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COLUNISTA VIP:
A República vem aí
É uma enorme hipocrisia dar ao grande capital, ao ‘mercado’, o protagonismo neste momento tão crucial da vida brasileira
A Praça dos Três Poderes
conspira abertamente contra a Lava-Jato. Teme que a República seja
abalada. Apurar até o fim as acusações de corrupção colocaria em risco a
estabilidade política. Sim, para os donos do poder — e não é uma
simples imagem linguística — a punição dos grandes empresários, de
políticos e seus asseclas não faz bem à democracia. Para eles, tudo tem
de continuar como está. A Lava-Jato teria ido longe demais.
No Congresso, as principais lideranças preparam a aprovação de um projeto de lei anistiando o caixa dois.
Argumentam que todos os partidos políticos tiveram de se adequar à
realidade, a da violação da lei. Seria o único meio de fazer uma
campanha eleitoral. Não receberam o dinheiro para usufruto pessoal — o
caixa três. Não. Todos os recursos foram aplicados nas campanhas.
Segundo eles, as contribuições ilícitas seriam lícitas. Neste curioso
jogo de palavras não há propina, desvio de recursos públicos ou
sobrepreço no pagamento de obras ou mercadorias por parte do poder
público ou de suas empresas ou bancos. Mas, simplesmente, a inexistência
de registro contábil de recebimento de apoio financeiro.
Se for aprovada a anistia
do caixa dois, o Congresso vai concluir sua recente obra de legalizar a
ilegalidade, que inclui a Lei de Leniência e a da repatriação de
capitais. É o elogio ao crime, que, no Brasil, compensa. E, pior,
com o objetivo de salvar dezenas de políticos de processos-crimes,
acabará desmoralizando a ação da Justiça, impedindo o devido saneamento
da vida pública.
Nesta conspiração antirrepublicana, que preserva o status quo, o
grande capital especulativo e espoliador joga importante papel. Foi
parceiro durante 13 anos do PT. Nada fez pelo impeachment. Silenciou
quando das revelações dos escândalos. Participou do saque. Obteve lucros
fabulosos. Glorificou Lula durante anos. E, agora, tenta esconder seus
interesses — nada republicanos — sob a alcunha de “mercado.” É uma
enorme hipocrisia dar ao grande capital, ao “mercado”, o protagonismo
neste momento tão crucial da vida brasileira.
A elite político-econômica tem nas cortes superiores de Brasília
aliados poderosos. A maioria dos ministros deseja limitar a ação da
Lava-Jato. Creem que ela foi longe demais. Invocam preceitos jurídicos
como cortina de fumaça. São tão farsantes como as lideranças políticas
do Congresso. A única diferença é o uso da toga. Desejam deixar tudo
como está. Afinal, são partícipes entusiastas desta República bufa.
Nos últimos dias, o
desespero da Praça dos Três Poderes aumentou de intensidade. A
proximidade da delação premiada de 75 diretores, altos funcionários e
dos proprietários da Odebrecht intensificou as articulações. Temem que
sejam atingidos em larga escala — como serão. Tudo indica que o Brasil
não será o mesmo após as homologações das delações. Devem atingir todo o
espectro político de Brasília. E com efeitos incalculáveis.
Daí a operação para conter seus efeitos. Buscam edificar às pressas um arcabouço legal. É uma luta de desesperados. A Lava-Jato não vai interromper sua ação.
Necessitam desmoralizá-la. Tentaram. Não conseguiram. Resta a chicana
jurídica, o apoio das Cortes nada superiores de Brasília e a busca de
apoio na sociedade apontando o perigo de colocar em risco a recuperação
econômica.
É difícil encontrar outro
momento na história republicana brasileira tão propício como o que
vivemos para enfrentar — e vencer — a estrutura corrupta que tomou conta
do país. A Constituição de 1988 concedeu os instrumentos para o
exercício da cidadania. E que nestes últimos anos estão sendo exercidos.
Quando os direitos eram somente para inglês ver, não havia problema
algum. Tudo mudou quando foram exercidos na sua plenitude.
As grandes mobilizações
dos últimos dois anos, a presença ativa das redes sociais, a
auto-organização da sociedade civil e a vitoriosa luta pelo impeachment
de Dilma Rousseff deixaram os donos de poder em situação difícil. Não
podem mais decidir entre quatro paredes como gerir e dominar o nosso
país, como fizeram durante décadas.
O novo Brasil que está nascendo encontra na República carcomida o
seu maior adversário. É necessário destruí-la para poder edificar o
pleno estado democrático de direito. Esta é a contradição principal — e
antagônica. Não há qualquer possibilidade de encontrar uma conciliação
entre democracia e corrupção. O velho jeitinho congressual-jurídico não conta mais com a complacência popular.
A corrupção está de tal forma entranhada na estrutura republicana que impossibilita o sistema de se autorreformar.
Afinal, a corrupção é um sistema que contempla múltiplos interesses. Se
fosse apenas um negócio entre corruptor e corrupto, poderia ser de
fácil solução. E aí mora o nó górdio a ser desatado. Ao enfrentá-la, os
moralizadores da República vão ter de travar combates com poderosos
inimigos espalhados tanto na estrutura de Estado, como fora dela. A
socialização da corrupção deu a ela um enorme poder de resistência.
Coincidentemente, o ápice
da Lava-Jato deve ocorrer próximo à data magna da República, o 15 de
novembro. Nunca estivemos tão perto de proclamá-la. Afinal, o marechal Deodoro da Fonseca simplesmente anunciou, naquela sexta-feira, logo pela manhã, a mudança do regime. A
hora é agora. E é possível. Se perdermos esta oportunidade,
dificilmente teremos outro momento tão propício para colocar em prática o
sonho dos republicanos históricos como Silva Jardim e Saldanha Marinho.
Marco Antonio Villa é historiador
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