DON JUAN DEL CUORE
Ricardo De Benedictis
Baseado na obra do espanhol Tirso de
Molina (século XVI), Don Juan foi uma figura humana, criada
para expor aos pósteros, a verdadeira força do amor entre homem e mulher. A
paixão avassaladora que faz o ser humano dar a própria vida por uma aventura
com o ser amado, sem medir perigos e conseqüências. Segundo o autor, Don Juan não
era flor que se cheirasse. Cruel,
abusava das mulheres que conquistava, apenas no intuito de saciar seu
apetite sexual. Depois a entregava à sua própria sorte. Em obras posteriores,
vários autores foram recriando personagens mais humanos e, por conseqüência,
românticos. E é neste diapasão que apresento-lhes o nosso Don Juan Del Cuore,
nascido aqui na Bahia, mas cuja árvore genealógica vem do velho continente,
miscigenado com a figura mais brasileira entre todas, o descendente euro-índio,
de origem portuguesa e tupinambá! Há poucos dias, conversando com meu filho
primogênito, ele disparou: ‘Pai, nós seríamos descendentes de João e Maria, do
romance “Viva o Povo Brasileiro”, do grande baiano João Ubaldo Ribeiro?’
– Neste momento, chego a pensar que sim.
Minha mãe nasceu em Salinas da Margarida e os fatos
narrados no romance em tela se deram em Itaparica, a poucos metros da sua terra
natal (da minha mãe, se é que me entendem), apesar da temporalidade não ser
exatamente a mesma!
Mas vamos falar de Don Juan Del Cuore.
Desde a infância, nosso Don Juan admirava a beleza
feminina, com todo o respeito, mas sem tirar os olhos das belas moças e
senhoras que lhe passavam à frente. Ainda na primeira infância sonhava
aventuras amorosas, sempre com belas mulheres de mais idade, já de corpo
adulto. Cabelos, longos, olhos coloridos, altura mediana, vestidas com saias à
altura dos joelhos e pequenos decotes frontais. Sonhava, sonhava, sonhava quase
que todas as noites. Com namoros intermináveis, passeios a cavalo, sempre a sós
e sempre a perseguir o primeiro beijo. E o tempo foi passando com o nosso Don
Juan se desenvolvendo até chegar aos 12 anos, quando teve a primeira namorada
de verdade. E daí para a frente, por questões alheias, seus namoros não eram
tão duradouros. Sempre acontecia algo que separava nosso Don Juan da amada, via
de regra, contra a sua vontade!
E o tempo foi passando e o nosso Don Juan foi se
especializando, a ponto de conseguir manter mais de um relacionamento na mesma
cidade, e vários relacionamentos por onde passava com sua inigualável
característica tímida e agressiva, ao mesmo tempo, cantando e tocando seu
violão inseparável. E veio o primeiro filho e os casamentos que se sucederam,
mas que não deram certo. O nosso Don Juan era um eterno perdedor e sua máxima
era ‘substituir para não sucumbir’. Mas tinha outras máximas. tão ou mais
importantes. Ele sempre dizia:
- ‘O coração é
meu. O amor é meu e eu o ofereço a quem quiser, quando quiser e enquanto a
amada merecer!’
Diante de tais argumentos, as mulheres se dobravam e achavam-no o cara mais incrível de suas
vidas. Odiavam-no, amavam-no, e sempre o queriam, até mesmo para acalentar seus
sonhos femininos.
Na cama, era razoável. Jamais deixava a fêmea ‘a ver
navios’. Sempre esperava a hora certa para encerrar a festa. Entretanto
carregava um defeito: não suportava discutir a relação ou falar do ato sexual
após o evento. Sempre encerrava o papo.
- Não vamos falar disso. Mudemos de assunto.
Por mais que lhe fosse prazeroso o ato sexual, achava
ridículo quando a mulher perguntava se ele gostou ou se esteve bem. Ora, bolas,
falar de sexo era o fim da picada e encerrava a questão:
- Sexo é para fazer, não para comentar! – costumava
dizer...
Para Don Juan, na juventude só gostava de mulheres
mais novas. Com o tempo foi aprendendo que as ‘mulheres de trinta’ eram muito
mais carinhosas e faziam sexo com mais desejo e afinco. Mais tarde, quando
estava com mais de quarenta anos, nosso personagem já aumentava um pouco a
idade da sua eleita. Até os quarenta e cinco, antes dos seios caírem, das rugas
aparecerem e das estrias se insinuarem, dava para se relacionar com tais
petiscos que eram muito mais atuantes na cama, apesar de mais ciumentas e
possessivas no ambiente público, o que muito o irritava, ele que era centro das
atenções das demais gurias da paróquia!
- Modéstia à parte, gabava-se Don Juan, para ele
mesmo, ‘não tem pra ninguém’!
As namoradas dos amigos davam encima dele e ele as
dispensava. Jamais gostou de mulher casada, tinha medo das viúvas...
- Ela matou 1 ou 2 e não quero ser o segundo ou o
terceiro. Vade retro!
Os anos foram passando e a idade foi chegando, até que
nosso Don Juan, que já tinha sido atacado pelo câncer de pele, desta feita
recebeu uma investida mais trágica, acometido de câncer de próstata. O
sofrimento pós-cirúrgico haveria de mexer com sua alma; e assim. O nosso herói
se viu com uma sonda que o fez sentir-se muito infeliz e sua infelicidade não
durou apenas os quinze dias do uso da maldita sonda. Nos três meses
posteriores, as sessões diárias de fisioterapia, a incontinência urinária, o
uso de fraldas de bebê nos primeiros dias, a evolução do tratamento para o uso
de absorventes femininos, tudo isso era o seu calvário. A boa notícia era de
que o desgraçado do câncer havia sido dominado. O médico lhe disse que não era
cura, mas que ficasse tranqüilo que a doença poderia não voltar. Três anos se passaram,
e o pior, a impotência sexual a se instalar, quase como uma ida sem volta. E
quando tudo parecia melhorar, eis que o câncer voltou e ele ouviu do médico,
como uma sentença, que teria de ir para São Paulo para fazer longo tratamento
de radioterapia. Viu-se sem meios financeiros para arcar com tais despesas e
chegou a pensar que chegara seu fim. Teve informações que poderia fazer o
tratamento na capital, Salvador, e se entregou de corpo e alma para se submeter
às 39 sessões de radioterapia que a equipe de oncologia determinara, depois de
sucessivas tomografias e exames, que duraram mais de uma semana. Fez as 39
sessões de radioterapia e ao seu término, pode enfim passar o Natal em casa. Após
o tratamento, ainda durante a viagem de ônibus, submeteu-se a um verdadeiro
suplício, com sangramento intestinal e dores. Teve que viajar de pé, pois não
podia sentar-se na poltrona, tal era a dor que sentia. Dias de angústia e de
sentimentos dúbios, evitando preocupar a família, até que foi à emergência e
passou a medicar-se adequadamente, melhorando os sintomas dolorosos. Tudo isso
passou e, vencida esta fase, depois de fazer os testes sanguíneos, chegou a boa
notícia de que havia vencido mais uma etapa. O câncer voltara ao status do
pós-cirúrgico.
Com isso, nosso Don Juan declara-se aposentado.
Sente-se retraído e não quer trazer grandes emoções às mulheres. Assim, mesmo
que tenha aparência de boa saúde, seja jovial e aparente alegria, no fundo, no
fundo, nosso Don Juan já não é o mesmo. Raramente pega no violão, raramente
canta, raramente sente-se inspirado a compor versos de amor. Parece que sua
vida vai ficando no passado. Dito isto, parece que o leitor vai entender que a
vida passa para todos, inclusive para o nosso personagem que é uma figura de
carne e osso, que eu tenho a honra de interpretar. Aqui e alhures, onde meu
espírito estiver.
Mesmo agora, depois de tanto correr nesta vida atrás
do amor e de tê-lo encontrado várias vezes e várias vezes tê-lo perdido, posso
garantir que a vida é bela, que devemos viver para fazer o bem às pessoas que
nos amam. E quando o nosso amor não pode mais sobreviver num relacionamento,
devemos deixar nossa amada livre para que ela possa seguir seu destino. E nós
devemos procurar sempre, enquanto temos o sopro da vida, fazer o bem. Se não
podemos ter uma mulher, pelo fato de estarmos incapacitados, paciência. Amemos
nossos filhos, nossos netos, nossos irmãos, nossos parentes e amigos, amemos o
próximo! Quem sabe, aprendamos a dar sentido ao final das nossas vidas sem
estarmos necessariamente infelizes ou depressivos. Este é o conselho que o
nosso Don Juan deixa para além das coisas materiais. É bom registrar que nos
últimos tempos seu desejo e libido ainda continuam, não com o ímpeto de antes,
mas ainda dá para viver alguns momentos de prazer. Seu lema é viver com
dignidade, com o amor da família e dos amigos. Cada qual á sua maneira e a seu
tempo, é bom concluir que não há nada mais compensador e estimulante, quando
chegamos cada vez mais próximos do fim da nossa jornada neste mundo e na bela
vida que nos foi reservada e que não deve deixar de ser contada, para que
outros possam conhecer tais experiências, mesmo sem necessariamente ter que
vivê-las integralmente.
De algo tenho certeza: todos terão que chegar ao final
do caminho, mais dia, menos dia. E a máxima que deixo por último nesta crônica
da vida real é que: devemos amar a vida, buscando a felicidade. Devemos amar a
vida e vivê-la em sua plenitude.
Enfim, o nosso Don Juan Del Cuore repete sempre um
termo no qual garante que... A VIDA É BELA!
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