quarta-feira, 30 de novembro de 2016

COLUNISTA VIP:

A REAL PROFESSORA NINA

EM HOMENAGEM A TODOS OS MESTRES

O homem sem instrução é um homem iludido. Em minha vida nunca imaginei que uma profissão tão linda e nobre fosse se transformar em medo, angústia e pesadelo. O orvalho da manhã está cada vez mais escasso, e a relva e a grama da minha casa estão secas. O prazer de ensinar e levar conhecimento aos rebentos virou uma obrigação. Sem o riso de antes, muitos estão partindo para outras atividades enfadonhas e chatas, seguindo a lei da sobrevivência a qualquer custo.
  Aprendi as primeiras letras e a entoar a tabuada para fazer umas continhas de somar, diminuir e multiplicar com a real professora leiga dona Nina, não aquela personagem título de livros, de peças teatrais, crônicas e contos como símbolo da nossa imaginação para identificar a profissão. Como tudo que acontece pela primeira vez na vida, nunca me esqueci daquela frágil, terna e carente mulher. Mas, o que mais me marcou foi a sua extrema pobreza e como arranjava forças para ensinar.

  Era meado dos anos 50 do século passado quando tive minha primeira professora. A infância na roça da fazenda Queimadinha, isolada de tudo, não me dava nenhuma noção do porquê tinha que caminhar com minha irmã dois, três quilômetros dentro de um matagal todos os dias para encontrar com a professora Nina, para ler soletrados os textos de uns livros e ouvir o clamor, choros e brigas de uma família de mais de dez pessoas por causa de um prato de comida nas horas do almoço.
  A professora Nina morava como agregada de um vasto latifundiário que mais lembrava os condes e duques franceses da pré-revolução. A fazenda de quilômetros e mais quilômetros de capim e gado se situava num território pertencente ao município de Mundo-Novo e depois Piritiba e Tapiramutá. Ela dividia, como meeira, os poucos pés de cafés que tinha no quintal da velha casa com o patrão usurário e opressor, como ocorre ainda hoje.
  Todos definhavam de fome. Um rapaz anêmico vivia chorando pelos cantos da casa e o velho pai era um alcóolatra à beira da morte que pegava vísceras de bois em matadouros da vizinhança para cozinhá-las numa aguada panela de feijão. Meu pai, também pobre, pagava seus préstimos de professora com um pouco de dinheiro e farinha da terra donde colhia a mandioca do roçado. Eram tempos de muita dureza e o homem trabalhava como escravo sem direitos a nada. A fome batia quase todos os dias na porta e nos olhava em forma de careta.
  O velho e o rapaz morreram. A professora Nina e o restante dos seus filhos pegaram um pau-de-arara e tomaram o rumo de São Paulo. Meu pai vendeu a terrinha e fomos para outro local onde pelo menos tinha um tanque d´água. Passei anos longe das minhas primeiras letras e só depois fiz, com muito sacrifício, o primário em Piritiba. Mais algum tempo parado e somente em 1962 ingressei no Seminário Nossa Senhora do Bom Conselho, em Amargosa. Bons tempos de estudos e aprendizagem, com professores de qualidade.
  Passaram-se quase 65 anos e a educação teve suas reviravoltas de altas e baixas, mais baixas, para cair numa vala lamentável de decadência e menosprezo, numa cruzada de greves, paralisações, ocupações, protestos, desespero, revolta e violência nas salas de aulas onde existem mais discórdias que harmonias.
  Até o final dos anos 70 e início dos 80, a educação pública era uma referência de qualidade e conteúdo. O professor era o verdadeiro mestre respeitado na sala e os alunos o reverenciavam como um pai, somente abaixo do Eterno. De lá pra cá foi entrando em degradação total, diferente da missão primordial de transmitir sabedoria e conhecimento.
  Aquela imagem da professora Nina e sua família está viva em mim nas cenas reportadas nos dias atuais de professores comendo bolachas num reservado escondido de uma sala para matar a fome e outros vendendo seus livros de literatura nas ruas para sobreviver, sem contar as agressões sofridas no exercício de suas atividades.
  De amigo e conselheiro, o professor é visto hoje pelos seus próprios estudantes como um inimigo que merece ser castigado porque escolheu ensinar e formar crianças e adolescentes rebeldes de um lar, cujos pais se ausentaram de suas obrigações, valorizando mais o capital que o humano.
  Pelo nível a que chegamos, de índices tão baixos de aproveitamento escolar que envergonham a nação, com imagem tão negativa lá fora, a pátria como mãe precisa parar com todas suas obras, pontes, estradas, viadutos e projetos de portos e aeroportos, para só cuidar da educação, filha desamparada que caiu em desgraça na prostituição das ruas e das drogas.
  A figura de um professor qualificado e motivado é o fator mais importante para o sucesso do aluno na escola e na vida, conforme estudos realizados em vários países. Quem tira maiores notas nas escolas prefere fazer outros cursos universitários ao invés de pedagogia, isto porque a profissão oferece pouca atratividade, devido à baixa remuneração e más condições de trabalho. O próprio Ministério da Educação constatou que o curso de pedagogia tem sido o destino dos alunos com as piores notas do Enem.

  Que possa até existir PEC dos gastos para outros setores, menos para a educação e a saúde, esta também necessária para que pais e filhos sejam sadios, e os jovens bem alimentados possam aprender a lição de cada dia. A educação não é mais apenas uma questão de prioridade maior, mas de salvação de vidas. Milhões morrem antes do tempo no Brasil por falta de educação.  

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