A REAL PROFESSORA NINA
EM HOMENAGEM A TODOS OS MESTRES
O homem sem instrução é um homem iludido. Em
minha vida nunca imaginei que uma profissão tão linda e nobre fosse se
transformar em medo, angústia e pesadelo. O orvalho da manhã está cada vez mais
escasso, e a relva e a grama da minha casa estão secas. O prazer de ensinar e
levar conhecimento aos rebentos virou uma obrigação. Sem o riso de antes,
muitos estão partindo para outras atividades enfadonhas e chatas, seguindo a
lei da sobrevivência a qualquer custo.
Aprendi as primeiras letras e a entoar a
tabuada para fazer umas continhas de somar, diminuir e multiplicar com a real
professora leiga dona Nina, não aquela personagem título de livros, de peças
teatrais, crônicas e contos como símbolo da nossa imaginação para identificar a
profissão. Como tudo que acontece pela primeira vez na vida, nunca me esqueci
daquela frágil, terna e carente mulher. Mas, o que mais me marcou foi a sua
extrema pobreza e como arranjava forças para ensinar.
Era meado dos anos 50 do século passado
quando tive minha primeira professora. A infância na roça da fazenda
Queimadinha, isolada de tudo, não me dava nenhuma noção do porquê tinha que
caminhar com minha irmã dois, três quilômetros dentro de um matagal todos os
dias para encontrar com a professora Nina, para ler soletrados os textos de uns
livros e ouvir o clamor, choros e brigas de uma família de mais de dez pessoas
por causa de um prato de comida nas horas do almoço.
A professora Nina morava como agregada de um
vasto latifundiário que mais lembrava os condes e duques franceses da
pré-revolução. A fazenda de quilômetros e mais quilômetros de capim e gado se
situava num território pertencente ao município de Mundo-Novo e depois Piritiba
e Tapiramutá. Ela dividia, como meeira, os poucos pés de cafés que tinha no
quintal da velha casa com o patrão usurário e opressor, como ocorre ainda hoje.
Todos definhavam de fome. Um rapaz anêmico
vivia chorando pelos cantos da casa e o velho pai era um alcóolatra à beira da
morte que pegava vísceras de bois em matadouros da vizinhança para cozinhá-las
numa aguada panela de feijão. Meu pai, também pobre, pagava seus préstimos de
professora com um pouco de dinheiro e farinha da terra donde colhia a mandioca
do roçado. Eram tempos de muita dureza e o homem trabalhava como escravo sem
direitos a nada. A fome batia quase todos os dias na porta e nos olhava em
forma de careta.
O velho e o rapaz morreram. A professora Nina
e o restante dos seus filhos pegaram um pau-de-arara e tomaram o rumo de São
Paulo. Meu pai vendeu a terrinha e fomos para outro local onde pelo menos tinha
um tanque d´água. Passei anos longe das minhas primeiras letras e só depois
fiz, com muito sacrifício, o primário em Piritiba. Mais algum tempo parado e somente
em 1962 ingressei no Seminário Nossa Senhora do Bom Conselho, em Amargosa. Bons
tempos de estudos e aprendizagem, com professores de qualidade.
Passaram-se quase 65 anos e a educação teve
suas reviravoltas de altas e baixas, mais baixas, para cair numa vala
lamentável de decadência e menosprezo, numa cruzada de greves, paralisações,
ocupações, protestos, desespero, revolta e violência nas salas de aulas onde
existem mais discórdias que harmonias.
Até o final dos anos 70 e início dos 80, a
educação pública era uma referência de qualidade e conteúdo. O professor era o
verdadeiro mestre respeitado na sala e os alunos o reverenciavam como um pai,
somente abaixo do Eterno. De lá pra cá foi entrando em degradação total,
diferente da missão primordial de transmitir sabedoria e conhecimento.
Aquela imagem da professora Nina e sua
família está viva em mim nas cenas reportadas nos dias atuais de professores
comendo bolachas num reservado escondido de uma sala para matar a fome e outros
vendendo seus livros de literatura nas ruas para sobreviver, sem contar as
agressões sofridas no exercício de suas atividades.
De amigo e conselheiro, o professor é visto
hoje pelos seus próprios estudantes como um inimigo que merece ser castigado
porque escolheu ensinar e formar crianças e adolescentes rebeldes de um lar,
cujos pais se ausentaram de suas obrigações, valorizando mais o capital que o
humano.
Pelo nível a que chegamos, de índices tão
baixos de aproveitamento escolar que envergonham a nação, com imagem tão
negativa lá fora, a pátria como mãe precisa parar com todas suas obras, pontes,
estradas, viadutos e projetos de portos e aeroportos, para só cuidar da
educação, filha desamparada que caiu em desgraça na prostituição das ruas e das
drogas.
A figura de um professor qualificado e
motivado é o fator mais importante para o sucesso do aluno na escola e na vida,
conforme estudos realizados em vários países. Quem tira maiores notas nas
escolas prefere fazer outros cursos universitários ao invés de pedagogia, isto
porque a profissão oferece pouca atratividade, devido à baixa remuneração e más
condições de trabalho. O próprio Ministério da Educação constatou que o curso
de pedagogia tem sido o destino dos alunos com as piores notas do Enem.
Que possa até existir PEC dos gastos para
outros setores, menos para a educação e a saúde, esta também necessária para
que pais e filhos sejam sadios, e os jovens bem alimentados possam aprender a
lição de cada dia. A educação não é mais apenas uma questão de prioridade
maior, mas de salvação de vidas. Milhões morrem antes do tempo no Brasil por
falta de educação.
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