Nando da Costa Lima
Existe (ou existiu) o clister, é uma
"injeção de um líquido medicamentoso no reto", mas eu vou falar de
"clisté"...
A história busca narrar com
fidelidade os fatos de importância que ocorreram no passado. Só que existem
fatos sem importância (sócio-político ou econômico) que despertam tanto a
curiosidade popular, que acaba virando história. Como esse caso que aconteceu
na Bahia há muito tempo, faz tanto tempo que eu tive que inventar 90% da
história.
Ainda vigorava a escravidão quando
surgiu uma doença que matou muita gente na época, de 10 morriam 10. Havia um
tratamento que salvava um ou outro raramente, mas era o único medicamento
conhecido. Como a doença era o necrosamento do reto, o doente era colocado de
bunda pra cima enquanto o médico introduzia o clisté (bucha de pano ensopada de
pimenta malagueta). Quando o paciente não morria de dor, escapava sem as
pregas. Ao saber desse tratamento, o vice-rei deixou um decreto no qual proibia
qualquer cidadão de lhe aplicar o clisté caso ele contraísse a doença, sob pena
de morte. Aquilo não era tratamento pra ser aplicado num nobre português. Mas
como o destino gosta de brincar, pouco tempo depois de baixado o decreto o
vice-rei contraiu a doença. Ficou muito difícil arranjar um voluntário pra
aplicar o tratamento, ninguém queria morrer só por tentar salvar uma vida. Se
ele quis assim, que assim seja.
O vice-rei já estava desfacelido
quando apareceu um "bebum" e se dispôs a fazer o tratamento, ou seja,
aplicar o clisté. E ia fazer com muito prazer, era a única forma de um plebeu
botar pra ferver num nobre. Depois do clisté aplicado, o vice-rei melhorou como
se fosse um milagre, ficou tão alegre com a cura que perdoou seu curador (o
bêbado). Este, caiu na besteira de espalhar que o vice-rei gostou do
tratamento, que além de perdoá-lo tava doido pra contrair a doença de novo. Se
deu mal, morreu por conversar demais.
A doença se foi, mas o tratamento
permaneceu com as mais variadas utilidades através dos tempos. Os coronéis
nordestinos (década de 20) usaram-no muito como corretivo. É o seguinte: eles
tinham o coração muito bom, tanto era que quando gostavam da pessoa e ela lhes
faltava com respeito, eles, pra não matar, mandavam os "cabras"
aplicar um bom clisté. Esse método era muito usado, pois além de não perder o
trabalhador, o respeito dobrava.
O clisté também foi muito usado por
mulheres ciumentas, uma forma de se vingar das amantes dos maridos. Como
ocorreu com "Neusinha Museu", que recebeu este apelido por ser tarada
por homem velho, de preferência se fosse rico. Ela chegou na cidade e com um
mês já era a paixão de todos os velhos do trecho, era a rainha da cidade, os
coroas faziam todas as sua vontades. Era a maior batalha na porta de Neusinha,
parecia reunião de aposentados, tinha velho de todo tipo. Mas como sempre
nesses casos, o mais rico ganhou a batalha e apesar de seus 84 anos, 12 filhos,
24 netos e 16 bisnetos, resolveu montar uma casa pra nova paixão, tinha que ter
outra, a oficial já tinha virado o velocímetro três vezes.
O namoro corria às mil maravilhas,
Seu Antônio pintou até o cabelo pra ficar mais moço uns cinco anos. Dona
Mariana, esposa do velho, tinha desconfiado há muito tempo. Como era mulher
prudente, deu um tempo, aquilo devia ser caduquice de Antônio, com o tempo ele esquecia.
Só que nada disso aconteceu, e com o tempo Neusinha começou a ficar redonda.
Isto Dona Mariana não admitiu, tinha que tirar aquela safada do campo. Preparou
um bom clisté (levou até sal grosso) e mandou dois afilhados de confiança
aplicarem naquela sem vergonha na primeira oportunidade.
Na noite que aplicaram o clisté em
Neusinha o povo da cidade passou em claro, ela só parou de gritar na hora que
desmaiou.
O caso ficou por isso mesmo, Dona
Mariana e Seu Antônio voltaram às boas. Aquilo era coisa de homem mesmo. Quanto
à rapariga, ficou medicada, recuperou-se do susto, só ficou com um problema:
não podia ver pimenta que saía gritando. Segundo um intelectual local, leitor
assíduo do "Almanque Fontura": "É o único caso de 'pimentofobia'
que se tem notícia".
O tempo do clisté já passou, mas bem
que podia voltar como corretivo político, ou seja, toda vez que um político
enganasse, roubasse ou mentisse ao povo, teria como castigo a aplicação de um
clisté. Se resolveria eu não sei, mas ia ter muita gente sem poder sentar.


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