TRAÍDO PELA TV
Nando da Costa Lima
Era um
domingo de verão e o povo da cidade assistia ao tradicional jogo dos casados
contra os solteiros. Depois do jogo tinha a feijoada no mercado em homenagem
aos ganhadores. Tudo era domingo: a roupa das moças, todas imitando o estilo do
principal personagem da novela das oito; as crianças, todas engomadas. Num fim
de mundo daqueles, qualquer acontecimento era aproveitadopra usar roupas novas,
eram estas as únicas oportunidades que o pessoal mais novo tinha pra se
aproximar, e daí surgiam os futuros casamentos. Coisas que nem mesmo a TV
conseguia mudar, como: namoro no jardim, matinê no domingo à tarde e futebol
amador pela manhã, isto se a cidade tivesse menos de 20 mil habitantes e não
fosse ponto turístico.
A praça
estava como sempre, de um lado os intelectuais discutiam energicamente: uns
achavam que “inteligência vem de berço”, outros rebatiam dizendo que
“curturanós adquire com o tempo”. O padre entrou no meio e explicou que cultura
não tinha nada a ver com inteligência. Do outro lado da praça estava o prefeito
eleito e sua comitiva, estavam procurando um local apropriado para colocar o
busto (de bronze) de Zé Pé de Valsa, cabo eleitoral que morreu em campanha
atropelado pelo trio elétrico. O serviço de alto falante fazia seu papel,
transmitindo recados dos rapazes para as moças ou vice-versa. Os recados
mostravam o poder da televisão: “Alô Maria que está com o cabelo igual ao da
Regina Duarte. Pedro, que parece aquele personagem da novela das seis, manda um
beijo e pede que você espere naquele bar que o dono parece o Tarcísio Meira”. E
todo recado era desse tipo. A televisão era novidade, demorou pra chegar e
pegava muito mal.
As coisas
aconteciam como sempre acontecem, a única coisa estranha era Reinaldo. Ele que
sempre foi tão animado estava encolhido num canto da praça sem conversar com
ninguém, e com jeito de quem está com vergonha. O doutor Roberval quando notou
a tristeza do rapaz tentou puxar conversa para aliviá-lo. Reinaldo achou melhor
desabafar com o doutor e contou tudo:
“Você lembra da minha fama na
cidade? Eu era o maior namorador do trecho, não teve uma menina dessas que eu não
carregasse no meu Gordine, e levava todas pro mato. Não teve uma que escapasse
do meu papo, agora elas só olham pra mim quando querem sorrir, os meus amigos
se afastaram todos, e tudo isso só porque eu fui passar um carnaval no Rio. Eu
tava enjoado dessa cidade e resolvi passar o carnaval fora. Fui para o Rio, e
para minha infelicidade fique hospedado numa pensão em que a maioria dos
hóspedes era de uma cidade do Sul, o restante era do Norte. No início até que
eu gostei, a rapaziada era muito alegre, e com o clima de carnaval as
‘frescuras’ passavam desapercebidas. Como eu não conhecia ninguém no Rio, o
jeito foi ficar amigo inseparável do pessoal, já tinha pegado até as manias,
ali ninguém ia ver mesmo. Mas o pior aconteceu quando eu aceitei um convite
para um baile a fantasia gay, aquele baile foi o meu fim como playboy local.
Pra minha infelicidade, a TV me filmou em plena animação, desse dia pra cá
ninguém mais fala comigo, já pintaram meu Gordine de rosa-choque, fui expulso
do time de solteiros e estou proibido de entrar no clube, meu pai não fala
comigo e a cada dia que passa eu fico mais só“.
O doutor perguntou encabulado:
- Mas tudo isso só porque foi num
baile gay?
- Não, a bronca deles é porque eu
participei do concurso a fantasia e fiquei em primeiro lugar fantasiado de
Odalisca. Foi a única roupa que coube em mim, a de Zorro ficou muito grande.
Reinaldo acabou de contar seu drama
e no final perguntou:
- Meu filho, você apenas foi traído
pela televisão, esquece esta bobagem e vamos lá pra casa pra eu te mostrar
minha fantasia de Cleópatra. Por falar nisso, de hoje em diante não me chame de
Dr. Roberval, para os amigos eu sou “Cléo”.
- Mas “dotô”, eu não sou gay.
- Eu também não, meu filho, tô até
respondendo a um processo, fui taxado de homofóbico só porque não saí do
guarda-roupa...
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