sábado, 3 de dezembro de 2016

COLUNISTA VIP:

Lembranças do frio

Nando da Costa Lima

NandoA Vitória da Conquista de minha infância tinha tudo bem menos que a de hoje, mas vista com os olhos da inocência, era bem melhor que hoje e dos amanhãs que virão. Não que eu seja conservador, mas é que tem fases na vida que gostaríamos de parar o tempo. E como isto é impossível, temos que nos contentar com as lembranças. A memória deveria guardar só coisas boas, mas infelizmente às vezes ela em lugar de ajudar, nos maltrata, como a lembrança dos amigos que não tiveram tempo de amadurecer: morreram antes de sentir este brinquedo chamado vida, um brinquedo bem diferente daquele que ganhávamos. Não é como uma bola, um carrinho, um peão. O brinquedo do adulto é a luta pela sobrevivência, um verdadeiro jogo onde as cartas geralmente vêm marcadas.
Mas como ia dizendo, o frio me fez ver as coisas como se ainda fosse ontem, os matinês de domingo no “Cine Conquista”, onde você tinha que chegar bem antes do horário pra sentar numa cadeira e segurar outra pra vender. Do lado de fora você trocava revistas, comprava ou vendia quadros de Tarzan ou qualquer outro personagem que chamasse a atenção. Na saída você ia direto pro “Bar Lindoya” chupar um picolé de coco, este era tão famoso que tinha até fila pra comprar ficha. Se o dinheiro desse, subia pro “Jardim das Borboletas” pra brincar e comer acarajé. Na época tinha até um minijardim zoológico, fedorento que só ele, mas achávamos tão bonito que nem dava pra sentir. Havia também a cidade dos pássaros e uma coisa que eu só vim entender depois de adulto: o “rinque de patinação”. Ficava em volta à frente luminosa e acho que ninguém nunca patinou ali. Naquele tempo 90% da cidade não sabia o que era um patim, imagina um “rinque”.
Depois deste ritual de domingo voltava pra casa sem dinheiro, sujo, cansado, mas com aquela alegria que só as crianças conseguem sentir. O tempo vai passando e os meninos que detestavam brincar com meninas passaram a desejá-las como companhia constante. Mas tudo na maior pureza, o namoro de piscar o olho, depois pegar na mão, mais adiante um beijo no rosto, nunca passava disso. E a paixão era tanta como se fossem verdadeiros amantes. Na adolescência nossa maior diversão era paquerar na Alameda Ramiro Santos. De segunda à sexta, quando o sol começava a se esconder, todo jovem na faixa dos 14 aos 20 anos vestia as roupas bonitas, sapato motinha e descia e subia a alameda no mínimo 100 vezes por dia, creio que dali surgiram vários casamentos. Aos sábados ou domingos à noite, depois de roçar nas namoradas dançando nas festinhas, todo mundo assinava o ponto na “mamoneira”: era o brega mais próximo, daí ser tão frequentado (quase ninguém tinha carro).
Hoje, Conquista é o polo econômico de uma região, ninguém precisa sair daqui pra quase nada. Se ontem ninguém conseguia deixá-la, imaginem hoje. Apesar de só termos como atrativos turísticos o “Museu de Cajaiba” (que por sinal está precisando de um trato) e o “Cristo de Mario Cravo”, pra nós conquistenses bairristas, não existe lugar melhor no mundo que nossa cidade. Pode não ser das mais bonitas, mas nos dá prazer de morar nesse lugar mágico cujos acontecimentos e moradores lembram um filme de Fellini. O conquistense pode sair pro Rio de Janeiro, Paris, Nova Iorque, Londres, ele pode sentir-se bem em qualquer um desses belos lugares, mas um dia a saudade bate, ele volta e ainda lamenta o tempo em que ficou fora. Perdeu o dia que o Magazine Aracy pagou um ciclista pra ficar uma semana pedalando em volta da fonte luminosa do Jardim das Borboletas… “Cê” lembra??? O sacana não parava nem pra mijar.

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