sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

COLUNISTA VIP:



Profissão de Risco
Nando da Costa Lima
Isto só acontece em cidade pequena, onde o prefeito eleito se esbarra nos seus eleitores toda hora... Cidades com menos de 10 mil habitantes. É fácil fazer a campanha, mas fica difícil governar.
Joselino Dentista já tinha sido vereador uma cacetada de vezes, era um cara carismático e muito prestativo. Era tão bom que o partido do qual fazia parte resolveu lança-lo como prefeito, ninguém melhor pra ocupar aquele cargo. Seria eleito com folga, era um homem honesto. Como vereador, arrancou muito dente de graça, o consultório era um comitê o ano inteiro. Era tão procurado que nenhum outro dentista conseguiu seguir carreira na cidade, o máximo que ficavam era um mês. Essa sua profissão, apesar de não lhe dar lucro, era uma mina de votos. O presidente do seu partido tinha certeza que aquele era o homem pra governar a cidade. Só que Joselino era um sujeito acomodado, achava que como vereador era bem melhor, lhe sobrava mais tempo e mexia com menos gente. Mas o partido tanto o assediou que ele acabou cedendo, sua esposa também foi fundamental na sua decisão. O sonho de ser a primeira dama subiu pra cabeça, subiu tanto que antes da eleição ele já estava com motorista e duas secretárias. Joselino já tava achando ruim, a mulher agora só pensava em festa e em roupa bonita. Até os filhos ficaram pra segundo plano. Mas como ele já tinha dado a palavra, não tinha mais jeito. Sua maior preocupação (além da mulher) era quando fosse distribuir os cargos, todo mundo era afilhado ou compadre dele, aquilo ia dar em merda. Ia acabar arranjando inimigos de graça.
Mas é verdade, prefeito quando é eleito sofre mais que bode na seca. O cidadão passa uma temporada correndode um lado pro outro, fazendo de tudo pra agradar gregos e troianos, e quando assume é que o pau pega forte. Até quem não votou nele jura de pé junto que a família toda, além de votar, fez campanha. Aí o prefeito começa a ter dor de cabeça diariamente, não dá nem pra trabalhar. Toda hora chega um amigo importante querendo indicar alguém pra fazer parte da prefeitura. Deve ser foda! Eles são chatos mesmo, ficam enfezados, sempre tem algum conhecido que exerceria aquela função com mais competência. Enfim, é um saco! Mas Joselino era jeitoso, foi acomodando um a um na medida do possível. Esta empreitada não lhe deixou tempo pra fazer nada, nem a praça da Igreja ele conseguiu arrumar, acidade tava jogada pras baratas. Mas ninguém criticava a administração, nem podia, tava todo mundo empregado. Um dia ele reuniu todo o primeiro escalãoe falou sério, como um prefeito de atitude deve falar:
-De hoje em diante nós vamos botar tudo isso em ordem, tá na hora de cumprir minhas promessas de campanha.
Aí o secretário de gabinete sussurrou no seu ouvido:
-Só tem um pequeno problema, seu prefeito: o senhor passou mais de 3 anos acomodando eleitor na prefeitura, agora não dá mais tempo pra fazer nada. A eleição vai ser daqui 5 meses... E aqui pra nós, o senhor não se elege mais nem como vereador. Nem se o senhor quiser reassumir o consultório, a cidade já tá toda banguela. Só tem um jeito do senhor não sair da política: é fazer um curso de protético e distribuir dentaduras de graça, mas isso só na próxima...
-E esse povo todo que eu empreguei?
-São eles mesmo que estão falando que não vão perder o voto escolhendo um "pau de bosta" irresponsável igual ao senhor, um cabide de emprego. E digo mais, se macumba matasse prefeito, todo dia um vice assumia.
-Olha aqui seu secretariozinho de merda... Cabide de emprego é seu rabo. O maior responsável por isso é você que no início deu a maior força para a implantação do plano "Emprego só para os amigos". Teria sido melhor se eu tivesse ficado arrancando dente pela manhã e à tarde sendo vereador. Bem que minha vó falava que prefeito em cidade pequena era uma profissão de risco...

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