Saindo da
linha
Nando
da Costa Lima
Seu sonho
era ser maquinista, mas por acidente do destino acabou virando governador.
Mesmo com o mais alto cargo do estado, não deixava de alimentar o velho sonho.
Até o bigode lembrava um maquinista de “Maria Fumaça”. Gostava tanto de trem de
ferro que, quando se viu com o poder nas mãos, botou na cabeça a ideia de
construir uma ferrovia que ligasse seu estado aos Estados Unidos. Segundo ele,
só assim pra acabar com a miséria dos conterrâneos. Os assessores, ao saberem
de tal aberração, foram explicar ao governador que ao realizar esta obra, além
de atravessar metade do País, teria que trilhar o resto da América do Sul, a
América Central toda (passando pelo canal do Panamá) e atravessar o México, aí
então ele alcançaria o destino. O governador chamou todo mundo de ignorante e falou
que iria pelo mar, assim não precisava mexer com dirigente de país nenhum
(bastava o daqui). Os assessores pensaram que era brincadeira. Mesmo assim,
lembraram ao governador que era impossível construir uma ponte cortando metade
do Atlântico. O governador já meio enfezado disse que não havia falado em
ponte, o seu plano era outro: ele iria contratar Moisés, acostumado a abrir o
oceano ao meio. Os assessores tornaram a explicar que era impossível, pois Moisés
era um personagem bíblico e que o homem havia morrido a
milhares de anos. Ao notarem que com doido não se chega a acordo, pediram
demissão.
Ele então se
lembrou que podia lançar mão do espiritismo (apesar de ser completamente nulo
no assunto, como em tudo), convocando um médium que recebesse Moisés. Pra isto
mandou chamar o mais conceituado do país que com muita paciência explicou ao
governador que não era possível tal coisa, afinal, Moisés já deveria estar em
outro plano espiritual, a estas alturas deveria ser parte do “Astral Superior”,
pois já haviam passados mais de dois mil anos de reencarnações, que na sua
passagem citada no livro sagrado ele já era um espírito evoluidíssimo, quanto
mais agora. O governador perguntou se ele não podia dar um toque em Deus, já
que Moisés tava tão ocupado. O médium explicou com toda paciência que todo
espiritualista tem com os menos inteligentes que “Deus é um número dotado de
movimento, que pode ser sentido, mas não pode ser demonstrado”. Pensou até em aconselhar um sanatório de doenças mentais, mas lembrou a tempo
que os poderosos não enlouquecem, ficam excêntricos. O governador se interessou
e quis saber quando ele estaria nesse plano espiritual tão evoluído que não
precisaria pedir ajuda a merda nenhum, nem pra se reeleger. O médium perdeu a
paciência e falou que pela burrice ele teria que morrer e reencarnar pelo menos
1800 vezes pra chegar lá. Isso se tirasse a ideia do trem de ferro da cabeça. O
governador se retou e queria cassar o médium por agressão ao patrimônio
nacional (ele). Frisou que se fosse no tempo da linha dura ele iria ter que
receber até Cristo se houvesse necessidade, mas se lembrou que os tempos são
outros e sossegou. Mandou dar só uma dúzia de bolos e apertar a língua com
alicate pra nunca mais chamar autoridade de burro, depois soltar.
No outro
dia, reuniu a imprensa e declarou: “Se a ferrovia não for concluída, a culpa é
de um tal de Moisés. Mas eu já tomei as providências e assim que encontrar o
homem eu meto ele na cadeia pro resto da vida. Me falaram por alto que ele tava
querendo morar em Canaã, amanhã mesmo eu vou pra Poções disfarçado. De lá eu
pego a marinete de Seu Leôncio, se ele tiver por lá eu acho...”.
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