A TRAGÉDIA QUE A SANMARCO CAUSOU EM MARIANA/MG CONTINUA IMPUNE.
É UMA VERGONHA!
A lama soterrou a vida e coloriu as paisagens e
os rios de alaranjado. Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da
barragem de Fundão, em Mariana, se transformou na maior tragédia
ambiental do país. O tsunami de água e rejeitos levou 19 vidas, casas,
animais, memórias. E muitas perguntas seguem sem resposta: o que fazer
com a lama agora? O que pode acontecer na época de chuvas? Como estão os
moradores? Veja desafios que vítimas, governos e a mineradora ainda têm
de enfrentar.
Introdução
O que fazer com a lama?
Um ano após o
rompimento da barragem de Fundão, o pó de minério ainda encobre áreas
devastadas. Ao longo de rios, o alaranjado das águas encontra o cinza e o
marrom dos bolsões de rejeito. Milhões e milhões de metros cúbicos da
lama – agora, boa parte seca – seguem espalhados, deixando marcas no
meio ambiente. E o que fazer com todo esse rejeito? Ainda não há uma
solução definitiva.
Para o Ministério Público de Minas Gerais
(MPMG), a remoção do rejeito é urgente para evitar novas tragédias e
para o início efetivo da recuperação ambiental. Até agora, a Samarco só
tirou 2% da lama que se acumulou entre Bento Rodrigues, o distrito mais
afetado pela tragédia, e a Usina Hidrelétrica de Risoleta Neves,
conhecida como Candonga.
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Quando a barragem de Fundão se rompeu, liberando
43,8 milhões de metros cúbicos de rejeito, o promotor do MPMG Carlos
Eduardo Ferreira Pinto imaginava que, um ano depois, o trabalho do órgão
estaria focado na fiscalização das ações de recuperação. Mas a
realidade é outra. “Hoje, não. A gente se encontra fiscalizando obras
emergenciais, que são feitas para garantir segurança de Candonga ainda,
porque a lama não foi retirada dos rios”, afirma.
No Plano de Recuperação Ambiental Integrado (Prai), entregue pela Samarco a autoridades mineiras em agosto, a mineradora estimou, de acordo com cálculos feitos em julho, que 25,7 milhões de metros cúbicos de sedimento foram depositados entre a comunidade devastada e o barramento da usina, que serviu como obstáculo, interrompendo o fluxo de parte do “mar de lama”. A Fundação Renova divulgou a estimativa de que foram removidos pouco mais de 500 mil metros cúbicos de lama, entre 5 de novembro de 2015 e 31 de outubro de 2016.
Essa fundação é a responsável pelos programas de reparação e reconstrução das áreas afetadas. Ela foi criada depois do acordo firmado entre a Samarco e os governos federal, mineiro e capixaba, mas sua homologação foi anulada pela Justiça. A mineradora e a entidade não quiseram conceder entrevista. O posicionamento veio por meio da assessoria de imprensa da fundação e da mineradora.
No Plano de Recuperação Ambiental Integrado (Prai), entregue pela Samarco a autoridades mineiras em agosto, a mineradora estimou, de acordo com cálculos feitos em julho, que 25,7 milhões de metros cúbicos de sedimento foram depositados entre a comunidade devastada e o barramento da usina, que serviu como obstáculo, interrompendo o fluxo de parte do “mar de lama”. A Fundação Renova divulgou a estimativa de que foram removidos pouco mais de 500 mil metros cúbicos de lama, entre 5 de novembro de 2015 e 31 de outubro de 2016.
Essa fundação é a responsável pelos programas de reparação e reconstrução das áreas afetadas. Ela foi criada depois do acordo firmado entre a Samarco e os governos federal, mineiro e capixaba, mas sua homologação foi anulada pela Justiça. A mineradora e a entidade não quiseram conceder entrevista. O posicionamento veio por meio da assessoria de imprensa da fundação e da mineradora.
Segundo a Fundação Renova, a remoção de rejeitos
é discutida em câmaras técnicas. “Uma matriz de decisão está sendo
construída junto com os órgãos ambientais”, afirma. Segundo a entidade,
paralelamente a esses debates, a Samarco vem atuando no controle de
erosão, desenvolvendo trabalhos de bioengenharia e outras iniciativas
para minimizar o aporte de sedimentos nos rios.
Apesar de acreditar que a retirada da lama é o melhor para a reabilitação do ecossistema e para garantia da segurança, o promotor não se mostra otimista quanto à limpeza definitiva dessas áreas. “Isso acontece muito no [campo do] meio ambiente. Você estabiliza e recupera em cima daquilo. É mais fácil, é mais cômodo, mais barato”, diz.
Apesar de acreditar que a retirada da lama é o melhor para a reabilitação do ecossistema e para garantia da segurança, o promotor não se mostra otimista quanto à limpeza definitiva dessas áreas. “Isso acontece muito no [campo do] meio ambiente. Você estabiliza e recupera em cima daquilo. É mais fácil, é mais cômodo, mais barato”, diz.
Para onde vão os rejeitos
Dos cerca de 500
mil metros cúbicos de rejeito removidos pela Samarco até agora, 157 mil
metros cúbicos saíram de Barra Longa. Conforme a Fundação Renova, parte
do material está depositado em uma fazenda, a aproximadamente 1,5
quilômetro da cidade. “O local é utilizado desde janeiro deste ano e foi
autorizado pelos órgãos ambientais”, diz a entidade.
Outro ponto de descarte temporário dos rejeitos é
um terreno que fica no bairro Morro Vermelho, logo na entrada da
cidade. Em agosto, a empresa foi multada em R$ 1 milhão pelo Instituto
Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por
omitir em um documento oficial a existência desse depósito. A empresa
recorreu e afirmou, na ocasião, que foi uma das soluções encontradas
para restabelecer os acessos urbanos e a limpeza da cidade. Segundo a
Samarco, órgãos ambientais sabiam e tinham vistoriado o local.
O secretário municipal de Administração e Meio Ambiente, Antônio Alcides, diz que a prefeitura não sabe até quando o material ficará nesse terreno, que deveria abrigar um parque de exposições. “Essa lama foi colocada no parque porque não tinha outro lugar. A previsão era de tirar em abril, no máximo”, afirma ele, completando que isso é responsabilidade da Samarco. “Eles vão ter que tirar [a lama], porque ali é o início das obras de um parque de exposição e já tem dinheiro do governo federal [cerca de R$ 350 mil] investido ali”, diz Antônio Alcides. O secretário acrescenta que a mineradora prometeu finalizar as obras, mas ele não fala em prazos.
O secretário municipal de Administração e Meio Ambiente, Antônio Alcides, diz que a prefeitura não sabe até quando o material ficará nesse terreno, que deveria abrigar um parque de exposições. “Essa lama foi colocada no parque porque não tinha outro lugar. A previsão era de tirar em abril, no máximo”, afirma ele, completando que isso é responsabilidade da Samarco. “Eles vão ter que tirar [a lama], porque ali é o início das obras de um parque de exposição e já tem dinheiro do governo federal [cerca de R$ 350 mil] investido ali”, diz Antônio Alcides. O secretário acrescenta que a mineradora prometeu finalizar as obras, mas ele não fala em prazos.
De acordo com a Samarco, a lama foi depositada
no parque exposições até janeiro. A mineradora diz que a manutenção do
material no local foi discutida com o poder público e com a comunidade. A
companhia afirma ainda que, para evitar o que o sedimento seja carreado
para o Rio do Carmo, instalou contenções. “Foi feito uma conformação do
material, plantio de hidro-semeaduras no local e aplicada uma biomanta
no talude. Além disto, foi instalado um dispositivo de drenagem em toda a
extensão do parque, na margem do rio”, explica.
Ainda conforme a mineradora, a pilha de rejeito será transferida para um campo de futebol ao lado do terreno, que será alteado e reformado. “O projeto do campo foi idealizado com o objetivo de conter o material, que será compactado, evitando carreamentos do material para o Rio do Carmo. A comunidade e a prefeitura foram ouvidas durante a elaboração do projeto, que já foi protocolado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad)”, afirma a mineradora. O campo de futebol deverá ser entregue à comunidade no primeiro semestre de 2017, e o parque de exposições, em dezembro do mesmo ano.
Ainda conforme a mineradora, a pilha de rejeito será transferida para um campo de futebol ao lado do terreno, que será alteado e reformado. “O projeto do campo foi idealizado com o objetivo de conter o material, que será compactado, evitando carreamentos do material para o Rio do Carmo. A comunidade e a prefeitura foram ouvidas durante a elaboração do projeto, que já foi protocolado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad)”, afirma a mineradora. O campo de futebol deverá ser entregue à comunidade no primeiro semestre de 2017, e o parque de exposições, em dezembro do mesmo ano.
O restante da lama removida – cerca de 380 mil
metros cúbicos de rejeito – saiu de Candonga, onde, de acordo com
estimativa divulgada pela própria Samarco no plano de recuperação, 10,5
milhões de metros cúbicos de rejeito se instalaram. Em julho, dragas
começaram a sugar a lama, que é lançada em cinco pontos ao longo da
represa. Segundo a Fundação Renova, a Samarco também comprou um terreno
perto da usina e pretende levar para lá os sedimentos. Denominada
Fazenda Floresta, a área está em fase de sondagens. A previsão é que
comece a ser usada em janeiro de 2017.
Ainda de acordo com a fundação, a expectativa é que a dragagem atinja 1,3 milhão de metros cúbico de rejeito até julho de 2017. Mas, com a chegada do período chuvoso, o Ibama teme que mais lama chegue ao reservatório, apesar de descartar risco o de rompimento. Em um cenário pessimista, o órgão considera que outros 4 milhões de metros cúbicos de rejeito possam ser carreados para lá e que a lama possa seguir caminho pelo Rio Doce, chegando, novamente, ao mar do Espírito Santo. Para os técnicos que assessoram o MPMG, ainda não está claro o que fazer com o restante da lama.
Ainda de acordo com a fundação, a expectativa é que a dragagem atinja 1,3 milhão de metros cúbico de rejeito até julho de 2017. Mas, com a chegada do período chuvoso, o Ibama teme que mais lama chegue ao reservatório, apesar de descartar risco o de rompimento. Em um cenário pessimista, o órgão considera que outros 4 milhões de metros cúbicos de rejeito possam ser carreados para lá e que a lama possa seguir caminho pelo Rio Doce, chegando, novamente, ao mar do Espírito Santo. Para os técnicos que assessoram o MPMG, ainda não está claro o que fazer com o restante da lama.
Chuvas trazem mais riscos
Com tanta lama
ainda espalhada e com chegada de mais uma temporada de chuva, a
preocupação com a segurança aumenta, e o tempo para Samarco implementar
medidas para reduzir os riscos diminui. Pesquisadores dizem que a chuva
pode fazer com que uma parcela do rejeito que está às margens dos rios
seja levada para dentro d’água, afetando mais uma vez a cadeia
ecológica. Nas águas alaranjadas, as praias de minério estão por toda
parte.
“Se isso não for retirado, em toda época de
chuva, vai ter lavagem de parte do material. Parte disso vai encontrar a
calha do rio e vai, de novo, gerar turbidez na água. E isso vai chegar
ao oceano. (...) Você está impedindo que a recuperação se inicie. Ou,
uma vez iniciada, ela vai parar sempre no ciclo chuvoso”, explica o
coordenador do Instituto Prístino, Flávio Fonseca do Carmo, que
assessora os trabalhos do Ministério Público.
Em Bento Rodrigues, as memórias dos antigos moradores dividem espaço com as obras para construção de mais um dique, o S4. Motivo de polêmica e de questionamentos na Justiça, a estrutura, conforme a mineradora, é fundamental para evitar um novo carreamento de rejeitos. (...) carreamento de rejeitos. Outra obra é feita na área do Complexo de Germano, onde é construída a nova barragem de Santarém. Ela fica ao lado da antiga barragem de mesmo nome, onde parou parte da lama de Fundão, e terá como finalidade conter a possível descida da lama remanescente no vale.
A professora Bernardete Domingos Atanásio, de 36 anos, mora em Barra Longa, cidade que fica a cerca de 60 quilômetros de Mariana e para onde a lama também levou destruição. Ela diz que o medo do que pode ocorrer quando a chuva chegar tem tirado seu sono.
Como os moradores, o promotor também se diz angustiado com o fim da estiagem. Ele destaca que não despreza as medidas adotadas pela Samarco para contenção da lama, mas questiona a forma como a empresa vem implementado essas ações. “Agora, isso é o mínimo que se podia esperar de alguém responsável pelo maior dano ambiental da nossa história. Então, não dá para aplaudir o que está sendo feito. Pelo contrário, tudo é feito de maneira emergencial, depois do tempo. Então, me parece que a Samarco reagiu e reage de maneira improvisada”, argumenta.
Em Bento Rodrigues, as memórias dos antigos moradores dividem espaço com as obras para construção de mais um dique, o S4. Motivo de polêmica e de questionamentos na Justiça, a estrutura, conforme a mineradora, é fundamental para evitar um novo carreamento de rejeitos. (...) carreamento de rejeitos. Outra obra é feita na área do Complexo de Germano, onde é construída a nova barragem de Santarém. Ela fica ao lado da antiga barragem de mesmo nome, onde parou parte da lama de Fundão, e terá como finalidade conter a possível descida da lama remanescente no vale.
A professora Bernardete Domingos Atanásio, de 36 anos, mora em Barra Longa, cidade que fica a cerca de 60 quilômetros de Mariana e para onde a lama também levou destruição. Ela diz que o medo do que pode ocorrer quando a chuva chegar tem tirado seu sono.
Como os moradores, o promotor também se diz angustiado com o fim da estiagem. Ele destaca que não despreza as medidas adotadas pela Samarco para contenção da lama, mas questiona a forma como a empresa vem implementado essas ações. “Agora, isso é o mínimo que se podia esperar de alguém responsável pelo maior dano ambiental da nossa história. Então, não dá para aplaudir o que está sendo feito. Pelo contrário, tudo é feito de maneira emergencial, depois do tempo. Então, me parece que a Samarco reagiu e reage de maneira improvisada”, argumenta.
Exemplo da Espanha
A pedido do
MPMG, Flávio Fonseca do Carmo e Luciana Hiromi Yoshino Kaminoque, do
Instituto Instituto Prístino, analisaram estudos sobre outros desastres
ambientais, ocorridos em diversas partes do mundo. Nos casos elencados,
as ações depois dos incidentes foram divididas em três fases: obras
emergenciais, limpeza e recuperação ambiental. Para eles, no caso de
Fundão, os trabalhos se encontram, predominantemente, na primeira etapa.
Um dos exemplos destacados pelos pesquisadores
como um caso bem-sucedido é o desastre de Aznalcóllar, na região da
Andaluzia, na Espanha. Em abril de 1998, uma barragem de rejeitos da
mineração de ouro, mantida pela empresa sueca Boliden AB, rompeu-se,
liberando material tóxico e colocando em risco o Parque Nacional e
Natural de Doñana.
Segundo os biólogos, neste episódio, os rejeitos foram retirados do meio ambiente e levados para uma cava da mineradora. De acordo com uma publicação da WWF, em um ano, 7 milhões de metros cúbicos de material foram removidos e colocados na estrutura. Ainda conforme a ONG, também em 1999, outra limpeza foi feita em áreas em que concentração residual de metal ainda não havia atingido os níveis recomendáveis, e mais 1 milhão de metros cúbicos de rejeito foi transportado para a cava.
Segundo os biólogos, neste episódio, os rejeitos foram retirados do meio ambiente e levados para uma cava da mineradora. De acordo com uma publicação da WWF, em um ano, 7 milhões de metros cúbicos de material foram removidos e colocados na estrutura. Ainda conforme a ONG, também em 1999, outra limpeza foi feita em áreas em que concentração residual de metal ainda não havia atingido os níveis recomendáveis, e mais 1 milhão de metros cúbicos de rejeito foi transportado para a cava.
Rejeitos podem gerar renda
Pesquisadores
buscam formas de reaproveitar o rejeito de minério. O professor da
Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Ricardo Fiorotti, por exemplo,
estuda como transformar a lama em ferramenta de resgate social e
ambiental. O pesquisador coordena um projeto que recebeu cerca de R$ 60
mil da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig). O
objetivo é investigar possibilidades de reciclagem e reutilização do
rejeito para produção de materiais de construção, como peças de
concreto, tijolos e até tintas orgânicas.
“Vamos olhar a bacia do Rio Doce como
engenheiros, em primeiro lugar, e, depois, como empreendedores, porque a
gente quer descobrir se é possível transformar esse material que está
depositado ao longo da bacia do Rio Doce em fonte de renda, e modificar,
de verdade, a vida daquelas pessoas, que foi tão abruptamente
alterada”, explica.
Apesar de o projeto de pesquisa do professor
prever a remoção do rejeito de minério de locais afetados pelo desastre
ambiental, ele afirma considerar mais razoável a implementação de
esforços para recomposição da natureza do que a retirada total da lama.
Além de citar a dificuldade de se encontrar uma solução para remoção,
transporte e disposição do material, Fiorotti acredita que esse processo
pode trazer ainda mais danos para as comunidades já afetadas.
“Se você tirar essa lama de lá e levar para um
aterro industrial, quem vai ganhar é o dono do aterro industrial, o dono
da máquina e o dono do caminhão. A população vai ganhar o quê? (...)
Eles vão ficar sem nada. Eles vão ficar cinco anos sem poder usar aquela
região, porque vai ter máquina trabalhando”, argumenta. Para o
professor, mais eficaz seria se o valor necessário para a retirada de
toda a lama fosse reinvestido nas localidades.
De acordo com a Fundação Renova, entre as opções de manejo do rejeito, estão a remoção ou a conformação e tratamento do material no próprio local. “A escolha da melhor forma de recuperação ambiental deve levar em conta os impactos das atividades e a eficácia das mesmas para se obter os resultados desejados”, diz a entidade.
Nos pontos em que houver remoção, a intenção da fundação é adotar metodologia semelhante à escolhida para Barra Longa e Candonga, dispondo o material “definitivamente em depósitos preparados para este fim, contendo todos os controles ambientais e prevendo seu uso alternativo futuro”. Para a área de Bento Rodrigues, a retirada de 1 milhão de metros cúbicos de rejeito já está prevista. Os coordenadores do Instituto Prístino dizem que o discurso ainda está distante do que é visto na prática. “Eles têm que buscar uma alternativa, ou melhor, uma solução definitiva. Nós não temos a resposta”, diz a bióloga Luciana Kaminoque.
De acordo com a Fundação Renova, entre as opções de manejo do rejeito, estão a remoção ou a conformação e tratamento do material no próprio local. “A escolha da melhor forma de recuperação ambiental deve levar em conta os impactos das atividades e a eficácia das mesmas para se obter os resultados desejados”, diz a entidade.
Nos pontos em que houver remoção, a intenção da fundação é adotar metodologia semelhante à escolhida para Barra Longa e Candonga, dispondo o material “definitivamente em depósitos preparados para este fim, contendo todos os controles ambientais e prevendo seu uso alternativo futuro”. Para a área de Bento Rodrigues, a retirada de 1 milhão de metros cúbicos de rejeito já está prevista. Os coordenadores do Instituto Prístino dizem que o discurso ainda está distante do que é visto na prática. “Eles têm que buscar uma alternativa, ou melhor, uma solução definitiva. Nós não temos a resposta”, diz a bióloga Luciana Kaminoque.
Lembranças da tragédia
As marcas da
altura atingida pela lama da barragem de Fundão em Barra Longa (MG) já
não são mais evidentes no portal que sustenta o nome da cidade, assim
como em postes e muros do entorno da praça central. Com cerca de 7 mil
habitantes, o município é um dos mais de 40 atingidos pela tragédia. Lá,
os sinais dos trabalhos de recuperação estão para todo canto e no
horizonte embaçado pela poeira das obras. Mesmo com a revitalização em
curso, os moradores ainda enfrentam transtornos e traumas emocionais,
que chegaram com o “mar de lama”.
A professora Bernardete Domingos Atanásio, de 39
anos, conta que seu filho, Marcus Vinícius, de 5, ficou em estado de
choque depois da tragédia e desenvolveu alergias. Hoje mal tem vontade
de sair para ir à aula e até para brincar. “Isso tudo mexeu demais com
ele, demais mesmo. Agora, ele não quer nada.”
A lama atingiu Barra Longa na madrugada do dia 6 de novembro, cerca de dez horas após a barragem se romper. As lembranças daquele dia seguem vivas para a professora, assim como as consequências. “Quando foi meia-noite, passou um carro buzinando pela rua afora, dando um alerta. Diz que era o prefeito que mandou avisar que era para todo mundo sair, porque o negócio era feio”, recorda. Por volta das 2h, os moradores da zona urbana testemunharam a força do “mar de lama”, que já havia demonstrado brutalidade no distrito de Gesteira, onde foram destruídas oito casas. Os escombros permanecem sob a lama seca.
“Na hora que chegou aqui fez o estrago todo na cidade, mas deu tempo de todo mundo sair de casa”, conta a professora, que se abrigou com uma irmã. Enquanto os restos de minério solapavam as ruas de Barra Longa, o filho de Bernardete dormia. Foi na manhã seguinte que Marcus Vinícius viu de perto os efeitos do maior desastre ambiental do país. “Na hora que a gente saiu de casa, ele não viu aquilo tudo acontecendo, estava meio sonolento, né? Mas, no sábado de manhã, meu Deus, ele acordou em estado de choque”, afirma.
A lama atingiu Barra Longa na madrugada do dia 6 de novembro, cerca de dez horas após a barragem se romper. As lembranças daquele dia seguem vivas para a professora, assim como as consequências. “Quando foi meia-noite, passou um carro buzinando pela rua afora, dando um alerta. Diz que era o prefeito que mandou avisar que era para todo mundo sair, porque o negócio era feio”, recorda. Por volta das 2h, os moradores da zona urbana testemunharam a força do “mar de lama”, que já havia demonstrado brutalidade no distrito de Gesteira, onde foram destruídas oito casas. Os escombros permanecem sob a lama seca.
“Na hora que chegou aqui fez o estrago todo na cidade, mas deu tempo de todo mundo sair de casa”, conta a professora, que se abrigou com uma irmã. Enquanto os restos de minério solapavam as ruas de Barra Longa, o filho de Bernardete dormia. Foi na manhã seguinte que Marcus Vinícius viu de perto os efeitos do maior desastre ambiental do país. “Na hora que a gente saiu de casa, ele não viu aquilo tudo acontecendo, estava meio sonolento, né? Mas, no sábado de manhã, meu Deus, ele acordou em estado de choque”, afirma.
Problemas de saúde
Quatro dias após
a lama chegar a Barra Longa, uma alergia atacou os pés e as pernas de
Marcus Vinícius. Para sua mãe, a professora Bernardete Atanásio, isso
foi resultado do contato com a lama. Foi preciso buscar tratamento com
um especialista na vizinha Ponte Nova. Depois, vieram as alergias
respiratórias, bronquite, uso diário de bombinha. No dia a dia do
menino, também foram incluídas consultas com psicólogo e psiquiatra,
além de prescrição de remédio tarja preta.
A professora não é a única que teve a vida
afetada. Um grupo de moradores foi criado há dois meses para discutir
questões relativas à saúde. Quem também faz parte é Diana Jaqueira
Fernandes, de 33 anos, que se mudou para a cidade para fazer a pesquisa
do doutorado em psicologia social, pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP). A percepção da psicóloga é que problemas de
saúde não são pontuais em Barra Longa. “A questão de saúde está
silenciada, e as pessoas vão se cuidando como podem. Algumas se cuidam e
outras não se cuidam porque não tem recursos”, diz.
Somente nos primeiros cinco meses de 2016, a prefeitura da cidade registrou aumento de cerca de 1.000% nos atendimentos em geral, que saltaram de 22, entre janeiro e maio de 2015, para 289, no mesmo período deste ano. Mas moradores dizem que falta atendimento especializado no município e, muitas vezes, têm que viajar para outras cidades e pagar por consultas particulares.
A Samarco afirma que o rejeito não traz riscos à saúde, sendo classificado como inerte e não perigoso pela norma brasileira NBR 10.004. “Só que o rejeito que está aqui não é o rejeito lá da barragem. O que está aqui é um rejeito que trouxe animal, casas, pessoas mortas. E é um processo de desequilíbrio do meio ambiente muito grande”, afirma a psicóloga.
Somente nos primeiros cinco meses de 2016, a prefeitura da cidade registrou aumento de cerca de 1.000% nos atendimentos em geral, que saltaram de 22, entre janeiro e maio de 2015, para 289, no mesmo período deste ano. Mas moradores dizem que falta atendimento especializado no município e, muitas vezes, têm que viajar para outras cidades e pagar por consultas particulares.
A Samarco afirma que o rejeito não traz riscos à saúde, sendo classificado como inerte e não perigoso pela norma brasileira NBR 10.004. “Só que o rejeito que está aqui não é o rejeito lá da barragem. O que está aqui é um rejeito que trouxe animal, casas, pessoas mortas. E é um processo de desequilíbrio do meio ambiente muito grande”, afirma a psicóloga.
Pilhas de receitas e laudos
Com a voz rouca e
por vezes interrompida pela tosse, a comerciante Edivânia de Oliveira,
de 36 anos, conta sobre as diversas vezes que foi a Ponte Nova levar a
filha caçula, de 4, ao médico. Ana Clara está fazendo tratamento para
alergia respiratória e precisa tomar todos os dias doses de uma vacina.
Para a comerciante, a situação da filha é agravada pelas obras de
recuperação de Barra Longa.
Uma semana antes da data em que se completa um
ano que a lama atingiu a cidade, a Samarco entregou para a população a
nova Praça Manoel Lino Mol, o que, segundo o diretor-presidente da
empresa, Roberto Carvalho, não é motivo para comemoração. Segundo a
mineradora, 90% das obras previstas de reconstrução e reparação ficaram
prontas nestes 12 meses. Apesar disso, Carvalho admitiu que ainda há
muito a ser feito.
A cidade se transformou em um canteiro de obras, e onde há obras, há transtornos. Ao mesmo tempo em que a poeira sobe, castigando o organismo e ofuscando a paisagem, caminhões-pipa seguem num vai e vem pelas ruas, mangueiras ajudam comerciantes a proteger estoques e um equipamento lança um jato de água, que se espalha como uma névoa sobre a montanha de rejeito no parque de exposições. As tentativas para amenizar as consequências do pó, no entanto, parecem não ser suficientes.
A cidade se transformou em um canteiro de obras, e onde há obras, há transtornos. Ao mesmo tempo em que a poeira sobe, castigando o organismo e ofuscando a paisagem, caminhões-pipa seguem num vai e vem pelas ruas, mangueiras ajudam comerciantes a proteger estoques e um equipamento lança um jato de água, que se espalha como uma névoa sobre a montanha de rejeito no parque de exposições. As tentativas para amenizar as consequências do pó, no entanto, parecem não ser suficientes.
“Eu moro na rodovia, perto do encontro dos rios.
A poeira nossa é dia e noite porque, no centro, os caminhões passam a
30, 40 km/h. Lá, como é rodovia, eles passam a 60, 70 km/h. Eu não tenho
como colocar uma roupa para secar durante o dia. Eu tenho que limpar a
casa de manhã, à tarde e à noite. Tenho que trocar roupa de cama e
toalha todos os dias”, diz Edivânia.
Assim como a comerciante, outras mães de Barra Longa passaram a ter o cotidiano tomado por viagens e gastos extra para tratamento de alergias. A auxiliar de educação básica, Simone Maria da Silva, de 39 anos, coleciona receitas e diagnósticos de Sofia, de 1 ano e 9 meses, assim como a professora Maria Aparecida Silva Neves, de 53, que guarda toda a papelada que se acumula a cada nova consulta de Lucas, de 15.
A Samarco diz que forneceu insumos hospitalares, medicamentos e equipamentos médicos, além de diversos profissionais de saúde, como médicos generalistas, psiquiatra, enfermeiro, psicólogos e assistentes sociais. A mineradora afirma também que oferece ao munícipio uma ambulância com condutor e enfermeiro socorrista para atendimentos e remoções de urgência e de emergência. Ainda segundo a empresa, foram contratadas consultorias em saúde pública e em saúde mental, para apoiar e capacitar tecnicamente a Prefeitura de Barra Longa.
Assim como a comerciante, outras mães de Barra Longa passaram a ter o cotidiano tomado por viagens e gastos extra para tratamento de alergias. A auxiliar de educação básica, Simone Maria da Silva, de 39 anos, coleciona receitas e diagnósticos de Sofia, de 1 ano e 9 meses, assim como a professora Maria Aparecida Silva Neves, de 53, que guarda toda a papelada que se acumula a cada nova consulta de Lucas, de 15.
A Samarco diz que forneceu insumos hospitalares, medicamentos e equipamentos médicos, além de diversos profissionais de saúde, como médicos generalistas, psiquiatra, enfermeiro, psicólogos e assistentes sociais. A mineradora afirma também que oferece ao munícipio uma ambulância com condutor e enfermeiro socorrista para atendimentos e remoções de urgência e de emergência. Ainda segundo a empresa, foram contratadas consultorias em saúde pública e em saúde mental, para apoiar e capacitar tecnicamente a Prefeitura de Barra Longa.
Tristeza abate idosos
Além de mudanças
na saúde das crianças e jovens, moradores relatam impactos na vida de
idosos nos últimos 12 meses. Edivânia, por exemplo, afirma que a
tristeza tomou conta do pai dela, que passa por tratamento psiquiátrico.
“Ele trabalhava, ele tinha o quintal todo dele para cuidar, mas ele
perdeu todo o quintal dele, só ficou a casa. Perdeu as galinhas, os
porcos, os pés de fruta, mandioca. É isso que adoeceu ele. No princípio,
ele só comia e dormia, não saia de casa”, lamenta a comerciante.
A chegada da lama também mudou a rotina de Maria
Geralda Bento que, aos 78 anos, recorda que andava para cima e para
baixo vendendo roupas, tapetes, entre outros artigos. Hoje, não mais.
“Dessa idade, dessa magreleza, eu rodava essa Barra Longa todinha,
vendendo tudo. Acabou que a lama veio e levou tudo. O que que eu vou
fazer? Eu não tenho nem prazer de fazer tapete mais”, conta.
A enxurrada de rejeito obrigou Maria Geralda a se mudar, às pressas, da zona rural para a área urbana da cidade. A idosa, que morava em uma das oito casas destruídas em Gesteira, só teve coragem de voltar ao distrito cinco meses depois da tragédia. Até hoje, ela tenta encontrar os tachos de cobre, que acredita estarem encobertos e camuflados pela terra.
Em junho deste ano, os moradores da comunidade escolheram o terreno onde será reerguida a parte destruída de Gesteira. A previsão da Samarco é que a entrega dos imóveis ocorra até 2019. Atualmente, Maria Geralda vive em um imóvel alugado pela mineradora, mas está temerosa porque, segundo ela, o pagamento do aluguel estaria atrasado. A espera pela casa nova é marcada pelo desânimo. “Eu não tenho saúde mais, não. Minha vida é chorar, não durmo, estou só emagrecendo. Era gostoso demais minha casa, era tudo direitinho. Agora, eu não tenho alegria na minha vida mais”, desabafa. Segundo a mineradora, a situação da idosa está em regularização, e novas opções de imóvel serão apresentadas a ela.
A enxurrada de rejeito obrigou Maria Geralda a se mudar, às pressas, da zona rural para a área urbana da cidade. A idosa, que morava em uma das oito casas destruídas em Gesteira, só teve coragem de voltar ao distrito cinco meses depois da tragédia. Até hoje, ela tenta encontrar os tachos de cobre, que acredita estarem encobertos e camuflados pela terra.
Em junho deste ano, os moradores da comunidade escolheram o terreno onde será reerguida a parte destruída de Gesteira. A previsão da Samarco é que a entrega dos imóveis ocorra até 2019. Atualmente, Maria Geralda vive em um imóvel alugado pela mineradora, mas está temerosa porque, segundo ela, o pagamento do aluguel estaria atrasado. A espera pela casa nova é marcada pelo desânimo. “Eu não tenho saúde mais, não. Minha vida é chorar, não durmo, estou só emagrecendo. Era gostoso demais minha casa, era tudo direitinho. Agora, eu não tenho alegria na minha vida mais”, desabafa. Segundo a mineradora, a situação da idosa está em regularização, e novas opções de imóvel serão apresentadas a ela.
No entorno da casa de Maria Geralda, escombros,
pedaços de móveis e objetos que pertenciam a ela e aos vizinhos se
misturam ao rejeito acumulado, criando um relevo onde é difícil
caminhar. Os pés da aposentada Creusa da Silva Gomes, de 63 anos,
parecem já estar acostumados com os obstáculos da nova geografia de
Gesteria; os olhos, no entanto, não. Na casa da aposentada, na parte
alta do distrito, a lama não chegou. Já na plantação de Creusa, que
ficava às margens do Rio Gualaxo do Norte, legumes, frutas e hortaliças
não brotam mais. Até o fim da década de 1970, quando uma enchente
atingiu o distrito, ela morava no terreno. Mesmo depois de se mudar,
manteve a horta, que servia para o sustento da família.
Sem a plantação, Creusa viu o orçamento mensal apertar. Ela diz que as aposentadorias dela e do marido, que somam dois salários mínimos, passaram a também ter que dar conta de um gasto extra de cerca de R$ 600 todo mês. Apesar de alegar prejuízo na renda, a aposentada afirma que, devido ao fato de a plantação ser de subsistência, não teve direito ao cartão de auxílio, distribuído para quase 250 famílias em Barra Longa.
Segundo a Samarco, “os critérios para recebimento desse cartão foram definidos junto ao Ministério Público e estão relacionados às atividades laborativas ou ao deslocamento físico causado pelo evento”. Ainda conforme a empresa, os cartões não têm caráter indenizatório, e a moradora poderá participar do “Programa de Indenização Mediada” realizado pela empresa.
Mesmo passando um ano bem perto da destruição, relembrar a tragédia e pensar no futuro ainda não é fácil para ela. “Sinto saudade, saudade do lugar, das plantas, porque hoje a gente vê só isso – lama, mato – sem ter um retorno. Esperança a gente tem, mas não tem certeza porque eles só fazem reunião, reunião... Não decidem uma coisa certa, eles ficam enrolando a gente. Hoje em dia, a gente não conhece o coração dos outros, coração é terra que ninguém vai. Então, a gente tem que esperar o que Deus prepara pra gente”, lamenta Creusa.
Sem a plantação, Creusa viu o orçamento mensal apertar. Ela diz que as aposentadorias dela e do marido, que somam dois salários mínimos, passaram a também ter que dar conta de um gasto extra de cerca de R$ 600 todo mês. Apesar de alegar prejuízo na renda, a aposentada afirma que, devido ao fato de a plantação ser de subsistência, não teve direito ao cartão de auxílio, distribuído para quase 250 famílias em Barra Longa.
Segundo a Samarco, “os critérios para recebimento desse cartão foram definidos junto ao Ministério Público e estão relacionados às atividades laborativas ou ao deslocamento físico causado pelo evento”. Ainda conforme a empresa, os cartões não têm caráter indenizatório, e a moradora poderá participar do “Programa de Indenização Mediada” realizado pela empresa.
Mesmo passando um ano bem perto da destruição, relembrar a tragédia e pensar no futuro ainda não é fácil para ela. “Sinto saudade, saudade do lugar, das plantas, porque hoje a gente vê só isso – lama, mato – sem ter um retorno. Esperança a gente tem, mas não tem certeza porque eles só fazem reunião, reunião... Não decidem uma coisa certa, eles ficam enrolando a gente. Hoje em dia, a gente não conhece o coração dos outros, coração é terra que ninguém vai. Então, a gente tem que esperar o que Deus prepara pra gente”, lamenta Creusa.
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Créditos:
Reportagem: Raquel Freitas (texto e fotos) e Thais Pimentel (vídeo)
Edição: Cintia Paes (conteúdo), Amanda Polato (texto) e Humberto Trajano (vídeo)
Design: Fernanda Garrafiel e Rodrigo Cunha
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Edição: Cintia Paes (conteúdo), Amanda Polato (texto) e Humberto Trajano (vídeo)
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