O câncer que fez médico virar
paciente
Filha também
oncologista, relata em livro os 121 dias da luta bem-sucedida do pai,
ex-presidente
da Sociedade Brasileira de Mastologia
· O Estado de S.
Paulo
RIO - Com 13 anos de experiência
em oncologia e câncer de mama, a médica Sabrina Chagas, de 37 anos, se deparou
com um desafio inesperado: um nódulo apareceu na mama direita do pai, o
mastologista Ricardo Chagas, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia.
Era câncer. Durante os 121 dias do tratamento (bem-sucedido), Sabrina trocou de
lado e conheceu de perto a angústia das famílias como aquelas com quem convivia
no ambulatório do Instituto Nacional do Câncer, onde atendia.
Ela relata a
experiência no livro Como Estamos? O Desafio do Câncer de
Mama (Editora Doc Content, 124 páginas, preço sugerido de R$ 42),
lançado no mês passado. O câncer de mama em homens é raro – representa apenas
1% dos casos da doença em pacientes do sexo masculino. O Sistema de Informação
sobre Mortalidade do Sistema Único de Saúde (SUS) aponta que esse tipo de
câncer levou à morte 14.388 pessoas em 2013; 181 eram homens.
Foto: WILTON
JUNIOR/ESTADAO
Tratamento. ‘Foi
difícil. Queria saber como ele estava. A dor dele era a minha’, diz Sabrina
Na maioria dos casos, o homem não desconfia que
possa ter câncer de mama e demora a procurar atendimento médico. Quando o faz,
ainda se depara com as dificuldades de acesso ao diagnóstico e tratamento – no
SUS ou na rede particular.
Chagas estava com 68 anos quando percebeu que o
mamilo estava “repuxado”. Fez uma mamografia e descobriu o nódulo com 1,3 cm.
Sabrina conta no livro que o médico que fez o exame tentou disfarçar a
gravidade, para não preocupar o amigo. Não deu certo. “Filho da p... Só amigo
faz isso! Ele colocou uma categoria abaixo no laudo para não me assustar”,
emocionou-se. Sabrina levou em seu carro o material para a biópsia. O
patologista era outro amigo, que fez o exame no recesso de carnaval.
Diagnosticado o câncer, o difícil foi decidir pela
quimioterapia. “O tumor era grande e ele me falou que a ideia era, então, fazer
a quimioterapia. Uma que, em tese, era mais amena. Mas era quimioterapia. Era
meu pai. Ele tinha 68 anos. Eu prescrevo quimioterapia todo dia para pacientes
dessa idade. Exatamente a mesma. Nunca pensei que podia me assustar tanto com
algo que me era tão natural”, escreveu Sabrina.
Engana-se quem pensa que a tarefa de Sabrina foi
facilitada por todo o conhecimento que acumulou. “Foi difícil. Quem começa um
tratamento de quimioterapia geralmente sabe que os efeitos colaterais são a
perda de cabelo e enjoo. Mas a gente sabia que era isso e mais outras 500 mil
coisas. E vivia a expectativa de que todos esses efeitos colaterais
aparecessem”, conta.
Muitos deles surgiriam ao longo do tratamento.
Chagas teve anemia acentuada e queda brusca de hematócritos, que lhe causaram
fraqueza e dificuldade para andar. Também teve um inchaço acentuado na perna,
que ia da coxa aos pés.
“Eu não conseguia andar. E os médicos insistindo
que eu precisava me exercitar. Eu também dizia para as minhas pacientes que
elas tinham que andar. Passar por essa experiência me fez ouvir o paciente de
outra maneira”, afirma Chagas.
Consolo e sensibilidade. Os pacientes de câncer se
deparam muitas vezes com o distanciamento daqueles que, muitas vezes, não sabem
lidar com a doença. Não foi diferente com Sabrina e o pai. “O que mais me
incomodava era quando as pessoas minimizavam o sofrimento e diziam: ‘Vai
passar’. Muitas vezes você só precisa que te escutem, que te abracem”, conta
Sabrina. Ela também contou com solidariedade e apoios inesperados, o que a
consolou em muitos momentos
O título do livro de Sabrina Chagas é uma alusão às
conversas de pai e filha via WhatsApp. “Como vamos?” era a pergunta diária que
a filha fazia ao pai. “Não era pergunta retórica como ‘Está tudo bem?’. Eu
queria realmente saber como ele estava. E também é uma maneira de ele saber que
a dor dele era a minha.”
Apesar de serem, ambos, especialistas em mama,
filha e pai receberam dicas e todo tipo de “simpatia”. “E o pior é que ele
seguia as recomendações”, ri a oncologista. “Fazia chá de tal erva para tirar o
‘gosto de parede’ que ficava na língua, em vez de ouvir as instruções da nossa
nutricionista.” Sabrina espera que o livro seja lido por médicos. “Aprendi que
é preciso mudar a abordagem com o paciente. A nossa rotina é muito dura, a
demanda é grande, muitas vezes o atendimento fica mecanizado. Mas não podemos
perder a sensibilidade”, afirma.
A doença do pai ainda acendeu o alerta para
Sabrina, mãe de Beatriz, de 6 anos, e Théo, de 3. Como o câncer de mama em
homem é muito raro, é possível que ela tenha a mesma mutação genética do pai.
Agora vai fazer o teste genético para descobrir as possibilidades da hereditariedade através da genética.
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