sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

COLUNISTA VIP:



DON JUAN DEL CUORE
Ricardo De Benedictis
www.bcidadeemfoco.blogspot.com.br
Baseado na obra do espanhol Tirso de Molina (século XVI), Don Juan foi uma figura humana, criada para expor aos pósteros, a verdadeira força do amor entre homem e mulher. A paixão avassaladora que faz o ser humano dar a própria vida por uma aventura com o ser amado, sem medir perigos e conseqüências. Segundo o autor, Don Juan não era flor que se cheirasse. Cruel,  abusava das mulheres que conquistava, apenas no intuito de saciar seu apetite sexual. Depois a entregava à sua própria sorte. Em obras posteriores, vários autores foram recriando personagens mais humanos e, por conseqüência, românticos. E é neste diapasão que apresento-lhes o nosso Don Juan Del Cuore, nascido aqui na Bahia, mas cuja árvore genealógica vem do velho continente, miscigenado com a figura mais brasileira entre todas, o descendente euro-índio, de origem portuguesa e tupinambá! Há poucos dias, conversando com meu filho primogênito, ele disparou: ‘Pai, nós seríamos descendentes de João e Maria, do romance “Viva o Povo Brasileiro”, do grande baiano João Ubaldo Ribeiro?’
– Neste momento, chego a pensar que sim.
Minha mãe nasceu em Salinas da Margarida e os fatos narrados no romance em tela se deram em Itaparica, a poucos metros da sua terra natal (da minha mãe, se é que me entendem), apesar da temporalidade não ser exatamente a mesma!
Mas vamos falar de Don Juan Del Cuore.
Desde a infância, nosso Don Juan admirava a beleza feminina, com todo o respeito, mas sem tirar os olhos das belas moças e senhoras que lhe passavam à frente. Ainda na primeira infância sonhava aventuras amorosas, sempre com belas mulheres de mais idade, já de corpo adulto. Cabelos, longos, olhos coloridos, altura mediana, vestidas com saias à altura dos joelhos e pequenos decotes frontais. Sonhava, sonhava, sonhava quase que todas as noites. Com namoros intermináveis, passeios a cavalo, sempre a sós e sempre a perseguir o primeiro beijo. E o tempo foi passando com o nosso Don Juan se desenvolvendo até chegar aos 12 anos, quando teve a primeira namorada de verdade. E daí para a frente, por questões alheias, seus namoros não eram tão duradouros. Sempre acontecia algo que separava nosso Don Juan da amada, via de regra, contra a sua vontade!
E o tempo foi passando e o nosso Don Juan foi se especializando, a ponto de conseguir manter mais de um relacionamento na mesma cidade, e vários relacionamentos por onde passava com sua inigualável característica tímida e agressiva, ao mesmo tempo, cantando e tocando seu violão inseparável. E veio o primeiro filho e os casamentos que se sucederam, mas que não deram certo. O nosso Don Juan era um eterno perdedor e sua máxima era ‘substituir para não sucumbir’. Mas tinha outras máximas. tão ou mais importantes. Ele sempre dizia:
-  ‘O coração é meu. O amor é meu e eu o ofereço a quem quiser, quando quiser e enquanto a amada merecer!’ 
Diante de tais argumentos, as mulheres se dobravam e  achavam-no o cara mais incrível de suas vidas. Odiavam-no, amavam-no, e sempre o queriam, até mesmo para acalentar seus sonhos femininos.
Na cama, era razoável. Jamais deixava a fêmea ‘a ver navios’. Sempre esperava a hora certa para encerrar a festa. Entretanto carregava um defeito: não suportava discutir a relação ou falar do ato sexual após o evento. Sempre encerrava o papo.
- Não vamos falar disso. Mudemos de assunto.
Por mais que lhe fosse prazeroso o ato sexual, achava ridículo quando a mulher perguntava se ele gostou ou se esteve bem. Ora, bolas, falar de sexo era o fim da picada e encerrava a questão:
- Sexo é para fazer, não para comentar! – costumava dizer...
Para Don Juan, na juventude só gostava de mulheres mais novas. Com o tempo foi aprendendo que as ‘mulheres de trinta’ eram muito mais carinhosas e faziam sexo com mais desejo e afinco. Mais tarde, quando estava com mais de quarenta anos, nosso personagem já aumentava um pouco a idade da sua eleita. Até os quarenta e cinco, antes dos seios caírem, das rugas aparecerem e das estrias se insinuarem, dava para se relacionar com tais petiscos que eram muito mais atuantes na cama, apesar de mais ciumentas e possessivas no ambiente público, o que muito o irritava, ele que era centro das atenções das demais gurias da paróquia!
- Modéstia à parte, gabava-se Don Juan, para ele mesmo, ‘não tem pra ninguém’!
As namoradas dos amigos davam encima dele e ele as dispensava. Jamais gostou de mulher casada, tinha medo das viúvas...
- Ela matou 1 ou 2 e não quero ser o segundo ou o terceiro. Vade retro!
Os anos foram passando e a idade foi chegando, até que nosso Don Juan, que já tinha sido atacado pelo câncer de pele, desta feita recebeu uma investida mais trágica, acometido de câncer de próstata. O sofrimento pós-cirúrgico haveria de mexer com sua alma; e assim. O nosso herói se viu com uma sonda que o fez sentir-se muito infeliz e sua infelicidade não durou apenas os quinze dias do uso da maldita sonda. Nos três meses posteriores, as sessões diárias de fisioterapia, a incontinência urinária, o uso de fraldas de bebê nos primeiros dias, a evolução do tratamento para o uso de absorventes femininos, tudo isso era o seu calvário. A boa notícia era de que o desgraçado do câncer havia sido dominado. O médico lhe disse que não era cura, mas que ficasse tranqüilo que a doença poderia não voltar. Três anos se passaram, e o pior, a impotência sexual a se instalar, quase como uma ida sem volta. E quando tudo parecia melhorar, eis que o câncer voltou e ele ouviu do médico, como uma sentença, que teria de ir para São Paulo para fazer longo tratamento de radioterapia. Viu-se sem meios financeiros para arcar com tais despesas e chegou a pensar que chegara seu fim. Teve informações que poderia fazer o tratamento na capital, Salvador, e se entregou de corpo e alma para se submeter às 39 sessões de radioterapia que a equipe de oncologia determinara, depois de sucessivas tomografias e exames, que duraram mais de uma semana. Fez as 39 sessões de radioterapia e ao seu término, pode enfim passar o Natal em casa. Após o tratamento, ainda durante a viagem de ônibus, submeteu-se a um verdadeiro suplício, com sangramento intestinal e dores. Teve que viajar de pé, pois não podia sentar-se na poltrona, tal era a dor que sentia. Dias de angústia e de sentimentos dúbios, evitando preocupar a família, até que foi à emergência e passou a medicar-se adequadamente, melhorando os sintomas dolorosos. Tudo isso passou e, vencida esta fase, depois de fazer os testes sanguíneos, chegou a boa notícia de que havia vencido mais uma etapa. O câncer voltara ao status do pós-cirúrgico.
Com isso, nosso Don Juan declara-se aposentado. Sente-se retraído e não quer trazer grandes emoções às mulheres. Assim, mesmo que tenha aparência de boa saúde, seja jovial e aparente alegria, no fundo, no fundo, nosso Don Juan já não é o mesmo. Raramente pega no violão, raramente canta, raramente sente-se inspirado a compor versos de amor. Parece que sua vida vai ficando no passado. Dito isto, parece que o leitor vai entender que a vida passa para todos, inclusive para o nosso personagem que é uma figura de carne e osso, que eu tenho a honra de interpretar. Aqui e alhures, onde meu espírito estiver.
Mesmo agora, depois de tanto correr nesta vida atrás do amor e de tê-lo encontrado várias vezes e várias vezes tê-lo perdido, posso garantir que a vida é bela, que devemos viver para fazer o bem às pessoas que nos amam. E quando o nosso amor não pode mais sobreviver num relacionamento, devemos deixar nossa amada livre para que ela possa seguir seu destino. E nós devemos procurar sempre, enquanto temos o sopro da vida, fazer o bem. Se não podemos ter uma mulher, pelo fato de estarmos incapacitados, paciência. Amemos nossos filhos, nossos netos, nossos irmãos, nossos parentes e amigos, amemos o próximo! Quem sabe, aprendamos a dar sentido ao final das nossas vidas sem estarmos necessariamente infelizes ou depressivos. Este é o conselho que o nosso Don Juan deixa para além das coisas materiais. É bom registrar que nos últimos tempos seu desejo e libido ainda continuam, não com o ímpeto de antes, mas ainda dá para viver alguns momentos de prazer. Seu lema é viver com dignidade, com o amor da família e dos amigos. Cada qual á sua maneira e a seu tempo, é bom concluir que não há nada mais compensador e estimulante, quando chegamos cada vez mais próximos do fim da nossa jornada neste mundo e na bela vida que nos foi reservada e que não deve deixar de ser contada, para que outros possam conhecer tais experiências, mesmo sem necessariamente ter que vivê-las integralmente.
De algo tenho certeza: todos terão que chegar ao final do caminho, mais dia, menos dia. E a máxima que deixo por último nesta crônica da vida real é que: devemos amar a vida, buscando a felicidade. Devemos amar a vida e vivê-la em sua plenitude.
Enfim, o nosso Don Juan Del Cuore repete sempre um termo no qual garante que... A VIDA É BELA!

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