Brasil de volta ao clube dos grandes produtores de diamante
Danielle Nogueira - O Globo - Tesouro. Mina da belga Lipari, em Nordestina (BA), única produção de diamante primário no Brasil - Divulgação
RIO - Após a descoberta na cidade de Nordestina, no interior
da Bahia, de uma reserva de diamante capaz de multiplicar a produção
nacional da pedra preciosa numa escala superior a dez vezes, o país
voltou a ficar na mira de investidores. Ao menos três empresas estão
prospectando a pedra preciosa no país — na Bahia, em Goiás e em Minas
Gerais — num movimento que deve colocar o Brasil de volta no mapa
mundial dos diamantes. Um mercado seleto, com apenas 21 nações
produtoras e que em 2015 movimentou US$ 13 bilhões.
O Brasil já liderou a produção global de diamante no século XVIII e, hoje, representa ínfimo 0,02% desse mercado, ocupando a 19ª posição do ranking, capitaneado pelos russos. Considerando o pico de produção na mina de Nordestina, em 2020, estimado em 400 mil quilates, o Brasil será alçado ao 11º lugar, mantida estável a produção dos demais países. Em 2015, foram produzidos 127,4 milhões de quilates de diamantes no mundo.
Paralelamente à chegada de novos investidores, está em fase final de revisão um levantamento do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), órgão do governo federal, com áreas potenciais para exploração de diamantes.
O projeto Diamante Brasil identificou 1.344 dos chamados corpos kimberlíticos e rochas associadas, reunidos em 23 campos. É nessas áreas de nome esquisito que se encontra o diamante primário, incrustado em rochas e cuja produtividade é bem maior que a do diamante secundário, geralmente encontrado nos rios.
É sobre esse mapa da mina que as empresas estão se debruçando atrás de novas jazidas. Uma atividade cara e de risco. Estima-se que apenas 1% dos corpos kimberlíticos tenha diamantes economicamente viáveis. No mundo, pouco mais de 20 jazidas de kimberlíticos estão em produção. Até ano passado, o Brasil estava fora dessa estatística. Produzia somente diamantes secundários, muito explorados por cooperativas de garimpeiros.
A descoberta de Nordestina mudou o cenário. Em meados de 2016, deu-se início a primeira produção comercial de diamante primário no Brasil. Liderada pela belga Lipari, a produção deve alcançar este ano 220 mil quilates — em 2015, último dado fechado, a produção nacional havia sido de 31 mil quilates.
Segundo o canadense Ken Johnson, presidente da empresa, as terras onde a Lipari prospecta diamantes foram adquiridas da sul-africana De Beers, em 2005. Desde então, foram investidos R$ 214 milhões. A produção será exportada.
— O trabalho na mina é de 24 horas por dia. Temos 270 funcionários e devemos chegar a 290 empregados no fim do ano. E isso é só o começo. Estamos olhando outras áreas em Rondônia e Minas Gerais — diz Johnson.
DESCOMPASSO ENTRE OFERTA E DEMANDA
O diamante é feito de carbono e é formado na base da crosta terrestre, a pelo menos 150 quilômetros de profundidade. Para que se forme, é necessário que esteja em ambiente estável, com elevadíssimas temperaturas e determinadas condições de pressão. Com a movimentação no interior da Terra, há liberação de energia. O magma, então, busca uma válvula de escape e aproveita falhas geológicas para chegar à superfície. O diamante “pega carona” no magma.
— Quando esse percurso é feito em poucas horas ou poucos dias, o que é bastante raro, o diamante é preservado. Caso contrário, desestabiliza-se e vira grafite — explica a geóloga Lys Cunha, uma das chefes do projeto Diamante Brasil.
Ao chegar à superfície, o magma se solidifica e forma as chamadas rochas kimberlíticas. O diamante primário fica incrustado nessas rochas. Com o passar do tempo, as rochas sofrem processo de erosão e o diamante acaba sendo carregado para outras áreas, alojando-se ao longo de rios. Nesse caso, passa a ser chamado de diamante secundário. Segundo empresários e especialistas, não há diferença de qualidade entre eles. O que muda são os meios de extração empregados e a sua produtividade.
— O diamante secundário tem uma produção errática, pois fica mais espalhado. Além disso, não se costuma cavar mais de 15 metros a 20 metros de profundidade para encontrá-lo. Já o diamante primário fica mais concentrado. No processo de extração, pode-se perfurar de 200 metros a 300 metros de profundidade, o que exige uma produção bastante mecanizada e investimento bem maior. O volume de produção também é muito superior — explicou Francisco Ribeiro, sócio da Gar Mineração. — Por isso, temos a oportunidade de voltar a ocupar posição de destaque no ranking global.
A história do diamante no Brasil remonta ao século XVIII. Não se sabe ao certo quando houve a primeira descoberta, mas historiadores apontam o ano de 1729 como o que o então governador da capitania de Minas Gerais, Dom Lourenço de Almeida, oficializou a existência das minas à metrópole. Até então, as descobertas da pedra preciosa corriam à boca pequena e enriqueciam quem se aventurava na clandestinidade.
Com a Coroa ciente, a produção no então Arraial do Tijuco (atual Diamantina, Minas Gerais) ganhou novo impulso e o Brasil assumiu a liderança mundial do diamante, desbancando a Índia. Durante quase 150 anos, manteve a dianteira. Em 1867, a descoberta de um diamante nos arredores de Kimberley, na África do Sul, levou a uma corrida pela pedra preciosa no país. O Brasil, então, perdeu a hegemonia e está hoje na lanterna da produção global, à frente apenas de Costa do Marfim e Camarões.
NOS EUA, PEÇA ESSENCIAL DO NOIVADO
Desde 2010, a produção mundial está estacionada na faixa dos 130 milhões de quilates. Recente relatório da consultoria Bain&Company, porém, estima que a demanda vai crescer a um ritmo de 2% a 5% ao ano até 2030, embalada pelo consumo da classe média americana e chinesa. Cobiçado por casais apaixonados, o diamante brilha com frequência em joias que os maridos americanos dão a suas esposas. Pesquisa mostra que 71% dos americanos nascidos entre os anos 1980 e 2000 consideram o diamante um elemento essencial do anel de noivado.
A oferta de diamantes, no entanto, não deve acompanhar a retomada do consumo. A consultoria projeta queda de 1% a 2% por ano na produção da pedra até 2030, devido ao esgotamento das minas. É nesse desequilíbrio que está a oportunidade para o Brasil voltar ao clube.
— O Brasil, de alguma forma, foi ignorado pelos maiores produtores e a oportunidade de identificar e desenvolver novas minas é única. Em uma recente viagem a Antuérpia, houve empolgação quanto à qualidade dos diamantes brasileiros. O país tem chance de voltar a figurar entre os líderes da produção global de novo — diz Joe Burke, diretor de Marketing da Five Star Diamond.
A empresa foi fundada por um geólogo australiano, que se associou a investidores estrangeiros e a um advogado brasileiro. Juntos, compraram áreas em diferentes regiões no Brasil para prospectar diamante. Segundo Burke, em 15 dos cerca de cem corpos kimberlíticos que a companhia tem no portfólio há grande chance de ocorrência de diamante. A Five Star já levantou US$ 7 milhões com investidores e se prepara para listar a empresa no mercado de capitais canadense. A produção no Brasil deve começar em Goiás, onde o projeto está mais avançado, no fim do ano.
BUROCRACIA E FALTA DE SEGURANÇA
A ausência de guerras civis e religiosas no Brasil é apontada por fontes do setor como um atrativo. A exploração da pedra preciosa sempre levantou polêmica porque costumava ser usada para financiar conflitos civis na África. Com o filme “Diamante de sangue”, estrelado por Leonardo DiCaprio em 2006, a crueldade das guerras e a associação à produção do diamante se tornaram mundialmente conhecidos.
O diamante produzido legalmente no Brasil e em outros países, no entanto, segue o processo de certificação Kimberley, espécie de atestado de origem criado justamente para inibir o comércio ilegal. A burocracia no país para emitir os certificados, no entanto, é uma trava na expansão do mercado, alertam empresários. Antes de ser exportado, o diamante precisa ser pesado, medido e analisado. Isso é feito por um funcionário do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) em uma unidade regional do órgão.
Como o certificado precisa da assinatura do diretor-geral do DNPM e o sistema não é informatizado, ele é enviado por Sedex até Brasília, sede da instituição, e retorna ao produtor igualmente pelo correio. O processo leva de dez a 15 dias, segundo João da Gomeia Silva, da coordenação de ordenamento e extração mineral do DNPM.
Durante esse período, os diamantes ficam em cofres das próprias empresas produtoras ou de seguradoras, trazendo risco à segurança das companhias e dos funcionários. Mês passado, a Lipari foi invadida e teve parte de sua produção roubada. Se depender da agilidade do poder público, as mineradoras continuarão vulneráveis.
— O DNPM está na era digital. Até 2018, a ideia é eliminar o papel — diz Silva.
O Brasil já liderou a produção global de diamante no século XVIII e, hoje, representa ínfimo 0,02% desse mercado, ocupando a 19ª posição do ranking, capitaneado pelos russos. Considerando o pico de produção na mina de Nordestina, em 2020, estimado em 400 mil quilates, o Brasil será alçado ao 11º lugar, mantida estável a produção dos demais países. Em 2015, foram produzidos 127,4 milhões de quilates de diamantes no mundo.
Paralelamente à chegada de novos investidores, está em fase final de revisão um levantamento do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), órgão do governo federal, com áreas potenciais para exploração de diamantes.
O projeto Diamante Brasil identificou 1.344 dos chamados corpos kimberlíticos e rochas associadas, reunidos em 23 campos. É nessas áreas de nome esquisito que se encontra o diamante primário, incrustado em rochas e cuja produtividade é bem maior que a do diamante secundário, geralmente encontrado nos rios.
É sobre esse mapa da mina que as empresas estão se debruçando atrás de novas jazidas. Uma atividade cara e de risco. Estima-se que apenas 1% dos corpos kimberlíticos tenha diamantes economicamente viáveis. No mundo, pouco mais de 20 jazidas de kimberlíticos estão em produção. Até ano passado, o Brasil estava fora dessa estatística. Produzia somente diamantes secundários, muito explorados por cooperativas de garimpeiros.
A descoberta de Nordestina mudou o cenário. Em meados de 2016, deu-se início a primeira produção comercial de diamante primário no Brasil. Liderada pela belga Lipari, a produção deve alcançar este ano 220 mil quilates — em 2015, último dado fechado, a produção nacional havia sido de 31 mil quilates.
Segundo o canadense Ken Johnson, presidente da empresa, as terras onde a Lipari prospecta diamantes foram adquiridas da sul-africana De Beers, em 2005. Desde então, foram investidos R$ 214 milhões. A produção será exportada.
— O trabalho na mina é de 24 horas por dia. Temos 270 funcionários e devemos chegar a 290 empregados no fim do ano. E isso é só o começo. Estamos olhando outras áreas em Rondônia e Minas Gerais — diz Johnson.
DESCOMPASSO ENTRE OFERTA E DEMANDA
O diamante é feito de carbono e é formado na base da crosta terrestre, a pelo menos 150 quilômetros de profundidade. Para que se forme, é necessário que esteja em ambiente estável, com elevadíssimas temperaturas e determinadas condições de pressão. Com a movimentação no interior da Terra, há liberação de energia. O magma, então, busca uma válvula de escape e aproveita falhas geológicas para chegar à superfície. O diamante “pega carona” no magma.
— Quando esse percurso é feito em poucas horas ou poucos dias, o que é bastante raro, o diamante é preservado. Caso contrário, desestabiliza-se e vira grafite — explica a geóloga Lys Cunha, uma das chefes do projeto Diamante Brasil.
Ao chegar à superfície, o magma se solidifica e forma as chamadas rochas kimberlíticas. O diamante primário fica incrustado nessas rochas. Com o passar do tempo, as rochas sofrem processo de erosão e o diamante acaba sendo carregado para outras áreas, alojando-se ao longo de rios. Nesse caso, passa a ser chamado de diamante secundário. Segundo empresários e especialistas, não há diferença de qualidade entre eles. O que muda são os meios de extração empregados e a sua produtividade.
— O diamante secundário tem uma produção errática, pois fica mais espalhado. Além disso, não se costuma cavar mais de 15 metros a 20 metros de profundidade para encontrá-lo. Já o diamante primário fica mais concentrado. No processo de extração, pode-se perfurar de 200 metros a 300 metros de profundidade, o que exige uma produção bastante mecanizada e investimento bem maior. O volume de produção também é muito superior — explicou Francisco Ribeiro, sócio da Gar Mineração. — Por isso, temos a oportunidade de voltar a ocupar posição de destaque no ranking global.
‘O país tem chance de voltar a figurar entre os líderes da produção global’
A
empresa, de capital nacional, atua há 60 anos no Brasil e hoje produz
cerca de 3.600 quilates a 4.800 quilates por ano de diamante secundário
no Triângulo Mineiro. Agora se prepara para estrear na produção de
primário. Segundo Ribeiro, a companhia está em fase de qualificação das
reservas, também em Minas Gerais. E a estimativa para iniciar a produção
é de um a dois anos.
- Joe BurkeDiretor de Marketing da Five Star
A história do diamante no Brasil remonta ao século XVIII. Não se sabe ao certo quando houve a primeira descoberta, mas historiadores apontam o ano de 1729 como o que o então governador da capitania de Minas Gerais, Dom Lourenço de Almeida, oficializou a existência das minas à metrópole. Até então, as descobertas da pedra preciosa corriam à boca pequena e enriqueciam quem se aventurava na clandestinidade.
Com a Coroa ciente, a produção no então Arraial do Tijuco (atual Diamantina, Minas Gerais) ganhou novo impulso e o Brasil assumiu a liderança mundial do diamante, desbancando a Índia. Durante quase 150 anos, manteve a dianteira. Em 1867, a descoberta de um diamante nos arredores de Kimberley, na África do Sul, levou a uma corrida pela pedra preciosa no país. O Brasil, então, perdeu a hegemonia e está hoje na lanterna da produção global, à frente apenas de Costa do Marfim e Camarões.
NOS EUA, PEÇA ESSENCIAL DO NOIVADO
Desde 2010, a produção mundial está estacionada na faixa dos 130 milhões de quilates. Recente relatório da consultoria Bain&Company, porém, estima que a demanda vai crescer a um ritmo de 2% a 5% ao ano até 2030, embalada pelo consumo da classe média americana e chinesa. Cobiçado por casais apaixonados, o diamante brilha com frequência em joias que os maridos americanos dão a suas esposas. Pesquisa mostra que 71% dos americanos nascidos entre os anos 1980 e 2000 consideram o diamante um elemento essencial do anel de noivado.
A oferta de diamantes, no entanto, não deve acompanhar a retomada do consumo. A consultoria projeta queda de 1% a 2% por ano na produção da pedra até 2030, devido ao esgotamento das minas. É nesse desequilíbrio que está a oportunidade para o Brasil voltar ao clube.
— O Brasil, de alguma forma, foi ignorado pelos maiores produtores e a oportunidade de identificar e desenvolver novas minas é única. Em uma recente viagem a Antuérpia, houve empolgação quanto à qualidade dos diamantes brasileiros. O país tem chance de voltar a figurar entre os líderes da produção global de novo — diz Joe Burke, diretor de Marketing da Five Star Diamond.
A empresa foi fundada por um geólogo australiano, que se associou a investidores estrangeiros e a um advogado brasileiro. Juntos, compraram áreas em diferentes regiões no Brasil para prospectar diamante. Segundo Burke, em 15 dos cerca de cem corpos kimberlíticos que a companhia tem no portfólio há grande chance de ocorrência de diamante. A Five Star já levantou US$ 7 milhões com investidores e se prepara para listar a empresa no mercado de capitais canadense. A produção no Brasil deve começar em Goiás, onde o projeto está mais avançado, no fim do ano.
BUROCRACIA E FALTA DE SEGURANÇA
A ausência de guerras civis e religiosas no Brasil é apontada por fontes do setor como um atrativo. A exploração da pedra preciosa sempre levantou polêmica porque costumava ser usada para financiar conflitos civis na África. Com o filme “Diamante de sangue”, estrelado por Leonardo DiCaprio em 2006, a crueldade das guerras e a associação à produção do diamante se tornaram mundialmente conhecidos.
O diamante produzido legalmente no Brasil e em outros países, no entanto, segue o processo de certificação Kimberley, espécie de atestado de origem criado justamente para inibir o comércio ilegal. A burocracia no país para emitir os certificados, no entanto, é uma trava na expansão do mercado, alertam empresários. Antes de ser exportado, o diamante precisa ser pesado, medido e analisado. Isso é feito por um funcionário do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) em uma unidade regional do órgão.
Como o certificado precisa da assinatura do diretor-geral do DNPM e o sistema não é informatizado, ele é enviado por Sedex até Brasília, sede da instituição, e retorna ao produtor igualmente pelo correio. O processo leva de dez a 15 dias, segundo João da Gomeia Silva, da coordenação de ordenamento e extração mineral do DNPM.
Durante esse período, os diamantes ficam em cofres das próprias empresas produtoras ou de seguradoras, trazendo risco à segurança das companhias e dos funcionários. Mês passado, a Lipari foi invadida e teve parte de sua produção roubada. Se depender da agilidade do poder público, as mineradoras continuarão vulneráveis.
— O DNPM está na era digital. Até 2018, a ideia é eliminar o papel — diz Silva.
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