Nando da Costa Lima
Tudo dava errado pra Segundino,
parecia trabalho feito, não acertava em nada. Por mais que se esforçasse, desde
menino nunca conseguiu: aprender a nadar, andar de bicicleta, montar a
cavalo, empinar raia, enfim; tudo que uma criança de sua idade fazia era quase
que impossível para ele, apesar de ser perfeitamente normal. No futebol, a
melhor posição que conseguiu no time de rua foi como torcedor. Mas foi por
pouco tempo, devido à falta de ânimo para aplaudir o time. Estava sempre
dormindo.
Na adolescência o nosso herói sofreu
muito. Para arrumar uma namorada o pai teve que interferir premiando as meninas
que tivessem a paciência de sair com o azarão, mas não houve presente que desse
certo. A que mais demorou foi Mariazinha, que era deficiente visual, assim
mesmo depois de um mês escutando o mesmo
papo (péssimo por sinal) não suportou e pediu as contas, explicando que já era
cega e não tinha intenção nenhuma de ficar surda. Segundino entendeu e até
agradeceu a ideia: partiu pra cima de Neuma surda. Este namoro foi um pouco
mais demorado, mas só até o nosso amigo aprender a se comunicar através de
libras. Quando isto ocorreu, Neuma gesticulando gentilmente dispensou
Segundino. Aí então ele aprendeu que pra arrumar casamento só na outra
encarnação.
Ao completar 25 anos, ninguém na
cidade suportava mais de 5 minutos de papo com o rapaz a não ser Seu Gervásio,
104 anos, surdo igual a uma porta e caduco desde os 80. Ao sentir que não havia
mais espaço para ele, veio a brilhante ideia: Segundino resolveu que iria para
São Paulo e foi comunicar a decisão para a família. Antes de explicar os
motivos da partida a mãe já havia arrumado as malas e o pai providenciado a
festa de despedida (o que não foi possível de ser realizado por falta de
gente).
Mesmo assim o velho fez questão de
abrir uma garrafa de fogo paulista e explicar ao filho que aquilo (São Paulo) é
que era terra boa, o povo muito compreensivo, que qualquer um podia chegar e
ser prefeito, e olha que da prefeitura de São Paulo à presidência da república
é um pulo. Falou que dos 17 parentes que para lá foram, dois estão muito bem de
vida. Um ficou rico comprando bode de qualquer cor na caatinga e pintando de
preto pra vender pros pais de santo paulistanos, e o outro comprando galinha de
granja e tingindo de preto com o mesmo objetivo. Os outros, se não fosse o
problema do atropelamento, estariam no mesmo ritmo: bem de vida e
vivos. Despediu-se do filho lembrando que não precisava escrever. E lá foi
Segundino, alegre e confiante, como todo "pau de arara" que parte pra
Sampa.
Em São Paulo nosso herói fez de tudo:
engraxou, lavou carro, teve todo tipo de subemprego possível. Um dia se cansou,
daquele jeito era melhor voltar pra Conquista. Mas como quem tem amigo não vai
pro inferno sozinho, apareceu um conselheiro na vida de Segundino, e foi com
muita conversa que convenceu o companheiro a virar ladrão. Segundo ele, a única
forma de sobreviver sem ser explorado pelos capitalistas. Mas a carreira de
Segundino foi curta, a primeira vítima escolhida por ele foi um soldado à
paisana. Não deu outra: cadeia.
Depois de muita porrada, ele foi
levado para explicar o motivo de ter virado assaltante, o Dr. notou logo que
ele não levava jeito pro ramo. Segundino sentiu o ar paternal do delegado e
abriu o jogo: "Seu Dr., eu sou o homem mais azarado do mundo, nada dá
certo pra mim...". Depois de escutar tantas misérias numa vida só, o Dr.
além de soltá-lo ainda deu dois tapinhas nas costas e um conselho que serviu de
apoio moral: "Não se preocupe não meu filho, tem gente que nasce pra
passar a vida na suplência. Quanto mais você que é baiano, já devia estar
acostumado com isso, tem um século que vocês tentam ser presidentes! E mesmo
sabendo que isso nunca vai acontecer, nunca desistem. Vá em frente meu filho,
concentre-se no melhor pois mais cedo ou mais tarde você terá um grande
empurrão do destino".
Na saída do xadrez foi atropelado por
um ônibus... Até o delegado, um homem cético, passou a acreditar em azar depois
do curto período que teve contato com Segundino. Passou a tomar um banho de sal
grosso toda sexta-feira e não passa sem um galho de arruda na orelha.
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