sistema de representação proporcional com lista aberta para o de lista fechada. Isso pode ser positivo se vier a facilitar o fortalecimento dos partidos e a devida apresentação de seu perfil programático aos eleitores, cuja escolha, a exemplo do que ocorre em outras democracias, se tornaria mais qualitativa.
Mas, formulada para defender os políticos da Lava Jato, pode acabar fraudando a reforma. Isso por duas razões: primeiro, porque as decisões partidárias são tomadas, na maioria dos casos, de modo autocrático, sem garantir a liberdade de escolha de alternativas fora do desejo de suas oligarquias; e, segundo, porque a ideia de lista preordenada, destinada a reservar lugar prioritário aos atuais parlamentares – muitos dos quais querem manter o foro privilegiado para melhor se defenderem de suas acusações –, é anticonstitucional, pois quebra a isonomia com que os membros dos partidos podem disputar seu direito de se candidatar a cargos públicos.
Afora isso, é preciso ter em conta que ao lado dos problemas de financiamento de campanhas há outras distorções que comprometem o desempenho das instituições de representação. É o caso, em especial, do sistema de coligações eleitorais, cujos resultados tornam a escolha dos eleitores muitas vezes oposta à sua vontade original. Por outro lado, o fato de o voto de eleitores de alguns Estados valer mais que o de outros – por causa dos tetos de representação – agrava ainda mais a distância entre representados e representantes. A isso se somam características do voto em lista aberta, que, além de estimular a competição de candidatos do mesmo partido, enfraquece o sistema partidário em seu conjunto. Essas questões têm de estar na agenda da reforma.
Por último, duas questões importantes que também precisam ser examinadas pelo Congresso. Por uma parte, o debate atual não está dando atenção à necessidade imprescindível de limitar os gastos das campanhas. Não faz nenhum sentido que um país como o Brasil gaste as somas astronômicas registradas nas eleições majoritárias de 2014. Por outro lado, a reforma do sistema eleitoral precisa estar conectada com a necessidade de se resolver a fragmentação partidária atual, cujos efeitos dificultam a governabilidade. Para isso o Congresso tem de reexaminar as propostas de cláusula de barreira, ou de representação, para os partidos políticos. Isso levaria a que o sistema partidário brasileiro se consolidasse num patamar mais razoável, longe dos mais de 30 partidos de hoje.
Sem essas mudanças a reforma poderá ampliar a frustração e a crítica dos cidadãos ao sistema político. É certo que a democracia não está em questão no Brasil, mais de dois terços de entrevistados de pesquisas de opinião a defendem; o que está em questão é a sua qualidade e para enfrentar isso a reforma do sistema político é imprescindível. Mas, em vez de deixar para os políticos sozinhos a tarefa, os eleitores e a opinião pública precisam se envolver e acompanhar em que direção a reforma está sendo conduzida, sob pena de serem enganados.
* JOSÉ ÁLVARO MOISÉS É PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar neste blogue

Blog Cidade em Foco