NUNCA ACREDITEI EM PAPAI NOEL
Jeremias Macário
Leio crônicas nos
jornais referentes às festas natalinas que pouco falam do nascimento de Jesus
Cristo, e mais do Papai Noel, uma tradição dos gelados países nórdicos. Os
textos costumam ser mais suaves, leves e humanísticos que criticam, em parte,o
consumismo exagerado nesta época do ano. O Papai Noel está sempre em destaque e
alguns autores relembram seus tempos de criança, como o comentário de um amigo
e colega que li nesta semana.
De um modo geral, os escritos me remetem a
refletir sobre o eu individual e as profundas desigualdades sociais em nosso
país, cuja pobreza se torna mais visível e escancarada neste período. Além do
mais, somos desprovidos de cultura própria e meros copiadores de tradições
alheias. O quadro nos leva à depressão em ver um mundo xenófobo glamoroso de
luxo e outro miserável do lixo, sem contar o sofrimento dos refugiados das
guerras.
Da minha parte confesso que nunca acreditei neste
Papai Noel do Natal. Diferente de muitas crianças privilegiadas das crônicas
literárias, minha véspera de Natal na roça pobre com meus pais era de muito
trabalho. A noite chegava como outra qualquer à luz de candeeiro movido a pavio
ensopado de querosene ou óleo de mamona. Cansados, logo cedo todos iam dormir e
a paisagem era engolida pela escuridão.
Não havia Natal. Em todo meu tempo de menino
nunca existiram presentes, quanto mais dentro de sapatos trazidos por Papai
Noel que,na madrugada, entrava pela janela ou descia pela chaminé, coisa
raríssima em nossas habitações. Se para mim ele nunca existiu, não tenho
histórias para contar sobre sua figura com um saco, ou viajando de trenó com
renas pelos países gelados. Como poderia acreditar numa coisa que nunca existiu
para mim, nem mesmo em forma de lenda?
Como não tive noite de Natal de Papai Noel, nunca
contei estes causos nevados para meus filhos, mas dava-lhes presentes comprados
como parte de um rito capitalista consumista dos norte-americanos e dos
europeus que enfeitam suas casas de árvores artificiais e se esbaldam nas
comidas e nas bebidas de mesas fartas.
Minha crônica não tem graça e artes de
crianças que no outro dia levantavam cedo para ver o presente do Papai Noel.
Ciumava um do outro e brigava porque um objeto natalino era melhor que o do irmão.Na
minha crônica não tem ceia de Natal, não tem refrigerante, não tem vinho, não
tem peru, não tem fantasias e nem tem árvores, a não ser as naturais do campo
com as quais vivíamos no dia-a-dia. Só vim conhecer este Papai Noel gordo,
barbudo e fantasiado de vermelho e branco depois de adulto quando não tinha
mais graça nem jeito para acreditar nele.
Não posso mais acreditar neste Papai Noel
passageiro da televisão dos shoppings, das lojas e dos Correios somente voltadospara
alguns das cartinhas sorteadas num Brasil de extrema desigualdade social. Por
mais que se esforcem em atos temporais de solidariedade, não é ainda o Natal
cristão e humano enquanto persistirem as injustiças sociais.
Bem, recriminariam cronistas e leitores
dizendo que não é época de dureza, de cobranças, de reclamos, queixas e de
ideologias socialistas, mas de suavidade quando todos se irmanam fraternalmente
e se sentem com a emoção à flor da pele. É época de abraços e de esquecer as
mazelas e traições dos políticos e dirigentes governamentais.
Desculpem, mas não tenho mais que isso para
dar quando ainda existem hoje crianças e famílias que não têm histórias de
Natal e Papai Noel para contar. Elas ainda dormem em casebres feios nos morros
que mal ouvem o pipocar dos fogos nas praias e no mar, ou moram em grotões
distantes deste país em casas de taipa, que nem sapatos têm para colocar os
presentes. Minha crônica de Natal não tem Papai Noel.
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