sábado, 15 de outubro de 2016

COLUNISTA VIP:



TRAÍDO PELA TV
Nando da Costa Lima
 Era um domingo de verão e o povo da cidade assistia ao tradicional jogo dos casados contra os solteiros. Depois do jogo tinha a feijoada no mercado em homenagem aos ganhadores. Tudo era domingo: a roupa das moças, todas imitando o estilo do principal personagem da novela das oito; as crianças, todas engomadas. Num fim de mundo daqueles, qualquer acontecimento era aproveitadopra usar roupas novas, eram estas as únicas oportunidades que o pessoal mais novo tinha pra se aproximar, e daí surgiam os futuros casamentos. Coisas que nem mesmo a TV conseguia mudar, como: namoro no jardim, matinê no domingo à tarde e futebol amador pela manhã, isto se a cidade tivesse menos de 20 mil habitantes e não fosse ponto turístico.
            A praça estava como sempre, de um lado os intelectuais discutiam energicamente: uns achavam que “inteligência vem de berço”, outros rebatiam dizendo que “curturanós adquire com o tempo”. O padre entrou no meio e explicou que cultura não tinha nada a ver com inteligência. Do outro lado da praça estava o prefeito eleito e sua comitiva, estavam procurando um local apropriado para colocar o busto (de bronze) de Zé Pé de Valsa, cabo eleitoral que morreu em campanha atropelado pelo trio elétrico. O serviço de alto falante fazia seu papel, transmitindo recados dos rapazes para as moças ou vice-versa. Os recados mostravam o poder da televisão: “Alô Maria que está com o cabelo igual ao da Regina Duarte. Pedro, que parece aquele personagem da novela das seis, manda um beijo e pede que você espere naquele bar que o dono parece o Tarcísio Meira”. E todo recado era desse tipo. A televisão era novidade, demorou pra chegar e pegava muito mal.
            As coisas aconteciam como sempre acontecem, a única coisa estranha era Reinaldo. Ele que sempre foi tão animado estava encolhido num canto da praça sem conversar com ninguém, e com jeito de quem está com vergonha. O doutor Roberval quando notou a tristeza do rapaz tentou puxar conversa para aliviá-lo. Reinaldo achou melhor desabafar com o doutor e contou tudo:
“Você lembra da minha fama na cidade? Eu era o maior namorador do trecho, não teve uma menina dessas que eu não carregasse no meu Gordine, e levava todas pro mato. Não teve uma que escapasse do meu papo, agora elas só olham pra mim quando querem sorrir, os meus amigos se afastaram todos, e tudo isso só porque eu fui passar um carnaval no Rio. Eu tava enjoado dessa cidade e resolvi passar o carnaval fora. Fui para o Rio, e para minha infelicidade fique hospedado numa pensão em que a maioria dos hóspedes era de uma cidade do Sul, o restante era do Norte. No início até que eu gostei, a rapaziada era muito alegre, e com o clima de carnaval as ‘frescuras’ passavam desapercebidas. Como eu não conhecia ninguém no Rio, o jeito foi ficar amigo inseparável do pessoal, já tinha pegado até as manias, ali ninguém ia ver mesmo. Mas o pior aconteceu quando eu aceitei um convite para um baile a fantasia gay, aquele baile foi o meu fim como playboy local. Pra minha infelicidade, a TV me filmou em plena animação, desse dia pra cá ninguém mais fala comigo, já pintaram meu Gordine de rosa-choque, fui expulso do time de solteiros e estou proibido de entrar no clube, meu pai não fala comigo e a cada dia que passa eu fico mais só“.
O doutor perguntou encabulado:
- Mas tudo isso só porque foi num baile gay?
- Não, a bronca deles é porque eu participei do concurso a fantasia e fiquei em primeiro lugar fantasiado de Odalisca. Foi a única roupa que coube em mim, a de Zorro ficou muito grande.
Reinaldo acabou de contar seu drama e no final perguntou:
- E o senhor, dotô, acha que eu fui errado?
- Meu filho, você apenas foi traído pela televisão, esquece esta bobagem e vamos lá pra casa pra eu te mostrar minha fantasia de Cleópatra. Por falar nisso, de hoje em diante não me chame de Dr. Roberval, para os amigos eu sou “Cléo”.
- Mas “dotô”, eu não sou gay.
- Eu também não, meu filho, tô até respondendo a um processo, fui taxado de homofóbico só porque não saí do guarda-roupa...


                                                                 

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